quarta-feira 2 de abril de 2025

Análise técnica aponta falhas no projeto de ampliação da Faixa Verde em Maceió

Uma análise técnica criteriosa, sob a ótica do urbanismo, revela lacunas estruturais, ausência de estudos essenciais e inconsistências que colocam em risco a funcionalidade do projeto

24 de dezembro de 2024 6:26 por Da Redação

Foto: Ascom DMTT

Por Dilson Ferreira*

O relatório do Departamento Municipal de Transporte e Trânsito (DMTT) sobre a Faixa Verde em Maceió apresenta um projeto com a intenção de promover a mobilidade ativa e ampliar o uso democrático do espaço público. Isso é importante e todos concordamos.

No entanto, uma análise técnica criteriosa, sob a ótica do urbanismo, revela lacunas estruturais, ausência de estudos essenciais e inconsistências que colocam em risco a funcionalidade do projeto, sua aceitação social e os objetivos de inclusão de mobilidade ativa. Afinal mobilidade é tema universal.

O estudo possui lacunas em prever impactos negativos em vias adjacentes, negligencia a acessibilidade universal para todos maceioenses e carece de integração modal com ciclovias, calçadas e transporte público, o que o distancia das melhores práticas urbanas mundiais e premissas observadas nos exemplos citados no próprio relatório. Vamos a análise.

Fiz uma Análise Técnica de Pontos Essenciais para o estudo:

Impactos no Tráfego das Vias Adjacentes:

O redirecionamento do tráfego para vias paralelas, como a Rua Epaminondas Gracindo e a Jangadeiros Alagoanos, foi insuficientemente analisado.

Ausência de simulações avançadas de tráfego:

O relatório não incluiu simulações robustas para prever o impacto da redistribuição do tráfego, especialmente em horários de pico e períodos sazonais de alta demanda turística como estamos vendo agora.

Capacidade viária subestimada:

A Epaminondas Gracindo já opera em nível de serviço com alto fluxo de veículos (inclusive com caminhões graneleiros do Porto, caminhões de combustíveis e muito ônibus de turismo, além de carga e descarga dia hotéis). Estimo pelo cenário apresentado que será ainda mais sobrecarregada com as pessoas estacionando nas vias paralelas, levando a congestionamentos frequentes e aumento dos tempos de deslocamento nesta via paralela a orla. Por tal motivo sugiro simulações robustas de tráfego, inclusive de transporte público.

Falta de rotas alternativas:

Não houve planejamento de rotas alternativas ou reconfiguração de fluxos das vias que reduzam a pressão nas vias adjacentes. Por tal motivo simular é importante antes de executar um projeto viário. Isso é básico da engenharia de transportes e mobilidade. A simulação prevê cenários para ajustar o projeto.

Gestão Semafórica e Sinalização:

Semáforos desatualizados: Não foram implementados semáforos inteligentes na região, ou ajustes sincronizados que otimizem o fluxo redistribuído conforme os horários. Pelo menos não vi nada neste sentido.

Ausência de campanha e sinalização de orientação em toda a área de influência direta e indireta:

A falta de placas claras e específicas de que ali é área de faixa verde para motoristas e pedestres, nas vias adjacentes e na orla, aumenta os riscos de acidentes e agrava a confusão nas vias redistribuídas. Este estudo de sinalização específica da faixa verde precisa ser realizado de forma mais educativa.

Retirada de Estacionamento

A remoção das vagas de estacionamento na orla foi feita sem a criação de alternativas adequadas, especialmente para idosos, autistas, mães com crianças, pessoas com mobilidade reduzida e outros grupos sensíveis. Nem mesmo para profissionais de aplicativos de entrega ou de transporte por aplicativo.

Esqueceram que ali é área residencial, comercial e hoteleira e alguns serviços são essenciais pelo menos para embarque e desembarque.

Impacto econômico no comércio local:

Falta de estudo de viabilidade econômica para os Restaurantes, bares e outros estabelecimentos. Não se observou o risco de estabelecimentos perderem clientes devido à falta de acessibilidade. Os últimos dados e pesquisas já mostram o impacto negativo. Isso é básico em qualquer estudo urbano, ou seja a viabilidade social, econômica e ambiental do projeto.

Dificuldade de acesso para grupos vulneráveis:

Turistas, famílias e pessoas com mobilidade reduzida enfrentam barreiras para acessar a orla, mesmo pelas ruas adjacentes. Observando a distância para ruas próxima chefa a 100 metros. Imagina uma pessoa idosa ou uma pessoa com mobilidade reduzida, enfrentar calçadas desniveladas e todo tipo de barreira urbana para acessar a faixa verde? Então esse hiato, entre a faixa e o transporte público não entrou no estudo, ou seja a conectividade não foi estudada?

Falta de Conectividade adequada com o Transporte Público e ruas adjacentes:

Problemas na Integração

Paradas de ônibus distantes:

As paradas localizadas nas vias paralelas a orla estão desconectadas da Faixa Verde, sem infraestrutura acessível que conecte os dois espaços. Não há calçadas adequadas e existe muita barreira urbana no caminho. O ponto de ônibus mais próximo chega a 198 metros da faixa verde.

Falta de infraestrutura conectiva:

Não há calçadas niveladas, rampas ou sinalização contínua que facilite o deslocamento seguro entre o transporte público e a orla.

É importante destacar que as principais leis e normas sobre acessibilidade no Brasil são fundamentais para garantir inclusão social e igualdade de direitos.

A Lei Brasileira de Inclusão (Lei nº 13.146/2015) assegura acessibilidade em todas as áreas, enquanto a Lei da Acessibilidade (Lei nº 10.098/2000) define critérios para espaços urbanos e transporte. O Código de Trânsito Brasileiro (Lei nº 9.503/1997) exige sinalização acessível e vagas prioritárias. Complementando, a ABNT NBR 9050/2020 estabelece parâmetros técnicos para tornar espaços públicos acessíveis. Embora citadas no relatório elas na prática não estão inclusas plenamente no projeto. Isso é uma falha.

Exclusão do direito a mobilidade:

A ausência de integração adequada com o transporte público com o projeto exclui pessoas que dependem exclusivamente desse modal para acessar a praia. Um projeto não estudado, por mais bem intencionado que seja pode por falta de estudo ter efeito contrário.

Turistas sem transporte próprio:

A falta de conexão direta com ônibus ou outros modais de transporte reduz a atratividade turística da região, pois os carros de aplicativos não possuem local para parar para embarque e desembarque.

Acessibilidade Universal:

A NBR 9050 estabelece que a acessibilidade para pessoas com mobilidade reduzida deve ser uma prioridade em projetos urbanos. O projeto da Faixa Verde falha em atender esses critérios, apesar de citar normas de mobilidade e acessibilidade, na prática não existem.

Ausência de rampas adequadas: Não há rampas que conectem as vias paralelas, a Faixa Verde e a praia, dificultando o acesso de cadeirantes e pessoas com mobilidade reduzida.

Falta de pisos táteis:

A ausência de pisos em alguns pontos direcionais compromete a navegação segura de deficientes visuais.

Desconsideração de grupos específicos:

Pessoas autistas: Não foram criadas áreas sensorialmente amigáveis nem vagas para embarque e desembarque.

Idosos:

A distância excessiva e a falta de áreas de descanso entre a faixa e as vias adjacentes tornam o deslocamento inviável e até arriscado.

Exemplos Internacionais Citados no Relatório da DMTT:

O relatório menciona intervenções bem-sucedidas em cidades como Copenhague, Munique e São Paulo. Esses exemplos demonstram a importância de estudos detalhados e planejamento integrado, que faltam no caso de Maceió.

O caso de Copenhague, Dinamarca

Lá: Estudos de origem-destino mapearam as necessidades de pedestres e ciclistas, e a integração modal foi prioridade nas faixas de CAMINHABILIDADE.

Aqui: Não há dados sobre o perfil dos usuários, e a integração com transporte público e a CAMINHABILIDADE é inexistente.

O caso de Munique, Alemanha

Lá: Simulações avançadas possivelmente foram realizadas e ajustes semafóricos garantiram a redistribuição eficiente do tráfego.

Aqui: Não foram realizados estudos robustos de impacto no tráfego com simulações computacionais de carregamento das vias, e a gestão semafórica sequer foi citada no relatório.

O caso da Rua Joel Carlos Borges, São Paulo

Lá: Urbanismo tático e testes preliminares permitiram ajustar o projeto antes da implementação definitiva. Houve diálogo com.a população.

Aqui: O projeto foi implementado sem consultas públicas ou testes iniciais, resultando em problemas estruturais e muita resistência local.

Sugestão de Estudos Necessários para Complementação do projeto:

Simulações de Tráfego:

Considerar cenários sazonais e horários de pico em todo perímetro e áreas de influência.

Avaliar o impacto da redistribuição do tráfego nas vias adjacentes e propor soluções para minimizar congestionamentos.

Estudos de Origem-Destino (se possível) e de sobe e desde de transporte público:

Mapear a quantidade e o comportamento de pedestres, ciclistas e usuários de transporte público. Planejar conexões diretas e seguras entre os modais.

Análise de Impacto Econômico:

Avaliar os efeitos sobre o comércio local devido à retirada de vagas e à falta de acessibilidade.

Propor medidas mitigadoras, como zonas de carga e descarga específicas.

Planejamento de Infraestrutura:

Garantir conformidade com as leis de acessibilidade, instalando rampas, pisos táteis e áreas de descanso.

Criar conexões acessíveis entre transporte público local das vias adjacentes, bem como das ciclovias e a Faixa Verde.

Proibição de tráfego pesado de caminhões em todo perímetro da orla e ruas adjacentes nos horários de pico de trânsito.

As faixas verdes flexíveis poderiam ser estacionamento em determinados horários do dia e da noite. Muitas cidades como Nova York fazem isso, dando flexibilidade só espaço urbano.

Como urbanista eu faria algumas recomendações Técnicas

Planejamento Viário:

Realizar ajustes semafóricos e implementar semáforos inteligentes nas vias redistribuídas após a orla, criando alternativas de escoamento.

Criar rotas alternativas para aliviar congestionamentos. Estudos locais de mobilidade com pequenas intervenções.

Quanto a Infraestrutura de transporte público:

Realocar paradas de ônibus dimensionadas e adequadas próximas à Faixa Verde criando rotas seguras e rápidas para pedestres conectarem a praia.

Criar bolsões de estacionamento próximos à orla, com vagas reservadas para pessoas com mobilidade reduzida e grupos sociais sensíveis, além de paradas para táxis, entregadores e motoristas de aplicativo. Poderia inclusive criar estacionamento rotativo e faixas azuis distribuídos em pontos nas vias adjacentes.

Quanto a Mobilidade Ativa:

Conectar a Faixa Verde a uma rede cicloviária contínua e calçadas acessíveis.

Garantir acessos adaptados à praia para cadeirantes e pessoas com mobilidade reduzida.

Reflexão final:

Essa foi a primeira impressão lendo o estudo da DMTT.

A Faixa Verde, em sua configuração atual, falha em atender critérios técnicos e sociais essenciais, comprometendo sua funcionalidade e inclusão. A ausência de estudos detalhados, como simulações de tráfego e análise de impacto econômico, somada à falta de acessibilidade universal e integração modal com quem usa transporte público, torna o projeto inadequado e excludente.

Para que alcance seus objetivos, é imprescindível uma revisão técnica rigorosa, inspirada nos exemplos internacionais citados, garantindo que o projeto seja funcional, inclusivo e alinhado às necessidades reais de Maceió.

Essa é minha contribuição para esse debate. Mobilidade é ciência e participação social.

Outra coisa básica: “mobilidade precisa de transporte público próximo para substituir outros modais como motos e carros”

Ninguém é contra mobilidade, somos contra imposições autocráticas sem debate e estudos urbanísticos. Quem mora e depende da cidade precisa ser ouvido.

*É arquiteto, urbanista e professor da Ufal

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