domingo 16 de março de 2025

Da ditadura à transição democrática: um longo caminho

A ditadura civil-militar não foi derrotada por um único ato, mas pelo acúmulo de forças políticas e sociais, incluindo aquelas que se deslocaram de seu interior
Desfile de 7 de setembro em 1972 | Acervo Nacional

 

A derrubada do presidente João Goulart, em 1º de abril de 1964, foi acompanhada por justificativas apresentadas pelos golpistas civis e militares, com apoio da imprensa nacional, que alegavam a necessidade de livrar o país da corrupção e do comunismo, além de restaurar a democracia. É importante lembrar a atuação do governo dos Estados Unidos, que tinha interesses estratégicos na derrubada de Goulart.O novo regime iniciou rompendo com as instituições ao impor uma sucessão de Atos Institucionais (AIs), justificados como decorrência “do exercício do Poder Constituinte, inerente a todas as revoluções”. O AI-1 foi decretado em 9 de abril de 1964 pelos comandantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica. Formalmente, os militares mantiveram a Constituição de 1946, mas com várias modificações, assim como o funcionamento do Congresso e do Judiciário.

A aparência de que os poderes Judiciário e Legislativo continuavam funcionando era vital para a imagem externa da ditadura. Embora o poder real tivesse se deslocado para outras esferas e os princípios básicos da democracia fossem violados, o regime evitava assumir, expressamente, sua face autoritária, esforçando-se para se apresentar como democrático.

O AI-5, decretado em 13 de dezembro de 1968, marcou o auge da repressão da ditadura civil-militar. Suprimiu garantias fundamentais, ampliou os poderes do Estado para perseguir opositores e suspendeu o habeas corpus para crimes políticos, permitindo prisões arbitrárias sem direito à defesa.

Com base no AI-5, o Congresso Nacional foi fechado, houve intervenção nos estados e municípios e a censura à imprensa, à cultura e às manifestações artísticas foi intensificada. O terror de Estado se agravou, resultando em prisões arbitrárias, torturas, assassinatos e desaparecimentos forçados de opositores do regime.

Resistência

A ditadura foi implantada e se consolidou, porém, é importante registrar que, desde o início, contou com a resistência das forças democráticas no parlamento, intelectuais, sindicalistas e militantes de movimentos sociais. Setores da Igreja Católica também se levantaram contra a repressão e as violações dos direitos humanos, oferecendo apoio aos perseguidos e denunciando as arbitrariedades do regime. A resistência combinou luta institucional e social. O MDB, além de oposição procurou representar os setores sociais que resistiram. A resistência cresceu à medida que a oposição conquistava vitórias eleitorais, e os militares sentiram a pressão, sobretudo, nas eleições de 1974 e 1978, quando a oposição elegeu 16 senadores e aumentou a bancada de deputados federais.

Comício das Diretas Já! | Angelo Perosa/governosp

A liderança do deputado federal Ulisses Guimarães foi crucial para garantir a participação plural no MDB durante o regime militar. Originalmente, o MDB foi concebido como uma frente partidária ampla, com um caráter de coalizão que buscava unir diferentes correntes ideológicas e políticas em oposição à ditadura. Sob a liderança de Ulisses Guimarães, o partido conseguiu acolher uma diversidade ideológica, abrigando desde comunistas e socialistas até centristas, trabalhistas e social-democratas e liberais, formando uma aliança estratégica que visava garantir a resistência ao regime militar e a luta pela redemocratização do Brasil.

Ulisses Guimarães, com habilidade política, foi capaz de manter o MDB coeso e articulado, apesar das divergências internas entre as várias correntes ideológicas. Essa pluralidade foi fundamental para a resistência à repressão e o fortalecimento da oposição política, especialmente durante os momentos mais difíceis do regime militar.

Ulysses Guimarães com exemplar da recém-promulgada Constituição de 1988 | Reprodução

O Partido Comunista Brasileiro (PCB) se posicionou após o golpe militar, afirmando que a derrota da ditadura viria por meio de uma ampla frente política e de massas, na qual houvesse a combinação de luta institucional e social. Desde a criação do MDB, o PCB integrou-se à resistência, participando de sua organização nos estados e municípios. No entanto, essa política causou divergências internas e resultou em dissidências de dirigentes comunistas experientes, que organizaram partidos e movimentos cuja opção política foi a luta armada. Isso resultou em uma derrota política significativa e em grandes perdas humanas.

As vitórias eleitorais e dos movimentos sociais, estudantis, sindicais, além da presença dos intelectuais nas universidades, ampliaram ainda mais a atuação das forças antiditatoriais na cena política. A dissidência dos senadores da Arena, Teotônio Vilela e Severo Gomes, indicava o esgotamento político dos militares, abrindo um canal de debate em torno da abertura política anunciada pelo general Geisel e da anistia aos presos e perseguidos políticos, que passou a ser liderado por Teotônio Vilela, representando outro momento de contestação dentro do sistema.

José Sarney abraça Tancredo Neves (à dir.) durante convenção nacional para homologar o nome de Tancredo à sucessão presidencial | Marcio Di Pietro/Agência O Globo

A derrota da Emenda Dante de Oliveira, que propunha eleições diretas para presidente da República, em 24 de abril de 1984, levou a oposição, sob a liderança de Tancredo Neves, a disputar a sucessão no Colégio Eleitoral. Em 15 de janeiro de 1985, o Colégio reuniu-se e elegeu Tancredo presidente para um mandato de seis anos, com 480 votos (72,7%) contra 180 dados a Maluf (27,3%). A vitória da chapa Tancredo Neves–José Sarney selou o fim da ditadura e marcou o início da transição democrática.

Sarney assumiu a presidência em um momento especialmente grave, devido ao impedimento do presidente eleito, Tancredo Neves, que não estava em condições de saúde para tomar posse. Dias depois, Tancredo faleceu, e José Sarney assumiu definitivamente o mandato presidencial. Sua chegada ao poder marcou a história política do país, simbolizando o fim de mais de duas décadas de ditadura e o início do processo de democratização.

Durante o governo Sarney, o Brasil viveu um período de intenso debate político e revisão das principais leis que ainda restringiam a liberdade e a autonomia política, como o AI-5 (Ato Institucional nº 5), um dos maiores símbolos da repressão da ditadura. O governo Sarney também enfrentou o desafio da hiperinflação, que corroía a economia e dificultava a estabilidade social. O Brasil experimentou planos econômicos fracassados, como o Plano Cruzado, que buscava controlar a inflação, mas não conseguiu estabilizar completamente a economia e milhares de greves de trabalhadores.

A ditadura civil-militar não foi derrotada por um único ato, mas pelo acúmulo de forças políticas e sociais, incluindo aquelas que se deslocaram de seu interior. A democracia foi reconquistada, mas deixou um rastro de patriotas presos, mortos, desaparecidos, exilados, desterrados e banidos, vítimas de um regime brutal e repressivo. Esses sacrifícios são motivos mais do que suficientes para que permaneçamos atentos e vigilantes na defesa da democracia.

Não foi fácil conquistá-la, e a participação ativa da população no processo constituinte foi fundamental para que, ao final, o Brasil alcançasse uma Constituição moderna e democrática. Essa conquista reflete a força e a resiliência da sociedade brasileira, que, mesmo diante das adversidades, lutou pela liberdade e pelos direitos fundamentais. A memória desse processo deve servir de guia para que nunca mais o país retroceda em suas conquistas democráticas.

 

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