Por Dilson Ferreira*
O Campo da Política
Ao longo das décadas, grandes causas unificaram a política brasileira: os direitos civis nos anos 60, a redemocratização nos anos 70, a Constituição de 1988, a estabilidade econômica nos anos 90 e a inclusão social nos anos 2000. No entanto, o que antes era uma política visionária e transformadora, com resultados reais conquistados, hoje parece ter perdido seu foco.
Atualmente, o verdadeiro campo da política é a cidade — como sempre foi — onde questões como qualidade de vida, trabalho, igualdade, direitos urbanos, mobilidade, saneamento, meio ambiente, habitação e acessibilidade definem o cotidiano da população. Ignorar a centralidade da cidade é negligenciar a realidade concreta da maioria dos brasileiros.
Reconectando o Progressismo à Cidade
Para que o progressismo recupere sua relevância histórica, é imperativo se reconectar com a cidade e suas múltiplas complexidades. Infraestrutura, meio ambiente e acessibilidade não são meros detalhes técnicos; são questões centrais para a vida urbana. O afastamento das demandas urbanas representa a desconexão do progressismo com as necessidades reais da sociedade. Sem priorizar essas pautas, muitos partidos e lideranças perdem a capacidade de oferecer respostas práticas e efetivas ao cidadão.
Pautas Identitárias e o Desafio Urbano
Embora nós, progressistas, tenhamos avançado em pautas fundamentais, como os direitos LGBTQIAPN+, dos povos indígenas, da herança afro-brasileira, no combate ao racismo estrutural, de gênero, autismo, causa animal, entre outras, o progressismo falhou em articular essas agendas com as demandas urbanas do cotidiano. A ausência de políticas robustas para moradia digna, enfrentamento da crise das pessoas em situação de rua e melhorias no transporte público evidencia essa lacuna.
Partidos que colocaram questões urbanas no centro de suas propostas, como a pauta pela escala 6×1, o direito à cidade, as demandas dos moradores de rua, entre outras, têm conquistado relevância política e criado novas lideranças em todo o país e no Congresso Nacional. Esses exemplos mostram que problemas práticos, quando enfrentados com seriedade e espírito público, mobilizam amplo apoio social, independentemente de ideologias, partidos ou religiões. A pauta do fim da escala 6×1 é um exemplo: uniu o mundo político e a maioria da população.
A Estratégia da Direita: Obras e Redes
Enquanto parte do progressismo continua com discursos distantes, a direita avança nas cidades com uma estratégia simplista, genérica, porém eficaz: obras financiadas por emendas do chamado “centrão”. Embora frequentemente realizadas de forma clientelista, ineficiente e com pouca transparência, essas ações alcançam a população e geram impactos visíveis ao cidadão, o que tem gerado apoio e votos.
Nas periferias, o apoio das igrejas amplifica essa influência, embora muitas vezes essas instituições sejam instrumentalizadas por seus líderes de maneira antiética e mercenária para fins políticos, manipulando fiéis com fake news, ódio político e polarização. Uma grande parte do progressismo, por sua vez, tem falhado em oferecer uma alternativa concreta e confiável à população. Ainda assim, aqueles políticos progressistas que se conectam a pautas urbanas de forma efetiva têm conseguido bastante vitórias relevantes, inclusive no Nordeste.
O Potencial Federal e a Transformação Urbana
O governo federal dispõe de uma estrutura poderosa para transformar as cidades, especialmente as periferias, por meio de ministérios, universidades, institutos federais, escolas públicas e programas sociais. Essas instituições podem promover capacitação, empreendedorismo e inclusão cultural e social de forma estruturada. Contudo, para que isso aconteça, o progressismo precisa abandonar práticas partidárias burocráticas e longos discursos, investir em planejamento estratégico, diagnosticar problemas reais e ampliar o diálogo com a população. Sem isso, continuará refém de um modelo que privilegia discursos e debates, mas carece de resultados efetivos.
Cidade: O Desafio e a Solução
A cidade é onde a política se materializa. Problemas como violência urbana, mobilidade precária, saneamento inadequado, moradia insuficiente e insegurança afetam diretamente a população. Enfrentar esses desafios exige uma agenda urbana que transcenda divisões partidárias e priorize o bem-estar coletivo. Professores, estudantes e profissionais de arquitetura, engenharia, urbanismo, meio ambiente, entre outras áreas, têm um papel central nessa transformação, mas precisam atuar de forma ética, técnica e descolada da polarização política. A população busca ações concretas que resolvam seus problemas cotidianos, ao ponto de abrir mão de seu direito à transparência pública e participação popular nas soluções urbanas.
O Futuro Político Está na Cidade
Compreender a dinâmica urbana e suas estruturas — incluindo igrejas, ONGs, institutos, fundações e entidades comunitárias — é essencial para resgatar a política progressista no seio da sociedade. A pauta urbana não é apenas um desafio; é uma oportunidade de ampliar demandas sociais e propor soluções reais.
Transformar as cidades significa transformar a política e se conectar com o cidadão. Quem ignorar essa realidade estará fadado à irrelevância política na próxima década. Muitos partidos e políticos já entenderam isso.
É preciso ir às ruas e entender as demandas reais, de forma mais pragmática possível. A pauta unificadora da atualidade é a cidade e suas demandas.
*É arquiteto, urbanista e professor da da Ufal