30 de julho de 2023 9:52 por Da Redação
Por Maria Tereza Pereira, especial para o 082 Notícias
Kleython de Araújo Monteiro é professor adjunto da Universidade Federal de Alagoas da área de Geografia e doutor em Geografia, especialista em Geomorfologia Estrutural, Megageomorfologia, Morfometria, Morfogênese e Geografia Física Aplicada. Líder do Núcleo de Estudos do Quaternário do Nordeste do Brasil (NE Quat/UFAL), também integra o Grupo de Estudos do Quaternário do Brasil pela UFPE.
O professor Kleython fez parte, durante o período de dois anos, até o primeiro semestre deste ano, 2023, do Comitê de Danos Extrapatrimoniais do Caso Braskem, em Maceió. O mesmo atuou como secretário da presidência deste comitê até sua saída. Em conversa com a redação do 082 Notícias traz informações sobre a importância da Geografia e Geologia para o estudo, análise, preservação e restauração do meio ambiente. Pesquisador em Geomorfologia, foi representante da Universidade Federal de Alagoas, UFAL, no Comitê Gestor dos Danos Extrapatrimoniais, cujo objetivo é definir a destinação dos recursos pagos a título de danos sociais e morais coletivos à comunidade, direta ou indiretamente, em decorrência da extração de sal-gema pela Braskem, na capital alagoana.
Professor quais as diferenças e similaridades entre geógrafo e geólogo. O senhor tem atuado na interseção entre as duas áreas, nos explique qual a importância dessas especializações para o Meio Ambiente. Quais outras especialidades também devem participar? Como a comunidade leiga pode compreender esse trabalho?
Vale sempre ressaltar que a análise das questões ambientais tem se tornado cada vez mais um campo inter e multidisciplinar. Desta forma, diversas ciências têm atuado nesta seara. A geografia e a geologia são campos muito comuns e muito atuantes quando se trata de meio ambiente, muitas vezes confundidas entre si. Não minimizando as diversas atuações das ciências, podemos entender a geologia como a ciência que vai se voltar para entender como os diversos tipos de rochas se formam, se estabelecem e se transformam dinamicamente e em suas estruturas. Já a geografia utiliza alguns dos conhecimentos da geologia, junto com conhecimentos de diversas outras áreas para construir o seu foco principal, a análise das relações espaciais. A geografia não se aprofunda nas questões específicas da geologia, da biologia ou da economia, mas se utiliza de partes dos conhecimentos destas e de outras áreas para produzir uma análise integrada, relacional, complexa, de interação entre estes diversos elementos. A geografia, em essência, foca na gestão destes elementos em prol da sociedade. Por exemplo, enquanto a Geologia se preocupa em como as camadas geológicas se estabeleceram, se estruturam, como se comportam, o que suportam, a geografia obtém os graus de fragilidade dessas camadas, associa aos fatores culturais, históricos, econômicos e de produção, estabelecendo cenários para o melhor uso destas áreas a partir destas associações. Em suma, a geografia se preocupa em propor que tipos de produções, usos e ocupações sociais são mais viáveis levando em consideração as rochas, os solos, os biomas, entre outros fatores naturais que ali se encontram. Para tanto, uma análise ambiental pressupões a associação destes diversos atores em vários graus de importância, sempre dependendo de qual é o objeto de análise a ser observado.
No Nordeste, e especificamente em Alagoas, existe um trabalho contínuo e interdisciplinar sobre prevenção e acompanhamento a respeito de impactos ambientais provocados por fenômenos naturais excesso de chuva ou excesso de estiagem? E com relação aos danos provocados pela ação do Homem, como o problema provocado pela mineradora Braskem, as queimadas, desmatamentos, existe algum trabalho contínuo interdisciplinar? Qual a importância desse acompanhamento rigoroso e contínuo?
Em Alagoas, assim como em vários outros estados do NE e do restante do país, o monitoramento e acompanhamento sobre prevenção de impactos ambientais se resume a previsão meteorológica e monitoramento do nível dos rios e dos reservatórios. Há pouco ou nenhum monitoramento contínuo e interdisciplinar sobre queimadas e desmatamentos, ou assoreamento dos rios e lagoas, nem mesmo sobre os estados das matas ciliares, importantes para a manutenção das margens dos rios e que evitam erosões e assoreamentos. Em relação aos problemas dos setores produtivos, isso se agrava. Como foi demonstrado quando o problema da Braskem se tornou público, não havia a licença ambiental cedida pelos órgãos locais ou mesmo a renovação destas licenças. E, pior, não havia a fiscalização das ações desta e de diversas outras atividades que causam graves problemas ambientais no Estado. Poucas e inócuas ações são estabelecidas sobre a fiscalização de áreas degradadas e, quando existem, são realizadas por órgãos federais. Esta ação é essencial para aquilo que entendemos por desenvolvimento sustentável. Não há possibilidade de uma gestão ambiental efetiva sem a existência de equipes interdisciplinares munidas de dados de acompanhamento contínuo dos aspectos ambientais, mas infelizmente os estados e municípios não possuem equipes com tais profissionais.
Quais os profissionais deveriam participar dessas pesquisas e desses acompanhamentos de fenômenos naturais e provocados? Como a comunidade poderia e deveria participar?
Como antecipado, as equipes que produzem análise ambiental e auxiliam na produção de políticas públicas devem ser inter e multidisciplinares. Isso possui inclusive normativos legais de diversos níveis. Nestas leis já estão estabelecidas as categorias que devem ser analisadas e que deve possuir ampla divulgação para a sociedade. A depender do fenômeno analisado, deve-se ter a participação de geógrafos, geólogos, hidrólogos, biólogos, meteorologistas, cientistas sociais, economistas, entre outros. Caso alguma destas análises produz uma política pública, isto deve ser apresentado à sociedade em audiências públicas para explanações e escutas da população. Mas, infelizmente, quando estas audiências públicas são realizadas, há pouca divulgação e, consequentemente, pouca participação da sociedade. É imprescindível que a sociedade cobre e participe das audiências públicas que tratam sobre os problemas e as possíveis soluções.
Professor Kleython, saberia nos dizer, se as universidades, as instituições de pesquisa em Alagoas, dispõem e trocam dados atualizados, e esses dados repassados por instituições públicas são encaminhados com detalhamento atual? Por exemplo, há informações sobre análise e estudos demográficos, climatológicos, meteorológicos, biogeográficos em nosso Estado e outros dados de pesquisas?
As universidades e instituições de pesquisa possuem bancos de dados imensos sobre os mais diversos temas, não é diferente para a as questões ambientais. Mas um problema recorrente é a falta de compartilhamento e acesso a estes dados. É muito comum que universidades utilizem dados desatualizados pelo simples fato de que estes dados que estão em posse dos órgãos públicos não estão acessíveis. Não é raro que diversas pesquisas utilizem da Lei de Acesso à Informação para obrigar órgãos públicos a ceder dados. Pela via contrária, a universidade elabora muitas pesquisas e muitos modelos que não são acessados ou compartilhados pelos órgãos públicos, o que poderia melhorar a metodologia de gestão destes problemas. Cabe ressaltar que nos últimos anos há o estabelecimento de diversas parcerias entre universidades e órgãos como defesas civis de estado e municípios, secretarias de meio ambiente, de recursos hídricos, de planejamento, entre outros. Isto ainda está incipiente, mas há perspectiva de melhoria significante em um futuro próximo. Como exemplo prático, a defesa civil do estado de Alagoas e do município de Maceió, bem como a secretaria de meio ambiente e recursos hídricos do Estado possuem uma boa política de cessão de dados e informações para pesquisas realizadas pelas universidades. Mas ainda há a necessidade de uma espécie de repositório ou observatório de pesquisas referentes a tais objetos de pesquisa. Experiências como estas são realizadas pela Ufal, organizando diversas pesquisas que tratem do mesmo tema, mas também são aventadas pelo Comitê da Bacia Hidrográfica da Bacia do Rio São Francisco, por meio de seu Fórum das Instituições de Ensino e Pesquisa da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (FIENPE/BHSF), que sugerem a criação de um sistema de informação de dados e pesquisas integradas e alimentadas de maneira coesa. Tais experiências devem ser reproduzidas em diversas outras instâncias.
Qual a importância da aplicação da geografia agrária com planejamento de áreas agrícolas para racionalização específica do uso do solo? Como poderíamos identificar geograficamente o solo alagoano? Quais as regiões mais férteis e deveriam ser melhor aproveitadas com relação ao plantio agroecológico e preservação de espécies? Haveria possibilidade de implantar represas ou barragens internas, que aproveitassem a temporada de chuva no Nordeste?
A produção agrícola deve sempre ser precedida por uma análise do ambiente em que essa produção será desenvolvida. Uma importante análise é a aptidão agrícola dos solos para determinados tipos de produção. Entretanto, não basta a análise stricto sensu do solo, mas o entendimento que o solo se encontra em um contexto ambiental específico. Para tanto, deve-se elaborar análises do relevo, do clima e da cobertura vegetal do local, associadas às informações do solo em si, permitindo com isso a indicação da vulnerabilidade que aquele solo possui aos processos erosivos, à degradação da vegetação de entorno, etc. Estas análises permitem que sejam definidas as tipologias de produção, a capacidade de suporte que aquele solo possui e uma projeção de degradação do mesmo. Com isso, pode-se decidir sobre quais tipos de cultura e a forma de cultivo são mais sustentáveis para cada tipo de solo. Estas diversas formas de cultivo devem pressupor a realização de intervenções mais adequadas a cada ambiente, em consonância com este contexto natural, sendo estas ações as mais variadas como barragens internas, diversos tipos de irrigação, entre outros. Entretanto, estas análises esbarram na precisão das informações disponíveis. Os dados sobre os solos dos Estados são muito defasados. Projetos realizados pela Embrapa têm apresentado um zoneamento agroecológico dos estados em uma escala de 1:100.000, como é o caso aqui de Alagoas. Isso significa que cada centímetro de um mapa corresponde a uma célula de 1km x 1km no terreno. Isso é uma imensidão quando tratamos de informações e tipos de solos que podem mudar dentro de uma parcela de 1ha, que equivale a uma área de 100m x 100m. Ou seja, dentro de uma área com as informações que temos hoje disponíveis, pode existir cerca de 100 propriedades de 1 hectare, com a possibilidade de ocorrência de uma diversidade imensa de tipos de solos e tipos de usos destes solos. Veja como como é importante que Estados e Municípios atuem no financiamento do melhoramento das informações sobre os solos de suas áreas. Estes estudos possuem alto custo, por isso apenas grandes proprietários de terra têm capacidade de realizar, ficando aos pequenos produtores uma realidade desassistida para suas produções. É uma pena que não haja uma política de financiamento, nos estados e municípios, destas análises para subsídio de uma melhor gestão de uso e ocupação dos diversos tipos de solos.
Como os estudos das instituições de ensino público na área de geografia, geologia e ciências afins poderiam estar melhor aplicados, envolvendo aspectos físicos, antropológicos, subjetivos, econômicos e sociológicos aqui no Nordeste, incluindo o Estado de Alagoas. Quais especialistas e áreas precisariam ser escutadas e atendidas? Como envolver a sociedade nessa realidade complexa?
As instituições de ensino têm desenvolvido uma ampla diversidade de estudos aplicados aos problemas de cada localidade. Mas o que infelizmente tem acontecido é uma sequência de cortes nos financiamentos de pesquisas no Brasil, pelo menos, desde 2016, de forma muito severa. Pesquisa de ponta, avançada, para que seja realizada, precisa de financiamento compatível e de modo contínuo. E quando tratamos de pesquisas que visam a identificação de problemas ambientais e sociais, o setor privado não se interessa em financiar, porque na grande maioria dos casos é o setor produtivo privado o grande responsável pelos problemas identificados. Desta forma, fica para o poder público a responsabilidade por este financiamento, já que os dados e análises destas pesquisas são de interesse público. Os recursos para infraestrutura de laboratórios e custeio de atividades de pesquisa precisam ser retomados de maneira séria e comprometida com a qualidade que a sociedade necessita, envolvendo a multidisciplinaridade que a ciência apresenta. Para tanto é necessário que a sociedade abrace o conhecimento, descartando conspirações e aspirações negacionistas, baseadas em interesses escusos que beneficiam alguns poucos. Para tanto, podemos citar o caso da geografia, estamos formando sempre uma gama de profissionais capacitados para melhor contribuir nestas análises multidisciplinares e em uma gestão participativa da aplicação deste conhecimento.
Em sua participação no Comitê que apurou os Danos Extrapatrimoniais, em decorrência das irregularidades ao longo dos anos da extração de sal-gema pela mineradora Braskem, em Maceió, que resultados foram chegados e o que a população precisa saber? O comitê conseguiu apurar dados completos desses danos públicos e da humanidade, representada por moradores dos bairros atingidos?
A sociedade alagoana e, em especial, a maceioense, precisa ter clareza que tratar sobre o afundamento dos bairros é trabalhar no escuro. Diversas instituições e diversas pesquisas atuaram na tentativa de conhecer o tamanho real do problema, mas estas informações estão obscuras e guardadas a sete chaves. Não se sabe, ao menos a população e os órgãos de pesquisa, quais são os números absolutos de residentes atingidos e que precisaram ser removidos. Quantas remoções ocorreram? Quantas famílias tiveram que abandonar seu antigo lar? Quantos alunos mudaram de escola? Quantos comércios foram fechados? Quantos templos foram realocados? São sempre informações imprecisas e genéricas. E uma das dificuldades que o Comitê Gestor enfrentou foi essa. A saída foi um amplo esforço de escuta de diversas representações relacionadas aos danos extrapatrimoniais. Foram inúmeras reuniões com representantes de ONGs e Institutos de defesa da causa animal, de templos e lugares religiosos, de patrimônio cultural, de folguedos, de organizações esportivas, de ribeirinhos, de comerciantes, de trabalhadores, de instituições relacionadas à saúde mental… entre outros. Tudo isto na tentativa de dimensionar um certo grau de impacto sentimental, de pertencimento, de lugar, de relações pessoais, esportivas, religiosas, de requalificação profissional, entre diversas outras atividades e relações. Estas informações foram compiladas por dois grandes grupos de trabalho internos ao comitê e subsidiaram as temáticas principais a serem observadas na demanda por projetos de mitigação desta tragédia humana. Cabe ressaltar que apenas após estas atividades é que o comitê tem capacidade de melhor selecionar propostas para ações voltadas aos atingidos.
O que, a partir de sua participação, o Comitê Gestor dos Danos Extrapatrimoniais poderia elencar sobre a importância da precaução e cuidados com o patrimônio material, imaterial, a dignidade, a vida de pessoas que foram violentadas pelo descuido da mineradora Braskem e de tantos acidentes que acontecem no Brasil e no mundo?
Um debate que é pouco travado em Alagoas e em Maceió, sobre este caso, é sobre a gravidade dos danos extrapatrimoniais. Muito se fala sobre os danos patrimoniais, pois é o visível, o imediato, que afeta diretamente a sobrevivência das pessoas atingidas, o lar, o teto. Mas a gravidade dos danos extrapatrimoniais é terrível para uma sociedade. Pensemos que dezenas de milhares de pessoas construíram por anos, muitas vezes por décadas, suas relações de pertencimento, de lugar, com sua vizinhança, seus amigos, sua igreja, seu terreiro, a pelada no fim de semana, a escola onde os amigos se fizeram e permanecem por anos, a atividade comercial ou de serviços, a coleta de marisco, a pesca… tudo isso associado ao seu lugar, ao seu lar. E do dia para a noite essas pessoas são obrigadas a migrar para bairros antes não conhecidos e agora estão longe de seus parentes, seus amigos, da padaria de sempre, do bar de sempre, das escola de sempre, do seu padre, do seu pastor, do seu pai de santo… agora precisam se deslocar de ônibus ou de carro para encontrar amigos que antes estavam na distância de uma calçada… e esta distância se agrava quando a mobilidade urbana de Maceió perde uma de suas principais vias de tráfego e superlota as demais vias causando engarrafamentos cada vez mais demorados. Pensemos que toda a cidade de Maceió e vizinhança estão afetados por um trânsito mais engarrafado. Todos estão perdendo mais tempo de suas vidas no trânsito, estão tendo que acordar mais cedo, descansar menos, para evitar o trânsito mais pesado e chegando em casa mais tarde também por isso. Estes são danos que afetam o psicológico e os sentimentos de toda uma sociedade. As representações e os símbolos construídos ao longo de uma vida são destruídos e muitas pessoas adoecem física e mentalmente.
Se formos pensar em danos extrapatrimoniais, foram aportados R$ 150.000.000,00 como reparação, o que pode parecer um alto valor. Mas se pensarmos que 50.000 pessoas foram atingidas diretamente, isso significa que há R$ 3.000 para uma tentativa de reparação extrapatrimonial para cada um destes, o que é risível. A sociedade precisa, em algum momento, decidir sobre a valoração do bem-estar, sobre o preço de viver bem. Se um dia pararmos para pensar sobre esta necessidade, baseado em pesquisas sérias e bem embasadas, tomaremos importantes decisões sobre nosso futuro, nossos recursos e nossos lugares.