Por Geraldo de Majella*
Em 1968, o sociólogo francês Henri Lefebvre publicou O Direito à Cidade, obra fundamental que introduziu a ideia do direito à cidade como um direito coletivo. Esse direito abrange tanto o acesso à vida urbana quanto a possibilidade de participação ativa e transformação do espaço urbano por todos os cidadãos. Lefebvre argumenta que, em vez de servir apenas como um espaço de consumo e produção econômica, a cidade deve ser um ambiente de encontros, liberdade e participação democrática, onde as necessidades e desejos dos moradores são priorizados.
O direito à cidade, segundo Lefebvre, implica que todos os cidadãos tenham a oportunidade de contribuir para a construção e o uso do espaço urbano, promovendo uma cidade mais inclusiva e equitativa. Essa perspectiva destaca a importância de considerar a integralidade dos territórios e a interdependência entre todos os direitos civis, políticos, econômicos, sociais, culturais e ambientais.
Ao propor o direito à cidade como um direito de apropriação e transformação dos espaços urbanos, Lefebvre critica as práticas excludentes e segregacionistas da urbanização capitalista, apontando para a necessidade de um espaço urbano que reflita o bem comum e o direito de todos à cidade.
No cenário atual, o direito à cidade envolve o acesso aos serviços urbanos básicos, como saúde, educação, transporte, saneamento e moradia, mas vai além, abrangendo o direito de todos a influenciar decisões sobre o desenvolvimento urbano e a organização da cidade. O direito à cidade é, antes de tudo, um compromisso ético e político de defesa de um bem comum essencial à vida digna, em oposição à mercantilização dos territórios, da natureza e das pessoas.
Para encontrar soluções eficazes para os desafios urbanos, é fundamental promover discussões aprofundadas sobre o direito à cidade. Em Maceió, a ocupação desordenada do território reflete a falta de uma intervenção eficaz por parte do poder público municipal, que deveria atuar para regular e proteger o território com o que há de mais relevante e que é patrimônio coletivo.
O patrimônio coletivo inclui parques, praças, rios, edifícios históricos, tradições culturais, obras de arte públicas, e até recursos ambientais como ar e água. Em uma sociedade democrática, o patrimônio coletivo é valorizado e protegido, pois representa a memória, a identidade e os direitos das gerações presentes e futuras.
O debate tem sido propositalmente bloqueado pela Prefeitura de Maceió, em associação com grupos e entidades empresariais, resultando na “canibalização” da cidade sob o olhar passivo dos órgãos fiscalizadores, que têm atuado de maneira reativa e apenas pontualmente.
A materialização do direito à cidade no Brasil é definida no Estatuto da Cidade (Lei Federal n.º 10.257/2001), que regulamenta os artigos 182 e 183 da Constituição Federal. O Estatuto da Cidade estabelece diretrizes para o planejamento urbano, assegurando que a função social da cidade e da propriedade urbana seja respeitada. A lei promove o uso social e sustentável das áreas urbanas, visando garantir habitação, saneamento, transporte, lazer e a participação dos cidadãos na gestão e desenvolvimento das cidades.
A Constituição Federal (art. 225) garante o direito a um meio ambiente equilibrado, essencial para a qualidade de vida. O Estado e a sociedade devem protegê-lo, promovendo desenvolvimento sustentável e evitando degradação, visando beneficiar tanto as gerações presentes quanto futuras.
O Direito à Mobilidade Urbana (Lei nº 12.587/2012) estabelece a exigência de transporte acessível, seguro e sustentável, garantindo que todos tenham acesso aos serviços urbanos como uma das contribuições para a inclusão social.
A discussão sobre esses direitos surgiu das lutas sociais e das contribuições acadêmicas, assim como das mobilizações das entidades de classe e do parlamento brasileiro. No entanto, a sociedade ainda não os tem assimilado plenamente como conquistas essenciais para a convivência coletiva justa, solidária e baseada no respeito aos direitos de todos.
O debate sobre o direito à cidade é uma das agendas mais urgentes e relevantes para Maceió e não deve ser tratado como um tema secundário ou apenas objeto de ações judiciais. É importante que esse direito seja reconhecido como elemento essencial, permitindo desta maneira a compreensão mais ampla e democrática das questões que impactam diretamente a vida urbana.
*É historiador e jornalista