20 de maio de 2021 2:00 por Redação
Entre as minhas evocações aos anos vividos em Anadia, trago na minha memória, aos sábados minha avó paterna cantando o Ofício da Imaculada Conceição e sempre realçava: “quando se começa o ofício não se pode parar, porque Nossa Senhora se ajoelha no céu”. Diante de tamanha piedade eu ficava imaginando a cena: Maria, no céu, ajoelhada…que quadro belo. Coisa da minha memória religiosa.
Etimologicamente, a palavra memória, de origem latina, deriva de menor e oris, e significa “o que lembra”, ligando-se, assim, ao passado; portanto, ao já vivido (GIRON, 2000, p. 23).
Essa memória me instigou a buscar a entender a origem, a estrutura dessa oração, que é patrimônio da Religião do Povo.
Acredita-se que o popular Ofício de Nossa Senhora foi escrito em meados do século XV, atribuído a Bernardino de Busto ou a São Boaventura e aprovado pelo Papa Inocêncio XI. Aqui no Brasil, sua divulgação se deve aos missionários que atuaram no século no século XVII e sua divulgação ficou registrada em vários benditos: “Frei Altino deixou / três pés de árvore plantada / o terço à boca da noite / ofício de madrugada”1. Nas Santas missões, onde um pequeno grupo de missionários dirigidos por um padre-mestre visitava as comunidades nas cidades, nos lugarejos, nas fazendas, nos engenhos. Nos séculos XVII e XVIII, tempo áureo do cristianismo leigo e luso, a missão foi a maneira mais proveitosa que a igreja encontrou para dar assistência espiritual ao povo. Durante as mesmas se ensinavam o catecismo, os dez mandamentos e as oito bem-aventuranças. Visitavam os sete passos, rezavam a Missa, o terço cantado e Ofício de Nossa Senhora da Conceição e a Salve. Faziam procissões cantando benditos.
O Ofício de Nossa Senhora foi oração obrigatória nos quartéis do exército brasileiro no tempo do Império. Até hoje é cantado em casas e capelas, aos sábados. Muitos o conhecem de cor. Ele faz parte da vida do povo; é rezado em diversas circunstâncias, desde a hora do parto até na hora da morte.
Os nomes das partes do Ofício de Nossa Senhora da Conceição correspondem às horas do ofício divino que consta no tradicional breviário dos padres, monges, religiosas. São elas em Latim: (1) Matutinas, (horas matinas) parte longa (entre outras: nove salmos e três leituras) rezada de madrugada ou à meia-noite. (2) Prima (hora primeira) às 6h da manhã; (3) Tercia (tércia, hora terceira), às 9h; (4) Sexta (hora sexta) ao meio-dia; (5) Noa (hora nona), às 15h; (6) Vesperas (vésperas), de tardinha; (7) Completas (horas derradeiras), antes de deitar. O Ofício popular é simplíssimo; em cada hora reza-se uma invocação, um hino e uma oração conclusiva; no final de tudo, é feito o Oferecimento.
Há no Ofício da Imaculada Conceição muitas citações bíblicas do Antigo e do Novo Testamentos; Suas palavras iniciais, são: “Agora, lábios meus,/ dizei e anunciai / os grandes louvores da Virgem Mãe de Deus. // Sede em meu favor, / Virgem soberana,/ livrai-me do inimigo / com grande valor”. O hino das Vésperas curiosamente reza: “Deus vos salve relógio, / que andando atrasado / serviu de sinal /ao Verbo Encarnado”. O texto fala do relógio de Acaz (Is, 38,8ss; 2Rs 20, 1-12). Ezequias pediu um sinal de sua cura ao profeta Isaías. E a sombra do relógio voltou dez graus. Assim como aquele relógio foi o sinal da salvação de Ezequias, assim, Maria é o sinal da nossa salvação, pois nos trouxe o Cristo.
Para concluir quero ressaltar a importância do Ofício da Imaculada Conceição no devocionário popular, pois praticamente todos os tradicionais livros de oração e meditação, cartilhas e catecismos, manuais de irmandades e coleções de cânticos, incluem “O Ofício”. A versão do texto decorado pelo povo já se encontra no Manual Corte Celeste (1751) e no manual de Oração cujo título completo é: “Sanctos Exercícios que são para a Novena Geral de Maria Santíssima, Nossa Senhora” (…),
Divino ofício de sua Imaculada Conceição, modo de rezar o ofício divino, forma de Novena de Natal, (…) e várias devoções e orações para todo fiel christão. Offerecido à puríssima Conceição da Virgem Maria nossa Senhora dado à luz por Francisco Ferreira Machado, Lisboa, 1774.
1- VAN DER POEL, Francisco. Dicionário de Religiosidade Popular, p. 728.
Referências:
GIRON, Loraine Slomp. Da memória nasce a História. IN: LENSKIJ, T. & HELFER, N.E. (Org.) A memória e o ensino de História. Santa Cruz do Sul: Edunisc; São Leopoldo: ANPUH/RS, 2000.
VAN DER POEL, Francisco. Dicionário de Religiosidade Popular. Curitiba: Ed. Nossa Cultura, 2013.