terça-feira 18 de março de 2025

O crime da Braskem e o silêncio que engole bairros inteiros em Maceió

O silêncio das autoridades é cúmplice. Mas o nosso silêncio não pode ser
Braskem isola área em que cratera surgiu com tapume | Cortesia

Por Mauricio Sarmento

Antes mesmo da divulgação oficial de uma nova nota técnica do Serviço Geológico do Brasil (CPRM), os moradores dos bairros vizinhos às áreas já evacuadas sentiam na pele os efeitos da tragédia invisível que se alastra por Maceió.

A desvalorização dos imóveis foi o primeiro alerta. Sem qualquer explicação pública, milhares de famílias viram suas casas perderem valor e, logo depois, passaram a ter o crédito habitacional negado.

Foi nesse contexto que a Caixa Econômica Federal passou a recusar financiamentos em áreas do entorno da zona de colapso. Não se trata de culpá-la pelo crime, mas o fato é que a instituição agiu de forma a proteger seus interesses — como quem já sabia dos riscos que estavam por vir.

A pergunta que paira é inevitável:

Teria a Caixa tido acesso antecipado à Nota Técnica nº 04/2022 do Serviço Geológico do Brasil – SGB/CPRM, mantida em sigilo até ser revelada pela Defensoria Pública?

Se sim, por que essa informação não foi compartilhada com a população? Por que as famílias foram deixadas à mercê da desvalorização de seus imóveis, da incerteza, do abandono?

A Caixa pode ter apenas se precavido. Mas sua atitude revela algo grave: alguém sabia. E mesmo assim, nada foi feito para proteger os moradores.

Agora, com a divulgação da Nota Técnica 04/2022, não resta mais dúvida: há indícios de subsidência em áreas que extrapolam o perímetro oficialmente reconhecido como afetado, incluindo Flexal de Cima, Flexal de Baixo, Marquês de Abrantes, Bom Parto, Levada, Gruta de Lourdes, Pitanguinha, Farol, além de trechos da Avenida Fernandes
Lima e da Avenida Rotary.

O próprio SGB/CPRM afirma que os dados interferométricos sugerem uma movimentação sutil do solo em diversas direções — mesmo que em velocidades tão baixas que escapam à margem de precisão dos equipamentos utilizados até então.

Mais ainda: a nota reconhece que os impactos econômicos, sociais e psicológicos sofridos pelas comunidades dessas regiões são legítimos e configuram tipos de risco classificados por lei como desastres (RPE e RPS). E deixa claro: a incerteza quanto à extensão do risco não pode ser usada como desculpa para a omissão do poder público. A lei obriga a ação preventiva — e as populações já demonstraram sua vontade de serem ouvidas.

O silêncio das autoridades é cúmplice. Mas o nosso silêncio não pode ser.

Não podemos esperar que nos apaguem do mapa como fizeram com Pinheiro, Mutange, Bebedouro, Bom Parto e Farol. Quem vive hoje nas áreas remanescentes — e nas que agora emergem como novas zonas de risco — precisa se insurgir. É hora de romper o isolamento, de gritar por justiça, de exigir que a Braskem, o poder público e os bancos respondam por cada perda, por cada dor, por cada vida afetada.

Quem vai reparar o prejuízo emocional e patrimonial das famílias que sequer foram incluídas nos processos de indenização?

O que está em curso é um apagamento: geográfico, social e humano. Uma cidade amputada, com bairros inteiros condenados ao abandono e ao esquecimento.

Mas não vamos aceitar esse destino imposto.

É hora de se organizar, de ocupar os espaços públicos, de exigir inclusão nas ações de reparação.

A Braskem continua lucrando, protegida por acordos milionários, enquanto aqui em Maceió seguimos cercados por crateras, rachaduras e incertezas. Mas não seremos cúmplices do silêncio.

Maceió resiste. As comunidades resistem. E quem ainda não se levantou, que se levante agora.

Porque só com luta se conquista justiça.

E justiça é o que Maceió exige.

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