quarta-feira 2 de abril de 2025

Lagoa da Anta: entre a preservação e a expansão urbana

Proteger essa área e destiná-la ao uso público seria um avanço para Maceió, trazendo benefícios ambientais, sociais e econômicos a longo prazo

2 de fevereiro de 2025 10:45 por Da Redação

Reprodução

Por Dilson Ferreira*

Maceió vive um momento decisivo na preservação de seus espaços naturais e públicos. A Lagoa da Anta, um dos últimos vestígios das lagoas urbanas da cidade, está no centro de um debate sobre especulação imobiliária, impactos ambientais e a necessidade de um planejamento urbano que equilibre crescimento e sustentabilidade. O avanço desse modelo de ocupação pode comprometer não apenas esse patrimônio natural, mas também a qualidade de vida da população e a identidade ambiental da capital alagoana.

Nos últimos anos, grande parte das lagoas, riachos e manguezais da cidade foi perdida para a expansão urbana. A Lagoa da Anta fazia parte de um sistema hídrico maior, conectado ao Riacho das Águas Férreas, cujas águas formavam uma extensa várzea que começava onde hoje é Cruz das Almas e se estendia até o atual Jardim Vaticano. Essa várzea conectava a lagoa original – que ficava onde hoje está o Hotel Lagoa da Anta – à lagoa do Hotel Jatiúca. Esse ecossistema integrava manguezais, charcos e várzeas que chegavam até a praia. Com a ocupação urbana, esse sistema foi sendo reduzido, restando apenas a Lagoa da Anta, um fragmento do que existia no passado.

Agora, até mesmo esse último remanescente está ameaçado por um projeto imobiliário de grande porte, cujas informações foram mantidas sob sigilo, mas que já circulam entre profissionais e moradores atentos ao futuro da cidade.

O empreendimento planejado para a área do Hotel Jatiúca prevê a construção de um complexo com cinco torres e um resort à beira-mar, na parte frontal, onde atualmente está localizada a piscina. O projeto, elaborado por um escritório de arquitetura já conhecido em Maceió por empreendimentos desse porte, também prevê uma mudança significativa na infraestrutura viária: a substituição da ciclovia por uma via, prolongando a Avenida Litorânea. Isso significa aterro na faixa de areia, supressão da vegetação de restinga e uma mudança drástica no equilíbrio ambiental da orla.

Os impactos desse empreendimento vão além da Lagoa da Anta. O aumento da densidade urbana na região traria efeitos colaterais diretos sobre a vizinhança, como o sombreamento de edifícios residenciais já consolidados, incluindo o edifício Mahatma Gandhi e outros prédios erguidos entre as décadas de 1980 e 1990. Além disso, a construção de uma nova avenida pode intensificar a impermeabilização do solo, interferindo na drenagem natural e aumentando processos de erosão costeira. A reconfiguração viária também representa um desafio para a mobilidade sustentável, reduzindo o espaço para ciclistas e pedestres em favor da circulação de veículos motorizados.

Diante desse cenário, surge um questionamento fundamental: qual o papel dos órgãos públicos na proteção do meio ambiente e do ordenamento urbano?

O IPLAN, Instituto de Planejamento de Maceió, tem avaliado o impacto desse empreendimento para a cidade? Como a SEMURB, Secretaria Municipal de Urbanismo, tem fiscalizado essa expansão e garantido que ela respeite a legislação e o interesse coletivo? A SEMINFRA, Secretaria Municipal de Infraestrutura, considera os impactos dessa obra na drenagem urbana e no ordenamento viário? O IMA, Instituto do Meio Ambiente de Alagoas, se posicionou sobre os efeitos ambientais desse projeto? A SEINFRA, Secretaria de Infraestrutura do Estado, tem acompanhado essa questão para assegurar que o desenvolvimento da cidade ocorra de forma equilibrada?

Essas instituições têm um papel essencial no planejamento e na gestão urbana e ambiental de Maceió. Diante de um projeto desse porte, é fundamental que haja transparência, debate público e estudos de impacto amplamente divulgados para que a população possa compreender os efeitos dessa transformação na cidade.

Maceió já enfrentou inúmeras vezes o avanço desordenado da urbanização sobre seus espaços naturais. O acesso público à orla tem sido reduzido, áreas verdes têm dado lugar a empreendimentos de alto padrão, e muitas decisões são tomadas sem a participação da sociedade. No entanto, cidades que preservam seu patrimônio natural e investem em turismo sustentável conseguem gerar mais empregos, arrecadar mais e atrair mais visitantes do que aquelas que simplesmente privatizam suas áreas públicas.

A solução mais viável para essa região não deveria ser um novo complexo imobiliário, mas sim sua transformação em um parque urbano integrado à Lagoa da Anta, garantindo um espaço de lazer, turismo e educação ambiental para toda a população. A estrutura do antigo hotel poderia ser reaproveitada para funcionar como um centro de convenções e atividades culturais, consolidando um equipamento estratégico para o turismo local sem comprometer o patrimônio ambiental da cidade.

Nenhuma outra cidade litorânea do Brasil possui um ativo ambiental dessa magnitude em plena frente marítima. Proteger essa área e destiná-la ao uso público seria um avanço para Maceió, trazendo benefícios ambientais, sociais e econômicos a longo prazo.

A questão que se impõe é: Maceió vai permitir que sua paisagem natural seja transformada em mais um empreendimento privado ou buscará um modelo de desenvolvimento que valorize seu meio ambiente e ofereça espaços públicos de qualidade para todos? A cidade precisa decidir se continuará seguindo um caminho de ocupação desordenada ou se adotará um planejamento urbano que respeite sua identidade e sua riqueza natural.

*É arquiteto, urbanista e professor da Ufal  

    
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