14 de dezembro de 2024 1:32 por Da Redação
Por Fórum 21
Se estivesse vivo, Chico Mendes, o seringueiro do Brasil, estaria fazendo 80 anos nessa próxima semana que vai mais uma vez festejá-lo e lembrá-lo como ele merece. Chico 80 Anos: a Luta Continua é a súmula do evento de 2024, de 15 a 22 de dezembro, e nele está inserida a estreia do filme Empate, realizado pelo diretor, roteirista e produtor Sergio de Carvalho. Paulista adotado pelo Acre, onde vive há mais de vinte anos, Carvalho é também diretor do belo Noites Alienígenas, baseado em livro de sua autoria.
Este ano, o líder seringueiro que foi morto assassinado terá a homenagem organizada pelo Comitê Chico Mendes, pontuada por rodas de conversa, exposições, filmes e atos culturais nas cidades de Xapuri e Rio Branco. Uma oportunidade para reavivar as ações permanentes em prol da sobrevivência das nossas florestas, da defesa dos seus povos e para continuar lutando pelo extrativismo sustentável e pela efetivação da Reforma Agrária tão necessitada neste país. Em memória desse legado, o Comitê Chico Mendes se mantém ativo, completando 36 anos de ações ininterruptas por parte dos descendentes, dos sobreviventes do seu líder maior e das novas gerações de seringueiros e seringueiras.
Empate chega aos cinemas no próximo dia 5, depois de uma grande sessão pública e gratuita realizada no Acre. O filme é resultado do encontro do cineasta Sergio de Carvalho com Elenira, uma das filhas de Chico, e rastreia o movimento nos seringais do estado nas décadas de 1970 e 1980.
Os dois se conheceram no período do complô golpista que depôs a presidenta Dilma Rousseff e quiseram retratar os companheiros de Chico no filme. “Não como pessoas do passado que tinham uma história, mas também como agentes políticos daquele momento presente”, diz Carvalho. Há duas décadas ele frequenta a Reserva Extrativista, onde fez amigos.
“Acho as fronteiras entre documentário e ficção muito mais tênues do que a gente acredita e do que parecem ser. Não acredito muito em um cinema documentário que captura a verdade ou a realidade tal como ela é. Para mim, um doc sempre é uma interpretação dessa realidade”. Assim é como Carvalho vê os filmes-documentos; uma visão original e que faz refletir.
Ele acredita que Empate captura uma espécie de mal-estar do momento em que foi planejado. “Como se todos estivessem pressentindo uma ameaça muito grande que estivesse por chegar. Não sabíamos exatamente qual era ela, que acabou sendo muito pior do que podíamos imaginar. O filme captura esse sentimento, e é como se ele tivesse o primeiro e o segundo ato. O terceiro ato está ali implícito, o avanço da extrema-direita no Brasil e a maneira como isso está acontecendo”.
Carvalho também considera o seu longa-metragem uma espécie de chamado à luta coletiva ao mostrar o trabalho de resistência permanente e os enfrentamentos dos seringueiros.
“A partir das histórias e memórias desses companheiros que enfrentaram tanta coisa, enfrentaram os latifundiários, enfrentaram um sistema que estava completamente contra eles, a justiça tantas vezes, a polícia e a política, o poder econômico contra eles, mas eles existiram, lutaram e avançaram. Nesses personagens há um chamado à luta, o chamado à organização política. Acho que é um filme super atual e contém outro contexto, quando o assistimos hoje e vemos tudo que o Brasil passou”.
Além das entrevistas, Empate traz um rico material de arquivo com a história da Amazônia e as filmagens de Adrian Cowell, cineasta da BBC que registrou, nos anos 80, a devastação nas florestas amazônicas e a expansão da estrada BR-364 aberta em Rondônia e descendo pelo Acre. Foi quando Cowell conheceu Chico Mendes e se dedicou a filmá-lo e acompanhá-lo.
Outro precioso material de imagens pesquisado por Beth Formaggini, co-roteirista de Sergio de Carvalho, é de autoria do jornalista Edilson Martins, autor da última entrevista com Chico Mendes, poucas semanas antes do líder seringueiro morrer. A montagem de Empate é assinada por Lorena Ortiz.
“Hoje, a Reserva Extrativista Chico Mendes está ameaçada com projetos de leis que pretendem diminuir a sua área e com a invasão de fazendeiros, latifundiários de outros estados, principalmente de Rondônia, que chegam com uma cultura radicalmente diferente da extrativista. Existe um ‘antes’ da reserva e um ‘pós-reserva’ depois do governo Bolsonaro”, aponta Sergio de Carvalho. “E as mudanças climáticas pioram o cenário. Um exemplo, a falta de água para os moradores da reserva, situação inédita quando pensamos em Amazônia”.
Empate contém duas graves mensagens. Uma delas, as pressões e ameaças de grileiros que os ocupantes da Reserva Extrativista até hoje sofrem no sentido de abandonarem seu território ou de vendê-lo: “Desde 2016 cerca de cinco mil hectares de florestas foram devastados no Acre”.
A segunda, uma manifestação do ex-presidente da República que certamente estava fazendo uma de suas blagues mais lúgubres quando regurgitou: “O Brasil não suporta tantos territórios demarcados. Terras indígenas, áreas de proteção ambiental e parques nacionais que atrapalham o desenvolvimento do país”.
Concluindo: o filme documenta reuniões com alguns dos protagonistas, hoje já idosos, que eram membros do movimento seringueiro das décadas de 1970 e 1980 e lutaram contra grileiros que se apropriavam de terras incentivados pela ditadura de 64. E ao som das bonitas canções Saudades do Seringal e do Hino da Reforma Agrária, faz entender como aquele momento ainda hoje está presente no Acre, com a ampliação do desmatamento e a revisão de áreas consideradas improdutivas. O alerta final de Empate é este: “O novo governo do Acre, de 2019/2022, tinha como grande meta o incentivo do agronegócio nas áreas florestais. Em especial, cultivo da soja e pecuária”.