quarta-feira 20 de novembro de 2024

A Pedagógica Luta pelo Fim da Escala 6×1

14 de novembro de 2024 10:03 por Da Redação

 

Reprodução. www.bancariosbahia.org.br

Por Magno Francisco*

Após a intensa atuação do Movimento Vida Além do Trabalho (VAT), a deputada federal do PSOL, Erica Hilton, desenvolveu uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que visa acabar com a escala de trabalho 6×1 – 6 dias de trabalho para 1 dia de folga – e busca assinaturas no Congresso Nacional para viabilizar a apreciação e consequente votação.

A PEC pelo fim da escala 6×1 mobilizou toda a sociedade. Assim, pela primeira vez desde o início do terceiro governo Lula, a esquerda conseguiu pautar a sociedade, pois, até então, suas ações se restringiam a reagir às pautas ultraconservadoras da direita. A proposta conseguiu ampla adesão da classe trabalhadora e o ódio dos patrões, que obviamente querem seguir explorando brutalmente os seus funcionários, afinal, a ostentação dos patrões é proporcional à vida miserável dos trabalhadores.

O fim da escola 6×1 é mais do que justo, basta lembrar que o Brasil tem a pior jornada de trabalho entre os países do G7 e metade dos países do G20. Além disso, como sabemos, no capitalismo, o trabalhador produz, mas não tem acesso à riqueza produzida. Prova disso: o Brasil produz comida para 900 milhões de pessoas, mesmo tendo uma população de apenas 200 milhões de pessoas, ainda assim, mais de 20 milhões de brasileiros não têm alimentação garantida diariamente, ou seja, a produção de alimentos do trabalhador brasileiro vai principalmente para exportação ou para o lixo.

O que há de pedagógico na PEC pelo fim da escala 6×1?

Após quase dois anos do novo mandato de Lula como presidente do país, o seu governo não mandou para o Congresso Nacional sequer uma proposta econômica favorável à classe trabalhadora. Pelo contrário, todas as propostas enviadas pelo governo nesse terreno parecem encomendadas pela Faria Lima e o agronegócio. Para justificar a submissão do governo Lula ao capital financeiro e à adoção de uma política econômica neoliberal, os ideólogos do lulismo sustentam a tese de que não é possível fazer um governo de esquerda no Brasil porque o Congresso tem maioria conservadora e os bancos controlam a economia.

Reprodução

É preciso perguntar: quando os bancos deixaram de mandar na economia brasileira? Quando a maioria do Congresso brasileiro não foi formada por uma maioria reacionária? Vivemos no capitalismo, o funcionamento do Estado, as leis, tribunais, parlamento e eleições existem para garantir os interesses da burguesia. Todavia, se adequar a essa lógica ou tentar superá-la são escolhas políticas.

O povo não é bobo, diferente dos que acham que o problema do Brasil é o suposto pobre de direita. Toda vez que a esquerda vence eleições e não realiza o que prometeu ou passa a governar como a direita as derrotas se sucedem. Em um país onde a saúde e a educação funcionam precariamente, onde falta saneamento básico e acesso à cultura para a maioria das pessoas, não parece óbvio que é necessário ampliar investimentos nas áreas sociais? O que fez o governo Lula e o seu ministro Haddad? Apesar da promessa eleitoral de acabar com o teto de gastos, conseguiram piorar a desgraça e colocaram um novo nome: arcabouço fiscal. Não bastasse, Haddad está propondo acabar com o piso salarial da educação e da saúde, além impor novos limites a possibilidade de reajuste do salário-mínimo. Diante dos fatos, o problema é do suposto pobre de direita ou de um governo que aplica uma política econômica de direita?

O mais bizarro desse cenário são os ataques dos ideólogos e influenciadores lulistas contra quem defende que Lula atenda aos interesses populares e abandone a política neoliberal e as alianças com o centrão. Pasmem! Quem critica a política de direita do governo é acusado de ajudar a direita. Nota-se, diante do resultado das eleições municipais, que a direita (centrão) e a direita radical estão felizes da vida. Será que não já não é o momento de fazer uma aliança com o povo e abandonar a aliança com Arthur Lira?

A pedagogia da PEC pelo fim da escala 6×1 está no fato de tornar evidente que a força da esquerda reside na mobilização popular. Não sabemos se a PEC terá assinaturas necessárias e se será aprovada no Congresso. A certeza é que os assalariados já aprovaram a proposta, que a sociedade está discutindo amplamente o assunto e que há uma crescente apoio a essa pauta. A referida PEC já conseguiu provocar fissuras até no campo da direita, vários parlamentares reacionários declararam apoio à proposta por medo de um futuro prejuízo eleitoral. Mesmo que eventualmente não seja aprovada desta vez, é inevitável que seja aprovada no futuro, pois a pressão social com certeza irá crescer a favor dessa mudança nos direitos trabalhistas.

Não existe chance de ganhar jogo só se defendendo

Apesar da maioria conservadora no Congresso, é possível, com a força da pressão social, conquistar direitos e enfrentar a burguesia. Está na hora do governo Lula, se não quiser pavimentar o retorno do fascismo ao comando do país, realizar uma mudança brusca de rota. Isso significa abandonar a subordinação aos bancos e ao agronegócio e apostar na força popular. A única maneira disso acontecer é propondo ao Congresso as demandas da classe trabalhadora, como a revogação da reforma trabalhista e da reforma da previdência, o fim do arcabouço fiscal, a reestatização das empresas públicas privatizadas e a reforma urbana para acabar com o déficit habitacional.

A política não é a arte da conciliação de interesses opostos, isso é uma fantasia delirante. Toda vez que o caminho de unir opostos se estabelece, ganha apenas quem está no comando, no caso, a burguesia. Mas não somente, além de privilegiar a burguesia, os trabalhadores perdem força de ação, a esquerda se desmoraliza, e a reação se apresenta de forma ainda mais intensa.

O momento exige concentrar as energias na aprovação da PEC pelo fim da escala 6×1! Todos os atores políticos da esquerda precisam se unir de forma decidida em defesa dessa proposta. Os sindicatos e centrais sindicais, se não quiserem seguir sendo humilhados pelos patrões, precisam fazer muito mais do que estão fazendo até agora.

Que a pedagogia dessa luta siga trazendo lições!

(*) É professor e historiador

A direita radical como produto do neoliberalismo e da indústria cultural

 

SBT/Reprodução

 

Por Magno Francisco*

O avanço da direita radical no Brasil e no mundo é quase sempre atribuído ao uso político das inovações tecnológicas, especialmente das redes sociais, ou à performance teatral de determinados candidatos. Há grande verdade nisso, mas não é toda a verdade.

De fato, os setores da extrema-direita aparelharam, melhor que qualquer outro segmento político, as variadas possibilidades de tecnologia comunicativa e galvanizaram a lógica do prazer da identificação em suas lideranças. Tal fenômeno não chega a ser uma novidade, o fascismo se tornou uma força política de massas adotando um comportamento semelhante, utilizando as tecnologias e técnicas que à época existiam.

Porém, é preciso acrescentar que, sem um solo histórico favorável, o fascismo não teria escalado o poder político no século XX, tampouco teria grande influência atualmente. Dito de outro modo, a crise social que ameaça a sobrevivência de numerosos segmentos sociais, os ressentimentos derivados da instabilidade econômica, o descrédito dos partidos e políticos tradicionais, a manipulação plástica das narrativas religiosas e outros instrumentos ideológicos presentes no liberalismo pavimentam a ascensão do fascismo.

Ainda seria preciso acrescentar que não é apenas a direita radical que adota tal comportamento, o que implica dizer que a natureza da questão não se reduz à técnica e à tecnologia, mas ao conteúdo político. A extrema-direita tem sido capaz de oferecer a radicalidade (no caso, uma radicalidade reacionária) que situações de crise social exigem.

O fato é que a política no capitalismo sempre foi um espetáculo, em que pese, em algum momento da história ou em alguma região do mundo, já ter parecido uma disputa de ideias fundada na força dos argumentos. A cada novo período, a cada eleição, a disputa política espelha a indústria cultural e novas técnicas de persuasão e controle psicológico baseadas no entretenimento aparecem, promovendo o que os frankfurtianos chamariam de razão instrumental.

A escalada da espetacularização da política é proporcional à agudização da crise do capitalismo. Na realidade, a atual etapa do capitalismo, o neoliberalismo, é a crise como forma de sociabilidade, um processo crônico que atinge todas as dimensões da vida e a disputa pelo controle do Estado também reflete esse processo.

Assim, a surpresa de segmentos dos meios de comunicação e dos ideólogos do liberalismo com o crescimento eleitoral do subproduto do bolsonarismo, Pablo Marçal, na eleição municipal de São Paulo chega a ser cínica. Todas as principais personalidades da extrema-direita são produtos da indústria cultural.

Bolsonaro era um ilustre desconhecido da imensa maioria do povo brasileiro até a intensa divulgação das suas ideias realizada por programas de humor em canais de televisão como Pânico na TV e CQC. Trump foi produtor executivo e apresentador do reality show The Apprencite, exibido no canal NBC desde 2003. Volodymir Zelensky era comediante, produtor de filmes e séries, a exemplo da série Servo do Povo, exibida na TV entre 2015 e 2018, onde ele interpretava o papel de presidente do país e fazia sátiras sobre corrupção.

Marçal sabe que a política no capitalismo neoliberal é a radicalização do espetáculo. O conflito, a falsa polêmica, o estímulo ao ódio determinam o funcionamento das redes sociais, mas também é a lógica da imprensa liberal. Marçal domina a dinâmica dos algoritmos ao mesmo tempo em que diariamente suas ideias são amplamente divulgadas na imprensa.

O elemento central é perceber que o crescimento da extrema-direita é resultado de uma instrumentalização das técnicas e tecnologias de comunicação, da performance de entretenimento promovida por suas lideranças, mas não somente, o conteúdo radical da extrema-direita corresponde a um tipo de resposta que encontra eco na materialidade da vida.
Isso significa que a extrema-direita, as suas expressões atuais, são um produto direto do capitalismo em sua fase neoliberal. Não basta condenar a forma de comunicação ou personalizar o problema político como se fosse uma questão meramente individual, como se a eliminação de um Bolsonaro ou de um Marçal solucionasse o avanço da extrema-direita.

A fascistização em curso no mundo, onde o Brasil aparece como uma espécie de laboratório experimental, é a operação burguesa para a gestão neoliberal do poder. Trata-se de uma via sem volta. A manifestação do capitalismo em decomposição é a brutalização social como um dever ético da burguesia.
Diante disso, resta apenas uma pergunta: até quando vamos seguir condenando o fascismo sem condenar o capitalismo?

*Magno Francisco é professor e historiador

Superar a submissão e a caricatura antes que seja tarde!

2 de setembro de 2024 10:59 por Magno Francisco

 

https://www.brasildefatopr.com.br/

Magno Francisco é filósofo e historiador

Quando se entra em um período eleitoral, não é incomum que candidatos de esquerda e da esquerda radical atenuem o impacto de suas declarações a fim de parecerem mais palatáveis eleitoralmente ou demonstrem total despreparo por outro. É como se o discurso radical de superação do capitalismo não fosse plenamente possível de ser apresentado, como se as pessoas não pudessem compreendê-lo, o que não é verdade.

É plenamente possível obter adesão social de vastos segmentos sociais a partir de um discurso revolucionário, especialmente em conjunturas de crise econômica e política, como a que o Brasil e o mundo passam atualmente.

Na realidade, os momentos de instabilidade política são os momentos mais propícios para a difusão de projetos radicais à esquerda e à direita. Prova disso é que nenhuma revolução popular aconteceu em momentos de calmaria, assim como o fascismo foi uma resposta reacionária à crise do capitalismo após a I Guerra Mundial.

Ninguém duvidará de que Bolsonaro e seu aprendiz Pablo Marçal compreenderam isso perfeitamente. Seus seguidores acreditam estar realizando uma revolução conservadora, o que podemos chamar de contrarrevolução, não porque uma revolução popular e socialista esteja iminente, mas porque a burguesia precisa, diante da crise social, evitar qualquer possibilidade de ruptura.

É evidente que o problema da esquerda é de conteúdo, mas também de forma. Não basta ser revolucionário ou radical no conteúdo para ter uma política assertiva ou não conciliatória com as classes dominantes e o sistema social vigente, é preciso conhecer a realidade, o que implica conhecer obrigatoriamente as mutáveis dinâmicas de afeto que mobilizam as classes sociais e apresentar um programa revolucionário com possibilidade de dar respostas aos problemas mais sensíveis.

A burguesia faz isso muito bem, na verdade, através dos seus aparelhos ideológicos, pauta o comportamento e o desejo. Mas, como toda tese pressupõe a sua antítese, há sempre fissuras que podem e devem ser atacadas pelas forças políticas comprometidas com profundas transformações sociais.

Assim, a esquerda, se quer realmente ser uma força social viva, não pode ser nem a caricatura de um radicalismo sem conhecimento da realidade, expressão de despreparo e desconhecimento das classes sociais, especialmente da classe trabalhadora, nem adotar a patética e reacionária “política do possível”, que não passa de uma vergonhosa e reacionária rendição a burguesia. As duas posições, consciente ou inconscientemente, atendem os interesses da burguesia, pois constituem, de modos distintos, expressões de esquerdas inofensivas.

Outro problema que não pode ser esquecido é a dimensão pessoal no processo de disputa política, no caso, da disputa eleitoral. Refiro-me às vaidades, que refletem muitas vezes um individualismo danoso, que causa cegueira e enfraquece projetos políticos coletivos. Por mais que se diga o contrário, é impossível separar o indivíduo e seus afetos e o mais correto é não ignorar essa questão.

É preciso também levar em conta que o processo eleitoral numa democracia burguesa também é constituído para não existir nenhuma possibilidade de superação da ordem capitalista, as leis, o financiamento e o modo como operam os aparelhos ideológicos atuam para reproduzir a dinâmica capitalista e impor os limites da manutenção da ordem como espaço de luta política. Contudo, isso não pode ser desculpa para a submissão à burguesia de um lado e a incompetência política por outro.

Da esquerda neoliberal, essa que adota a política de rendição à burguesia, nada se pode esperar. Mas a esquerda radical pode, se realmente é revolucionária, corrigir as incompreensões e os medos que impedem uma preparação para a luta eleitoral que à catapulte a condição de força social viva na luta pelo poder.

É preciso superar a submissão e a caricatura antes que seja tarde!

A política do impossível

24 de agosto de 2024 10:48 por Magno Francisco

Imagem: Outras Palavras/Outras Mídias

O neoliberalismo, atual estágio do capitalismo, é, porque separar economia e política significa falsificar a realidade social, mais que um conjunto de marcadores que determinam uma maneira de produzir. O neoliberalismo é um modo de vida caracterizado pela administração de crises em todas as esferas, ou melhor, o neoliberalismo é um conjunto de crises como modo de vida.

Não precisa ir muito longe intelectualmente para perceber que não há qualquer possibilidade, dado o caráter constitutivo do neoliberalismo, de, sem uma ruptura radical com o atual sistema econômico, evitar a radicalização do processo degenerativo da vida humana.

A burguesia, desde o fim da URSS e, por consequência, com menos resistência política, consolidou o seu domínio atualizando de forma muito dinâmica os seus aparelhos ideológicos. Esse processo adquiriu tamanha dimensão que contaminou os setores hegemônicos da esquerda contemporânea.

Predominantemente os partidos de esquerda e movimentos sociais demonstram total incapacidade de desenvolver qualquer tipo de contestação ao neoliberalismo. Na realidade, tornaram-se esquerdas adaptadas ao neoliberalismo, contrarrevolucionárias no sentido mais radical do termo, ou seja, que não apenas defendem o atual sistema social como atacam qualquer tipo de iniciativa disruptiva.

Para essas esquerdas, que mistificam a realidade se apresentando como melhores gestores do capitalismo neoliberal, que cinicamente propagandeiam a mentira de que é possível humanizar o neoliberalismo, a política resume-se a arte do possível, sendo que o possível, no modo de viver neoliberal, é o aprofundamento da catástrofe social, é a brutalização da vida, um estado de guerra onde a lógica é que em nome de uma falsa liberdade apenas alguns se salvem.

A maioria dos partidos de esquerda e dos movimentos sociais perderam a capacidade imaginativa de criar o futuro. Criar o futuro e exigir o que parece impossível nunca foi esquecer o presente e as condições objetivas da realidade, pelo contrário, sempre foi e é precisamente para modificar o presente que as possibilidades de futuro podem ser desenvolvidas. Quando se abandona o futuro a vida perde sentido.

O fascismo, em que pese o seu perfil suicidário, o seu gozo na imolação social, agarrou a ideia de um futuro distinto, mesmo que apenas discursivamente. Não é por acaso que cresce a sua força social, para delírio da burguesia mais cretina. A realidade é que a esquerda neoliberal pavimenta o caminho do fascismo.

Todas as conquistas dos explorados e oprimidos antes de se tornarem realidade não passavam de utopias e impossibilidades. A condição para que o que era impossível fosse possível sempre foi a perspectiva revolucionária do futuro.

Hoje, o sujeito da barbárie, a burguesia, sofre pouca resistência, é preciso que o sujeito da vida, a classe trabalhadora e os oprimidos passem a combater. A guerra talvez seja longa, mas a batalha do dia é retomar a perspectiva revolucionária do futuro e voltar a exigir o impossível e isso pressupõe jogar na lata do lixo da história a esquerda neoliberal.

 

A política imperialista e a esquerda contrarrevolucionária: observações sobre a Venezuela

10 de agosto de 2024 6:17 por Magno Francisco

Maduro. Foto: Yuri CORTEZ / AFP.

Magno Francisco é filósofo e historiador 

A política externa dos Estados Unidos, independente de se tratar de um governo republicano ou democrata, é sempre uma política imperialista. Toda vez que qualquer governante de qualquer país não se ajoelha diante dos interesses de Washington, logo, o presidente estadunidense da ocasião adota uma série de medidas para gerar uma crise política e derrubar o governo insubmisso.

Assim, para impor seus interesses, o imperialismo estadunidense, sempre, com apoio dos países imperialistas da Europa, estabelece bloqueios econômicos, forja mentiras nos meios de comunicação, classifica o governo não alinhado como ditadura e financia fantoches para fazer oposição e promove golpes políticos.

O conjunto de ditaduras militares apoiadas pelos Estados Unidos na América Latina, durante o século XX, demonstra isso. Mas a prática persiste e o Brasil é um bom exemplo, além do Golpe Militar que se transformou numa Ditadura dos generais, com duração de 21 anos (1964-1985), é flagrante a intervenção do imperialismo estadunidense no Golpe que derrubou a presidente Dilma, em 2016.

É importante lembrar que foi durante o governo Barack Obama (Partido Democrata) que veio à tona a denúncia de Julian Assange, do site Wikileaks, apontando à espionagem da Casa Branca ao governo brasileiro. Também é necessário recordar todo apoio de Washington à Operação Lava Jato, que culminou com a prisão de Lula e facilitou a vitória do fascista Jair Bolsonaro.

O que acontece agora com a Venezuela é mais um capítulo da agressão imperialista dos Estados Unidos. Hugo Chavez e Nicolás Maduro iniciaram um processo de construção da soberania econômica da Venezuela, a partir da nacionalização de suas riquezas naturais, especialmente, o petróleo. Os Estados Unidos, interessados, principalmente, no ouro negro venezuelano, não aceitaram a ousadia do movimento bolivariano.

Desde então, a Venezuela é classificada como uma ditadura, restrições econômicas são impostas, opositores de direita são treinados e financiados pelos Estados Unidos. Apesar de tudo isso, a Casa Branca não conseguiu derrubar os governos de Chavez e Maduro, graças a mobilização popular permanente no país e a mudança realizada por Chavez na alta cúpula das Forças Armadas, aposentando todos os generais capachos dos Estados Unidos.

Insatisfeito com as seguidas derrotas, o atual presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, intensifica as agressões contra a Venezuela. A última eleição presidencial, ocorrida em 28 de julho, consagrou uma nova vitória a Nicolás Maduro, numa eleição bastante apertada. Porém, é fato que, independente da margem de votos, diante de uma vitória de Maduro, a panaceia imperialista já estava montada para dizer que a eleição foi fraudulenta. Em outras palavras: para os Estados Unidos só um resultado pode ser aceito, a derrota de Nicolás Maduro.

A cantilena imperialista dos Estados Unidos é agitada pelos meios de comunicação da burguesia e por todos os partidos e políticos de direita e fascistas do mundo. Além desses, endossam a narrativa da Casa Branca os segmentos da esquerda contrarrevolucionária, trata-se de uma esquerda liberal (ou neoliberal), oportunista politicamente, alinhada e reprodutora da política imperialista dos Estados Unidos.

No caso do Brasil, os segmentos da esquerda contrarrevolucionária, para tentar algum tipo de legitimidade, confundir o povo e agradar a burguesia, tentam mobilizar um maniqueísmo imaginário, transformando Maduro em Bolsonaro, o que é simplesmente patético.
Ora, é evidente que há problemas econômicos e políticos na Venezuela. Aliás, onde não existem? O paraíso é uma fantasia imaginária e não deveria fazer parte das expectativas políticas de um adulto. O fato é que, infelizmente, a Venezuela não é socialista e Nicolás Maduro (assim como Chavez) não é um revolucionário, o que explica em grande medida a crise política atual.

Hugo Chaves. Foto: Outras Palavras

O conjunto de mudanças sociais na Venezuela, nacionalização do sistema financeiro e das riquezas naturais, iniciados por Chavez foi muito importante, mas, teve como limitação não radicalizar o processo de consolidação do poder político e dos meios de produção, bem como o desenvolvimento das forças produtivas, sob o controle da classe trabalhadora.

Como ensinava Lênin em A revolução proletária e o renegado Kautsky, não existe democracia absoluta, de forma que não é possível levar até as últimas consequências um governo da classe trabalhadora submetido a um Estado burguês.

No cenário atual, restam poucas opções para Maduro: a) se render; b) tentar uma parcial estabilização política, sabendo que o próximo ataque do imperialismo será ainda mais violento e possivelmente um golpe armado ou uma intervenção militar; c) convocar um processo de mobilização social para consolidar um novo tipo de Estado, partindo do poder popular.

A política não é apenas a negociação do possível, como os políticos da ordem costumam dizer. Quando os oprimidos se tornam sujeitos da história, a política passa a ser precisamente a capacidade de transformar o impossível em possível (sem ignorar as condições objetivas da vida social). Assim, qual será o futuro da Venezuela? Ninguém é capaz de responder com exatidão. O que dá para afirmar é que endossar o imperialismo é assinar a escravidão dos outros povos e a própria.

Sobre a eleição dos EUA e a esquerda brasileira

26 de julho de 2024 10:16 por Magno Francisco

 

Kamala Harris. Foto: Jim Vondruska / Getty Images via AFP.

Não resta dúvidas que a vitória eleitoral de Donald Trump na eleição presidencial dos Estados Unidos fortalece a direita fascista internacionalmente. O bolsonarismo está serelepe com essa possibilidade, visto que, a ausência conjuntural de apoio do Partido Democrata aos planos golpistas dos fascistas brasileiros prejudicou a tentativa de imposição de uma nova Ditadura Militar no país.

Basta lembrar, entre as centenas de crimes cometidos contra os povos do mundo nos governos do Partido Democrata, que foi por intermédio da intervenção direta de John Kennedy e, após o seu assassinato, de Lyndon Johnson, que o Golpe Militar de 1964, que resultou numa Ditadura Militar de 21 anos, foi realizado no Brasil. É necessário repetir: a rejeição de Biden e do Partido Democrata dos Estados Unidos a um novo golpe militar no Brasil foi apenas conjuntural, decorrente da atual disputa interna com o Partido Republicano e o trumpismo.

A verdade é que o Partido Democrata e o Partido Republicano concorrem principalmente ao título de quem consegue adotar a política mais imperialista, mais beligerante, mais genocida e mais agressiva contra os povos do mundo. Ambos são defensores do neoliberalismo, o Partido Republicano exibe o neoliberalismo fascista e o Partido Democrata, para garantir seu território político interno, assume o discurso de um suposto neoliberalismo progressista.

Por motivos óbvios o que Democratas e Republicanos apresentam em relação a agenda interna, vale muito pouco ou nada em relação à agenda externa. Se dizem que vão proteger trabalhadores, negros e mulheres ou lgbts dos Estados Unidos, assassinam trabalhadores, negros e outras etnias, mulheres e lgbts de outras partes do mundo, para roubar-lhes a riqueza, controlar a economia internacional e ampliar a extração de mais-valia da classe trabalhadora mundial.

Esse fenômeno não chega a ser uma novidade, desde o início da modernidade, enquanto a burguesia europeia falava em liberdade, igualdade e fraternidade, direitos humanos e expansão da ciência para eliminar a ignorância, escravizava e colonizava populações inteiras da África, Ásia e América.

Chama a atenção o comportamento político no Brasil em relação à eleição presidencial estadunidense. Muitos setores gostariam de copiar integralmente a política dos Estados e reproduzi-la no Brasil. Queriam que houvesse apenas dois partidos, outros se comportam como se fossem eleitores dos Estados Unidos e assumem integramente a identidade dos Republicanos ou Democratas.
Não se propõe aqui a indiferença em relação aos eventos políticos, sejam nacionais ou internacionais, seria uma estupidez sugerir isso, mas, parece evidente que a tentativa de imitar a política estadunidense, seja numa perspectiva de direita ou de esquerda, demonstra uma espécie de colonização da política brasileira.

Trump. Foto: Prensa Latina

Mais lamentável é identificar tal comportamento em setores da esquerda brasileira. O Partido Democrata decidiu substituir o atual presidente dos EUA, Joe Biden, aparentemente por problemas de saúde, pela sua vice-presidente, Kamala Harris. Por se tratar de uma mulher negra, podendo ser a primeira mulher a assumir a presidência dos EUA, parte da esquerda brasileira foi tomada por uma verdadeira euforia.

É evidente que é necessário radicalizar a participação das mulheres e de todos os oprimidos na política. O grande impedimento para isso é o capitalismo, pois o conjunto das opressões são efeitos diretos ou indiretos da exploração do trabalho. Até porque não basta a representatividade para que mudanças efetivas na vida dos explorados e oprimidos aconteçam.

Barack Obama foi o primeiro presidente negro dos Estados Unidos, governou entre 2009 e 2017, qual o grande saldo de mudanças na vida da população negra do país? Os Estados Unidos seguem sendo o país mais racista do mundo e os casos de assassinatos de negros pela polícia seguem repercutindo internacionalmente. Também foi no mesmo governo Obama, que tinha como secretária de estado, uma mulher, Hillary Clinton, que a política imperialista e belicista dos EUA seguiu massacrando povos, como demonstram as ações no Afeganistão, Libia e em todo Oriente Médio. Diante disso, qual o sentido de tanta euforia com a candidatura de Kamala Harris?

Joe Biden. Foto: Poder 360

A política que transforma a identidade como um fim em si mesmo, eliminando a universalidade em detrimento da afirmação da segmentação decorre da ideia ingênua ou oportunista de que é possível para os explorados e oprimidos obterem algum tipo de reconhecimento e melhoria das suas condições de vida no capitalismo. Essa ideia é uma prisão que consolida a ideologia capitalista, transformando-a em um pensamento único que elimina o potencial explosivo e disruptivo dos explorados e oprimidos.
Com a consolidação do neoliberalismo e o seu domínio em todas as dimensões da vida, os espaços de disputa por reformas em favor dos trabalhadores deixaram de existir. Ao mesmo tempo que é um equívoco dizer que não há diferença entre direita e esquerda, também é preciso dizer que os setores hegemônicos da esquerda se adequaram ao neoliberalismo (o identitarismo é uma expressão disso) e os segmentos revolucionários da esquerda ainda estão em processo de reorganização e crescimento.

Independente do resultado da eleição dos Estados Unidos, a esquerda brasileira deve se mobilizar para enfrentar o fascismo e passar a desenvolver uma atuação que ultrapassa a dimensão eleitoral. É preciso retomar a capacidade revolucionária da esquerda, isso significa derrotar do ponto de vista das ideias às tentativas de reproduzir a política estadunidense e a submissão ao ideário neoliberal disfarçada de progressismo. Fora isso, resta a mentalidade colonizada e derrotada de parcelas de uma esquerda que aderiu completamente ao complexo de vira-latas.

O partido Unidade Popular será o único representante da esquerda com candidatura à prefeitura de Maceió

16 de julho de 2024 11:29 por Magno Francisco

Lenilda Luna/Reprodução

Magno Francisco é filósofo e historiador 

O partido Unidade Popular — UP será o representante da esquerda na disputa a prefeitura de Maceió. O nome escolhido é o da jornalista Lenilda Luna. A decisão ainda será homologada em convenção, mas já conta com o apoio integral de todas as instâncias de direção do partido e a aprovação da base em encontro eleitoral realizado com a finalidade de discutir a estratégia eleitoral do partido.

É inegável que os efeitos do neoliberalismo (na sua versão fascista ou democrática) e a polarização nacional entre bolsonarismo e lulismo tem repercussões em Alagoas. João Henrique Caldas — JHC (PL), atual prefeito de Maceió, é o candidato do bolsonarismo. Rafael Brito (MDB) é o candidato de Paulo Dantas, Marcelo Vitor (presidente da Assembleia Legislativa), da família Calheiros e, ao que tudo indica, será o candidato do presidente Lula, já que, segundo a imprensa local, o diretório nacional do PT preteriu o pré-candidato da sua sigla, Ricardo Barbosa, para apoiar o candidato do MDB.

Assim, a disputa entre o candidato do bolsonarismo e o candidato do lulismo repetirá a disputa entre as antigas oligarquias do Estado pelo controle da prefeitura de Maceió. É preciso lembrar que o apoio de setores da esquerda alagoana (PT, PC do B, PDT) ao MDB não é novo, trata-se de uma aliança antiga com a família Calheiros.

JHC, que instrumentaliza muito bem as redes sociais e as diversas modalidades de comunicação, assume um perfil de bolsonarista soft, ao estilo Tarcísio de Freitas (PL), governador de São Paulo. Mas, em que pese a capacidade de propaganda, carrega um acordo bilionário com a Braskem.

Tal acordo representou uma espécie de anistia para os crimes cometidos pela empresa, além de uma espécie de compra de uma parte da cidade. Enquanto isso as vítimas seguem abandonadas a própria sorte. Mas não é apenas sobre a Braskem que o atual prefeito de Maceió terá que se explicar. A imprensa tem repercutido acusações de superfaturamento em obras e contratos milionários injustificáveis.

Mais grave é a situação social da população mais pobre da cidade. Maceió é a capital que tem a pior qualidade de vida entre as capitais do Nordeste, sendo a terceira pior entre todas as capitais do país. O saneamento básico é uma quimera para quase 60% da população, as escolas sofrem sem climatização, merenda precária e falta de educadores, os postos de saúde seguem com poucos médicos, dificuldades imensas para a marcação de consultas e exames básicos, além da falta de remédios.

É evidente que as regras eleitorais evidenciam os limites da democracia liberal. A UP não terá tempo de TV, muito menos fundo partidário. Porém, sem compromisso com as oligarquias e apresentando a única candidatura da esquerda a prefeitura de Maceió, a UP poderá conseguir um importante protagonismo durante o processo eleitoral.

Para isso, a UP deve demonstrar minuciosamente o caos provocado pelo prefeito bolsonarista, mas não somente, através da sua candidata Lenilda Luna, precisa pautar o debate público e apresentar um conjunto de propostas ousadas para eliminar o drama social provocado pela burguesia na cidade.

Em um cenário onde os ecos do neoliberalismo são sentidos brutalmente pelos mais pobres, em que a disputa pelo poder está nas mãos das antigas famílias burguesas e a violência impera, que tipo de reconhecimento os trabalhadores e oprimidos podem obter?

Precisamente tudo o que o povo precisa para ter uma vida digna é exatamente tudo o que a burguesia não deseja e o seu sistema social impede. Escancarar essa realidade e exigir o impossível até se tornar inevitável é a principal tarefa da Unidade Popular. Afinal, como ensinava Marx: só quem reconhece que nada tem a perder pode ter um mundo a ganhar.

Alguns apontamentos sobre os resultados eleitorais na Europa

10 de julho de 2024 3:47 por Redação

Jean-Luc Mélenchon. Foto: by Sylvain THOMAS / AFP.

Magno Francisco é filósofo e historiador.

Após o avanço eleitoral dos partidos fascistas e de direita na eleição do Parlamento Europeu, obtendo expressivas votações em países como Alemanha, França, Espanha e Portugal, o debate político deslocou-se para as eleições dos parlamentos nacionais dos países da Europa.

Na Inglaterra, houve uma vitória eleitoral da centro-esquerda. O Partido Trabalhista conquistou ampla maioria e obteve o número de cadeiras necessárias para compor o governo sem depender de coalizões, alcançando 412 dos 650 assentos. O Partido Conservador perdeu 224 deputados, passando de 344 para apenas 120, e o partido de extrema-direita ficou com apenas 4 representantes.

Porém, o centro das atenções está mesmo na França. O resultado da eleição de deputados para o Parlamento Europeu registrou uma vitória do partido fascista Reagrupamento Nacional, liderado por Marine Le Pen. Diante disso, o presidente do país, Emmanuel Macron, decidiu dobrar a aposta e, utilizando um dispositivo constitucional, dissolveu o parlamento, a Assembleia Nacional, e convocou novas eleições.

A legislação eleitoral da França possibilita, caso um partido não obtenha a maioria necessária para a consolidação do governo, a realização de um segundo turno para a escolha dos representantes na Assembleia Nacional. No primeiro turno, realizado em 30 de junho, o bloco fascista Reunião Nacional obteve 33% dos votos, contra 28% do bloco de centro-esquerda Nova Frente Popular e 20% dos Juntos, bloco de centro-direita, composto por Macron.

Diante deste cenário, uma intensa mobilização social foi necessária para deter a vitória eleitoral do fascista Reagrupamento Nacional, além de alguns acordos para a retirada de candidaturas locais entre a centro-esquerda e a centro-direita. Assim, o segundo turno da eleição do parlamento francês, realizado em 07 de julho, marcou uma impressionante virada eleitoral. A Nova Frente Popular obteve a maior votação, conquistando 182 cadeiras, seguida pelo Juntos com 168 e 143 do Reunião Nacional.

O cenário ainda é incerto, pois nenhuma força política conseguiu maioria para indicar o primeiro-ministro e, caso não se chegue a um acordo, o presidente pode indicar um governo de especialistas, desligados dos partidos políticos, o que precisaria ser aprovado pelo próprio parlamento.

Emmanuel Macron Foto: Ludovic Marin / Pool/EPA.

O que esperar do atual cenário político?

É quase natural que a vitória eleitoral do Partido Trabalhista na Inglaterra e a virada da Nova Frente Popular na França repercutam no Brasil como efeito de uma genialidade eleitoral, algum tipo de descoberta ainda não realizada por aqui. Mas é preciso ter cuidado para que a euforia de um lado e a preguiça intelectual de outro dificultem uma aproximação mais razoável da realidade.

A vitória expressiva do Partido Trabalhista Inglês resulta de uma rejeição massiva aos 14 anos de Partido Conservador à frente do país e do fracassado governo de Rishi Sunak, marcado por escândalos, destruição dos serviços públicos, aumento do custo de vida e inflação galopante. O país presenciou nos últimos três anos o maior período de greves do século XXI, além de grandes mobilizações contra o governo e em favor da Palestina, que vive um genocídio praticado por Israel com a conivência da maioria dos governos do mundo, incluindo o da Inglaterra.

Apesar de todo o caos provocado pelo Partido Conservador, Keir Starmer, novo primeiro-ministro inglês do Partido Trabalhista, em seu primeiro pronunciamento, tratou de elogiar o governo de Sunak, destacando que o conservador havia realizado um “trabalho árduo”. Além de não se esperar grandes coisas do governo de Starmer, que será mais uma expressão do neoliberalismo na sua versão “democrática”, é de se perguntar a Starmer qual o “trabalho árduo” de Sunak?

Na França, apesar de alguns acordos no segundo turno entre a Nova Frente Popular e os Juntos para não dividir o voto em algumas regiões, o elemento decisivo para a virada da Nova Frente Popular foi a intensa mobilização social contra o fascismo. Centenas de comícios e manifestações massivas foram realizadas por todo o país, o que contagiou importantes nomes do futebol francês, especialmente os descendentes de africanos.

A França também vive uma instabilidade social. Os efeitos da invasão da Rússia à Ucrânia e da invasão de Israel à Palestina são sentidos na economia do país. Além disso, o presidente do país (e banqueiro), Emmanuel Macron, tem atacado sistematicamente os serviços públicos, em especial a previdência social, o que gerou greves gerais e dezenas de manifestações massivas, provocando grande desgaste ao governo, o que tem sido bastante aproveitado pelo partido fascista (de neoliberalismo dissimulado de xenofobia) de Marine Le Pen.

Marine Le Pen. Foto: Reuters.

Superar o fascismo sem superar o capitalismo?

É preciso compreender que o fascismo é imanente ao sistema capitalista. Assim, apesar da importância de toda vitória sobre o fascismo, como uma eleição, nenhum taticismo eleitoral, mesmo que exitoso, representará mais que uma derrota parcial sobre o fascismo.

Todos os aspectos do fascismo compõem a estrutura do capitalismo. Em momentos de crise social e política, o fascismo sempre ressurge atualizado às novidades do capitalismo, como vemos nas suas novas expressões, adaptadas ao neoliberalismo e toda a barbárie que ele representa. É uma péssima ilusão acreditar que é possível enterrar o fascismo sem liquidar o capitalismo. A burguesia não tem motivos para renunciar à sua carta na manga e ao seu propósito de instaurar uma ditadura terrorista do capital financeiro.

O avanço do fascismo, sabem bem os brasileiros, ultrapassa as fronteiras da Europa, mobiliza ressentimentos e torna-se projeto de poder quando a democracia liberal se esgota e as crises econômicas ameaçam a sobrevivência da população. Na fase atual do capitalismo, o neoliberalismo, sem a ameaça da União Soviética, a burguesia europeia jogou o estado de bem-estar no lixo, de forma que não existe nenhuma saída para a instabilidade social sem rupturas com o sistema econômico capitalista.

É bom comemorar vitórias eleitorais sobre as forças fascistas, mas alimentar ilusões de superação do fascismo sem superar o capitalismo faz com que sejam vitórias de Pirro. Mais do que uma esquerda que pode vencer eleições, a realidade exige uma esquerda que pode realizar revoluções. Não custa lembrar Horkheimer: “quem não quer falar do capitalismo deve calar-se sobre o fascismo”.

Para além do neoliberalismo fascista x neoliberalismo democrático

8 de julho de 2024 3:48 por Redação

PT-PR/Reprodução

 Magno Francisco é filósofo 

Apesar de ter perdido a eleição presidencial, Bolsonaro e o bolsonarismo seguem numa posição ofensiva em relação a política nacional. Sistematicamente esse campo tem pautado o debate público com propostas reacionárias e neoliberais em torno das questões morais, de gênero, segurança pública, privatização, retirada de direitos e destruição dos serviços públicos.

Uma ação recente neste sentido foi o Projeto de Lei 1904/2024, chamado de PL do estupro, proposto pelo deputado bolsonarista Sóstenes Cavalcante (PL/RJ), que criminaliza vítimas de estupro, caso elas engravidassem em decorrência da violência sexual e decidissem abortar. Arthur Lira, numa postura reveladora da sua natureza política, colocou o projeto em votação Mandraque e o projeto foi aprovado em 23 segundos. Graças a enorme mobilização nacional das mulheres, o projeto foi retirado de pauta, mas ainda não foi completamente derrotado.

Em São Paulo, o vereador bolsonarista, Rubinho Nunes (União Brasil), apresentou o projeto, aprovado na câmara de vereadores em primeiro turno, que multava em R$ 17 mil quem alimentasse pessoas famintas que morassem nas ruas. O objetivo do projeto era atacar o humanista Padre Júlio Lancelotti, mas a verdade é que atacou mesmo a própria figura de Jesus Cristo, torturado e assassinado pelo Império Romano exatamente por estar ao lado dos pobres e famintos. Após a repercussão negativa, Rubinho Nunes decidiu dar fim ao projeto.

Mas não é só o neoliberalismo fascista que adota uma posição ativa no debate público, o neoliberalismo “democrático” também. Na última semana os banqueiros exerceram uma grande pressão sobre o governo Lula em torno da pauta do ajuste fiscal. Diariamente as manchetes dos principais veículos de imprensa exibiram a alta do dólar e o “nervosismo” do mercado após as declarações de Lula de que não pretendia mexer no dinheiro dos aposentados e que não compreendia pagamento de salário como gasto, mas como investimento.

Segundo a Folha de São Paulo[1], o ministro da economia, Fernando Hadad, convenceu Lula de que era preciso se render aos interesses do capital financeiro e fazer ainda mais cortes de investimentos nas áreas sociais para garantir o ajuste fiscal. Resultado: o governo anunciou que fará um corte de R$ 25,9 bilhões do orçamento, dinheiro que poderia estar sendo utilizado para garantir melhores condições de saúde e educação, mas que, retirado dessas áreas, vai garantir o pagamento dos juros da dívida pública aos banqueiros, um assalto aos cofres públicos que só em 2023 representou 43.23% dos gastos públicos, ultrapassando R$ 1,89 trilhão.

É de se perguntar: por que o esforço de Hadad não foi no sentido de taxar as grandes fortunas ou mesmo de realizar uma auditoria do assalto aos cofres públicos realizado com o pagamento da dívida pública? A verdade é que, observando as medidas econômicas, se trocasse o Fernando Hadad pelo Paulo Guedes (ministro da economia do governo Bolsonaro) no comando do Ministério da Fazenda, ninguém notaria a diferença.

Ironicamente, após o anúncio do corte de R$ 25,9 bilhões para garantir o famigerado ajuste fiscal, os banqueiros, insaciáveis como sempre, já anunciaram que não é suficiente, que o governo deve cortar mais das áreas sociais para garantir os seus lucros. Não haverá surpresa se o governo federal anunciar que pretende mexer nos pisos salariais do funcionalismo público, especialmente da educação e da saúde, afinal, é preciso tirar o pão dos filhos para dar aos cachorrinhos, dito de outro modo, a lógica de Hadad é tirar o pão da boca dos trabalhadores para acalmar o mercado.

Não adianta qualquer posição ufanista querer justificar a manutenção da política neoliberal do governo Lula a correlação de forças no Congresso Nacional ou atribuir todos os males do Brasil a Arthur Lira. Todo mundo sabe que a maioria do Congresso é conservadora e que Lira é um representante do que há de mais nefasto na política brasileira, mas reconhecer isso é o mesmo que chamar o Diabo de Diabo.

Ora, não foi com o apoio do PT e dos demais partidos da base do governo que Lira foi reeleito presidente da Câmara dos Deputados? Qual é o tipo de política que o governo fez para fortalecer a eleição de parlamentares de esquerda nas cidades e nos estados? Pior: qual foi a pauta em favor da classe trabalhadora que o governo Lula apresentou e foi rejeitada pelo Congresso Nacional? A quem interessa o arcabouço fiscal de Hadad?

Todas as principais propostas que o governo Lula enviou para o Congresso foram para agradar os banqueiros e o agronegócio. Se, pelo menos tivesse tentado, a culpabilização exclusiva dos Congresso faria algum sentido. Mesmo uma derrota numa situação assim, vamos imaginar que acontecesse, pautaria o debate público, mobilizaria a sociedade, de forma que uma derrota momentânea poderia se transformar numa vitória posterior.

Assim, só podemos concluir que o debate público no Brasil está resumido as pautas impostas pelo neoliberalismo fascista ou o neoliberalismo “democrático”. A burguesia vive um verdadeiro mar de rosas num jogo de ganha-ganha. Para garantir a ampliação da exploração da classe trabalhadora e manter seu domínio social em todas as dimensões da vida, rosta com o neoliberalismo fascista de um lado e faz chantagem com o neoliberalismo “democrático” por outro.

A única possibilidade de alteração desta situação é se a classe trabalhadora conseguir desenvolver um amplo processo de mobilização para exigir suas demandas. Porém, é preciso dizer, isso não interessa ao petismo, que aposta numa política de desmobilização dos movimentos sociais e sindicatos, fazendo com que a atuação desses atores se limite a veneração messiânica de Lula e a votar a cada dois anos.

Prova disso foram os ataques por parte da máquina de propaganda do governo aos trabalhadores das universidades e institutos federais em greve por salário. A mentira repetida mil vezes era a de que os educadores federais eram “leões no governo Lula e mansos no governo Bolsonaro”.

Os educadores federais, apesar da pandemia, realizaram as primeiras e as maiores manifestações contra o governo Bolsonaro exatamente para enfrentar o desmonte da educação como resultado da política de ajuste fiscal e de cortes de gastos, essa mesma que Hadad decidiu continuar. Sem a atuação decidida dos servidores da educação federal, seria praticamente impossível derrotar Bolsonaro eleitoralmente.

A classe trabalhadora precisa retomar o seu protagonismo. Para isso, é obrigatório perder as ilusões. O neoliberalismo sepultou o Estado de bem-estar e com ele sepultou a esquerda reformista. Não é por acaso que o petismo vestiu a fantasia neoliberal e decidiu cair na gandaia no carnaval do capitalismo, dançando no ritmo frenético e insaciável do capital financeiro e do agronegócio.

Sem a consciência de que não há reconhecimento possível para os explorados nesta etapa da história, os trabalhadores não poderão assumir o seu papel de sujeito da história e o neoliberalismo, em sua versão fascista ou neoliberal, seguirá sem ameaças, para felicidade geral dos explorados do povo.

É urgente a consolidação no Brasil de um campo revolucionário da esquerda, em situações de crise política e social, o morno é vomitado, conforme a passagem bíblica do livro de Apocalipse. O fascismo compreendeu isso, daí o seu discurso antissistema, em que pese a falsidade, se tornou alternativa política. Quem duvida que a militância bolsonarista se mobiliza em torno de um ideal de revolução conservadora?

No apocalipse neoliberal, que tem como sujeito o capital financeiro e como projeto a barbárie, a esquerda que merece o seu nome precisa reconstruir o sujeito que defende a vida e a humanidade, para isso, resta o dever de assumir a posição revolucionária e pautar a sociedade, minando as contradições do capitalismo, escancarado os efeitos das suas finalidades políticas, mas, acima de tudo, pautando a sociedade, o que significa exigir o impossível até se tornar inevitável.

 

[1] Corte de R$ 25,9 bilhões anunciado por Haddad é insuficiente, dizem economistas – 04/07/2024 – Mercado – Folha (uol.com.br)