28 de março de 2025 9:05 por Da Redação

Por Dilson Ferreira*
Imagina um urbanismo justo, popular, ecológico e democrático, com o povo no centro do projeto urbano.
Esse texto faz parte de uma série que se inicia hoje sobre o espaço urbano de Maceió.
Por muito tempo, Maceió é sempre tratada como periferia da agenda urbana nacional. Mesmo com nossas riquezas naturais, uma cidade rica em memória histórica profunda e um povo vibrante, vivemos os efeitos de um modelo excludente de urbanização: colonialismo, clientelismo político, crescimento desordenado, especulação imobiliária, abandono do centro histórico, colapso na mobilidade e degradação ambiental sem limites no litoral sul e norte.
- Essa realidade poderia mudar?
Sim. Com planejamento, coragem e inspiração nas melhores experiências do mundo, Maceió pode liderar uma verdadeira revolução urbana brasileira, considerando que não é uma cidade enorme, ancorada em justiça social, infraestrutura, urbanismo estratégico, sustentabilidade, cultura popular, economia criativa, educação, participação cidadã e inovação.
Este texto é parte de uma espécie de um manifesto que pretendo escrever em 2025, levantando reflexões sobre nossa cidade. Um convite ao debate público. Uma tentativa de iluminar a escuridão urbana e clientelista que ainda nos cerca. Proponho ideias já aplicadas em cidades latino-americanas, adaptáveis à realidade de Maceió. Não falo de utopias — aponto caminhos possíveis e urgentes.
- A cidade precisa efetivamente resgatar a memória
Centros históricos como o de Maceió estão sendo apagados pela especulação e pela ausência de políticas municipais de valorização da memória e da história. Não basta lançar Parcerias Público-Privadas (PPP) na bolsa B3 em São Paulo, para instalar complexos administrativos no Centro sem sequer realizar um diagnóstico claro da área e suas potencialidades como bairro e não como um aglomerado de autarquias juntas.
O Centro de Maceió precisa voltar a ser um bairro — com gente morando, vivendo, utilizando o espaço, trabalhando, consumindo cultura, gastronomia e serviços e não apenas um lugar de passagem ou de comércio. O mundo já entendeu isso. Maceió também precisa entender.
Importar ideias como o “Projeto Nova Luz” de São Paulo, criando uma proposta com nome e identidade visual semelhantes — como o “Novo Centro” de Maceió — sem compreender a realidade local, é um equívoco. Maceió precisa de um plano urbano próprio, construído com base em diagnósticos aprofundados e ampla participação popular. Isso não significa descartar boas inspirações, mas sim adaptar experiências bem-sucedidas à nossa realidade, e não copiar modelos prontos.
É hora de abandonar o modelo de urbanismo importado, que tenta transformar Maceió em uma espécie de “Beverly Hills tropical”. Um urbanismo que retira a restinga natural para plantar grama importada, substitui coqueirais nativos por palmeiras imperiais em plena faixa de praia, e instala “beach clubs” em áreas de preservação permanente.
Esse tipo de intervenção ignora completamente a função ecológica e cultural dos nossos ecossistemas, desfigurando a paisagem e ameaçando a biodiversidade. Um novo fenômeno, o chamado “urbanismo de Instagram”, transforma a cidade em um palco colorido para redes sociais, com iluminação artificial excessiva e cenários temporários. A banalização chegou ao ponto de promover festas noturnas sobre os recifes de corais — um atentado à fauna marinha e ao equilíbrio ambiental da nossa costa.
Enquanto isso, regiões próximas a esses cenários continuam sem o mínimo de infraestrutura urbana. É preciso inverter essa lógica. Urbanismo não é espetáculo para likes — é justiça territorial, equilíbrio ambiental e bem-estar coletivo.

- Zonas francas urbanas: uso social, não só lucro
É urgente implementar zonas francas urbanas, com isenção fiscal para quem recuperar imóveis tombados e destiná-los à habitação, cultura, inovação e economia criativa. O Mercado da Produção, por exemplo, poderia se tornar um polo gastronômico, turístico e cultural, como os mercados de São Paulo, Curitiba, Santiago, Medellín ou Buenos Aires.
Mas não basta um projeto arquitetônico bonito. Precisamos de uma operação urbana integrada, que envolva o Centro, os mercados, a Vila Brejal e todo o entorno. Projetos isolados não mudam realidades — planos urbanos estruturantes, sim.
- Bondes urbanos: modernidade com memória
Em vez de ampliar o espaço para carros, propomos a implantação de bondes elétricos modernos — como o Tranvía de Medellín ou os tramways de Buenos Aires, Melbourne e Paris.
Esses bondes poderiam circular entre o Centro, Jaraguá, Pajuçara, Marco dos Corais e Lagoa da Anta, substituindo faixas de estacionamento por um modal limpo, silencioso, gratuito e encantador. Um verdadeiro mirante móvel que valoriza nossa orla e nossos monumentos. Isso sim seria um projeto de mobilidade interessante para a cidade.
Seria também um gesto de reconexão com a história: os trilhos antigos ainda existem, escondidos sob o asfalto. Trazer os bondes de volta é devolver o espaço urbano às pessoas e reencantar a cidade.
A cidade que queremos não é a do Instagram
Essa revolução urbana não exige bilhões em obras. Ela começa com planejamento sério, valorização da memória, mobilidade digna e escuta popular. Basta ter seriedade e buscar apoio nas universidades e entidades profissionais, muita gente embarcaria nesse belo projeto de promover “urbanismo para todos”.
É possível transformar Maceió em uma referência nacional de urbanismo justo — se formos capazes de colocar o povo e nossa História no centro do projeto de cidade. Como sempre falo: “Gestão Pública se faz com Gestores não com Amigos e Comissionados”
Continuamos nosso manifesto no próximo texto (parte 2)
*Arquiteto urbanista, professor doutor da FAU/Ufal