sábado 23 de novembro de 2024

Carta de Manoel Simplício de Miranda ao Presidente da República e Ministro da Justiça

Permita-me, ilustre homem público que detém tanta força nas mãos, que um pai possa pelo menos morrer tranquilo sabendo do filho desaparecido vivo ou morto.
Jayme Miranda e o líder chinês Mao Tsé Tung, em Pequim

 

O jornalista e advogado Jayme Amorim de Miranda (1926-1975) nasceu em Maceió, no bairro do Poço, no dia 18 de julho de 1926. Aos 49 anos foi sequestrado no dia 4 de fevereiro de 1975, na cidade do Rio de Janeiro, pelos órgãos repressivos da ditadura militar. Filho do casal Manoel Simplício de Miranda e Hermé Amorim de Miranda, era o segundo de uma família de dez filhos.

Casado com Elza Rocha de Miranda, constituiu uma família de quatro filhos. Dois nasceram em Maceió e dois no Rio de Janeiro: Olga Tatiana (1960) e Yuri Patrice (1961) são alagoanos; os outros dois, Jaime (1965) e André Rocha de Miranda (1970), são cariocas.

Jayme Miranda era membro da direção nacional do PCB e o seu secretario nacional de organização. Em Alagoas foi o diretor responsável pelo jornal A Voz do Povo, semanário fundado em 1º de maio de 1946 e destruído às primeiras horas da manhã do dia 1º de abril de 1964, quando os militares depuseram o presidente João Goulart.

A família, viúva, filhos e netos continuam a denunciar o desaparecimento de Jayme Miranda, passados 46 anos do trágico acontecimento. Hoje, dia 4 de fevereiro, foi postado um vídeo nas redes sociais, no qual o ator Chico de Assis lê uma carta escrita pelo comerciante Manoel Simplício de Miranda, pai de Jayme Miranda, endereçada ao ministro da Justiça em março de 1975. O vídeo é uma produção coletiva com imagens de André Feijó.

Jayme Miranda, Napoleão Moreira, Mozart Damasceno e Edler Lins em Moscou

Fonte: As imagens do vídeo foram tiradas do filme “Memória de Sangue. Jayme Miranda: trajetória de um lutador social”, documentário dirigido pelo historiador e jornalista João Marcos Carvalho, com fotografia de André Feijó

Carta de Manoel Simplício de Miranda ao Presidente da República e Ministro da Justiça

“Pelas mãos do honrado senhor senador Luiz Cavalcante ratifico perante Vossa Excelência o mesmo feito ao ilustre ministro Dr. José Ribeiro Castro Filho em nome do Conselho dos Advogados para uma luz oficial que alumie e alivie a dor da incerteza de uma família numerosa e simples como simples e numerosas são todas as família do Norte. É a busca do meu filho querido, que saiu de casa na manhã de 4 de fevereiro próximo passado e não mais foi visto nas ruas, nos hospitais, nos necrotérios e nas prisões que nos permitiram chegar perto. Meu filho, douto Ministro, é um advogado de 49 anos de idade, pai de quatro encantadoras crianças, um homem brilhante, eu poderia considerar, que não teve o receio de infringir as restrições da hora vivida, que tira do homem o direito de livre ideia, de livre pensar.

“Trata-se de Jayme Amorim de Miranda, ex-suplente de deputado estadual, ex-diretor do jornal A Voz do Povo, cassado e preso em 64 e libertado quase um ano depois, sem ser ressarcido da sua propriedade confiscada e destruída. Residindo na Guanabara desde então, meu filho não é um criminoso, senhor Ministro da Justiça; ele é um pensador que pode não comungar daquilo que o poder oficial considera correto ou absolutamente certo; é um homem e, como tal, sujeito a erros passíveis ou não de punição, mas é igualmente um ser humano digno de respeito ou da simples comiseração do Estado.

“O tempo nos meus 79 anos me tirou a luz dos olhos, senhor Ministro, a luz do vigor do meu coração. O relógio da vida está igualmente a se extinguir. Permita-me, ilustre homem público que detém tanta força nas mãos, que um pai possa pelo menos morrer tranquilo sabendo do filho desaparecido vivo ou morto. Permita, em nome da honra de Vossa Excelência, que eu possa, antes de entregar minha própria alma ao Criador, enterrar meu morto mais querido ou cobrir no amparo de meus netos e minha nora aquele que o país decidiu julgar.

“Um velho chora no papel o desespero da incerta ajuda, senhor Ministro, com o vosso prestígio e senso de humanidade ao servo e humilde. O clã é uma família muito querida para que eu possa fechar os olhos cônscio do dever cumprido. O dever do pai na proteção do filho.”

Maceió/AL, 22 de março de 1975

Manoel Simplício de Miranda

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1 Comentário

  • E caminhamos para tempos tão sombrios quanto esse relatado. Não é possível uma convivência harmônica com pessoas que compactuam com este absurdo!

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