10 de julho de 2020 8:46 por Redação
Este artigo é o primeiro de uma série de artigos sobre os Beatos e Beatas em Alagoas no período de 1850 a 1950 e fez parte da minha pesquisa para a dissertação de Mestrado; consta de uma análise, a partir da especificidade do catolicismo místico beato, em Alagoas. Alagoas foi um “celeiro de beatos”, pregadores e penitentes, que sempre granjearam muitos seguidores. A partir de uma pesquisa bibliográfica, vamos localizá-los no tempo e no espaço e, em seguida, fazer uma análise do surgimento desses beatos, beatas e Messias, e de sua trajetória, a partir de uma tipificação Weberiana de carisma e líder carismático.
- Introdução
O processo de evangelização no Brasil, como em Alagoas, se deve, em grande parte, à ação do povo iletrado, simples e pobre.
Povo que vem, avança, trabalha e desbrava a terra. Instala-se e forma a Igreja (= comunidade de fé) antes da chegada dos padres e das paróquias. As paróquias nascem sempre mais tarde, quando a terra já é habitada e quando já existe a Igreja-Comunidade. (QUEIROZ, 2003, p. 72).
A Arquidiocese de Maceió, desmembrada da Arquidiocese de Olinda e Recife, foi criada em 2 de julho de 1900, pelo Papa Leão XIII, através da bula Postremis Hisce Temporibus. Designada Diocese das Alagoas, abrangia todo o território do Estado e teve a sua instalação oficial em 23 de agosto de 1901, com a posse solene do primeiro bispo, D. Antônio Manuel de Castilho Brandão, na Catedral de Nossa Senhora dos Prazeres. Alagoano da região sertaneja de Mata Grande, D. Manuel fora anteriormente bispo do Grão-Pará. A cerimônia de posse foi realizada num clima de euforia, soprado pelos ventos da romanização. Era preciso marcar presença, delimitar território, ter o clero e o povo sob o mais absoluto controle. Assim, seu O primeiro grande marco de D. Antônio foi a criação de um Seminário, com ensino de Filosofia e Teologia, para a formação do clero dentro dos nos moldes das exigências da romanização. Esta prescrição será comum com a criação das novas Dioceses, no final do século XIX e início do século XX. Assim, foi cumprida a primeira tarefa do bispo: criar o seminário, que deveria ser “a obra das obras” (HOORNAERT, 1973).
Os pobres eram objeto da caridade da Igreja, nunca da justiça. Mas, isoladamente, apareceram apóstolos que apontavam para outro caminho, como Frei Caetano de Messina e Padre Ibiapina, exemplos de uma alternativa no lidar com o povo e sua religião. “A fidelidade do povo do interior à Igreja Oficial não era incondicionada. Os sertanejos dispunham de um ideário religioso próprio. Era um catolicismo autônomo e leigo, expressão específica de sua vida” (OTTEN, 1990, p. 301).
A partir do século XIX, com o acirramento da romanização da Igreja Oficial, o monopólio gerencial dos bens religiosos, da salvação, estava cada vez mais nas mãos do clero. E o crescimento das exigências para se ter acesso a estes bens condicionou a subsistência de uma grande classe de agentes religiosos na zona rural, que continuaram a produzir, embora sejam desconhecidos, marginalizados e até combatidos pelo clero. Criou-se, assim, um submundo católico de atividades múltiplas, que talvez sejam identificadas pelas autoridades eclesiásticas como magia, feitiçaria, abuso, mas nem por isso deixam de existir e proliferar na vida rural católica. Dentre esses agentes, os beatos foram os que mais ajudaram a conservar a forma rural do catolicismo em muitos povoados e fazendas, chegando até a provocar e liderar verdadeiros movimentos messiânicos.
Hoornaert (1997) afirma que os beatos e beatas que surgiram em meados do século XIX eram como a ponta de um iceberg de uma estrutura rígida que tinha muito a ver com o que – mais na perspectiva do pensamento de Thales de Azevedo do que na de Roger Bastide – estávamos acostumados a chamar de “religiosidade popular”. E que estas figuras de cunho social e eclesial foram se delineando com contornos “fluidos e imprecisos”, em razão da falta de documentação escrita.
Fui aprendendo que os beatos não podiam simplesmente ser considerados ‘leigos’, no sentido que o Direito Canônico atribuiu a essa palavra, pois não agiam ao lado dos padres no seio de uma mesma Igreja hierárquica, mas, sim, experimentavam uma experiência eclesial específica, dentro do mesmo campo religioso católico (HOORNAERT, 1987, p. 16).
O beato vive de esmola, se faz casto e a sua função é ser útil ao próximo: é um tipo de serviço social, feito principalmente nas rezas pelos vivos e pelos mortos. Somente depois de algum tempo de exercício de sua vocação é que ele é reconhecido pelo povo como “beato”.
Ainda segundo Hoornaert (1983) foi instalada, dessa maneira, uma alternativa de poder na Igreja do Brasil: um poder dividido entre a instituição eclesiástica, ligada ao sistema colonial, e o livre caminhar para os santuários que surgiram por toda a parte. Claro que, nestas condições, a Igreja começou a perceber a importância das romarias e a tentar recuperar as forças vivas que nelas se manifestavam.
Referencias:
HOORNAERT, Eduardo. Verdadeira e falsa religião no Nordeste. Salvador: Editora Beneditina, 1973.
______. Ambientes e movimentos alternativos. In: HISTÓRIA da Igreja no Brasil. Petrópolis: Vozes, 1983. T. II/1.
______. Os anjos de Canudos: uma revisão histórica. Petrópolis: Vozes, 1997.
OTTEN, Alexandre. Só Deus é grande. São Paulo: Loyola, 1990.
QUEIROZ, Maria Isaura P. O messianismo no Brasil e no mundo. São Paulo: Alfa Omega, 2003.
Todas as postagens são de inteira responsabilidade do blogueiro.
3 Comentários
Muito intetessante, não tinha esse conhecimento, como é importante a leitura para nossa alma, além de conhecimentos nos leva a uma mudança de postura como folhos de Deus. Parabéns! Abraço fraterno.
Parabens pelo belo texto. Não tinha conhecimento disso. De repente me veio à cabeça o Frei Damião do qual tive a oportunidade de conhecer quando criança.
Obrigado por abrir nossas mentes.
Agradeço ao Padre Gilvan a socialização desse importante estudo.
Gostaria de receber, se possível forl, os demais que o complementam.
A bibliografia apresentada é bastante enriquecedora e estimula a curiosidade pelo tema. Sempre grata. Carmen Azevedo