sábado 23 de novembro de 2024

Bolsonaro cortou dinheiro do SUS em Alagoas: é preciso derrotar a austeridade fiscal!

30 de março de 2020 5:22 por Da Redação

*Por Lucas G. Lima

O Coronavírus (COVID 19) já está presente em todos os continentes, uma epidemia de alcance global que tem provocado a morte de milhares de pessoas e que ganhou status de pandemia pela OMS, em razão de sua rápida disseminação.

Alguns países, a exemplo de China e Cuba, têm conseguido administrar melhor os impactos do Coronavírus por meio de um arranjo institucional centralizado e pautado no interesse público, como a produção de antivirais, a construção e/ou reserva de estabelecimentos específicos de tratamento da doença e quarentena social. Portanto, são ações que priorizam a saúde coletiva em detrimento das atividades econômicas.

As estimativas dos efeitos da propagação do vírus no Brasil ainda não são precisas, mas alguns ensaios apontam desdobramentos nada animadores. É o caso do estudo preliminar de autoria de pesquisadores da Universidade de Oxford, que prevê uma contaminação de 40% a 70% da população brasileira e uma quantidade de mortos que pode se aproximar de 500 mil pessoas. Um cenário tenebroso e que pode ser pior, caso a política neoliberal de austeridade fiscal continue a se sobrepor aos interesses da saúde pública e do bem-estar da população.

Seguramente, a única maneira de diminuir os impactos do Coronavírus no Brasil é através do fortalecimento do SUS, que é o único meio de acesso à saúde pública de 80% da população brasileira, ou seja, de quase 170 milhões de pessoas. Mas é aí que reside o principal problema. O SUS, apesar de ser um dos melhores sistemas de saúde do mundo, é uma vítima histórica do subfinanciamento, em decorrência da hegemônica política de austeridade fiscal.

Os gastos da União sempre priorizaram a continuidade do pagamento da dívida pública em detrimento da saúde, ainda que, em alguns momentos, o volume despendido de recursos tenha se elevado. Os dados do gráfico 1 ilustram de forma clara nossa afirmação. Observa-se que, nos dez últimos anos, as despesas relacionadas à dívida pública sempre figuraram bem acima das despesas com saúde.

Gráfico 1: Evolução das despesas da União com Saúde e com a Dívida Pública (2010-2019)

Fonte: Secretaria do Tesouro Nacional, 2020. Org: Lucas Lima, 2020.

Apesar do gráfico 1 apontar um crescimento dos valores despendidos pela União com a saúde, a relação entre despesas públicas em saúde dos três entes federativos (união, estados e municípios) e o Produto Interno Bruto (PIB) coloca o Brasil em posições baixas nos ranking internacionais. De acordo com o estudo de técnicos do Instituto de Pesquisas Econômicas e Aplicadas (IPEA), a partir de dados divulgados pela Organização Mundial da Saúde (OMS), o Brasil está na 34ª posição, entre 37 países da OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico), quando medida a relação entre percentual de gasto público com saúde em relação ao PIB de cada nação. Entre 12 países da América do Sul, o Brasil ocupa apenas a 8ª posição.

É importante mencionar que a Desvinculação de Receitas da União (DRU) é uma das principais responsáveis por sangrar recursos da saúde. Criada em 1994, a DRU vem, sistematicamente, subtraindo dinheiro da Seguridade Social (Saúde, Previdência e Assistência Social) para a continuidade do pagamento da dívida pública. Segundo a Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (ANFIP), a partir de levantamento feito por consultores de Orçamento e Fiscalização Financeira do Congresso Nacional, a DRU retirou mais de 500 bilhões de reais da Seguridade Social entre 2008 e 2016. Apesar do impacto dessas perdas de recursos, o golpista Michel Temer, no exercício da presidência, conseguiu o apoio da maioria dos parlamentares no Congresso Nacional para a ampliação do percentual da DRU, que saiu de 20% para 30%.

Essa política de austeridade fiscal, responsável pela fragilização da sustentação financeira do SUS, acarretou sérias consequências. O gráfico 2 foi elaborado a partir do Boletim Informativo do PROADESS/FIOCRUZ e revela a evolução dos hospitais públicos e privados disponíveis para o SUS. Os dados disponíveis vão até o ano de 2017, mas são suficientes para evidenciar a diminuição do alcance da rede de atendimento SUS no país. Nota-se uma queda não linear no número de estabelecimentos de saúde num intervalo de nove anos.

Gráfico 2: Evolução do número de hospitais públicos e privados disponíveis ao SUS

Fonte: PROADESS/FIOCRUZ, 2019. Org: Lucas Lima, 2020.

A mesma publicação compara a evolução do número de leitos curativos no país, evidenciando números de 2009 e 2017. Conforme quadro 1, todas as regiões do país, com exceção do Norte, que se manteve estável, apresentaram diminuição no número de leitos curativos (clínicos, cirúrgicos, obstétricos e pediátricos) nos estabelecimentos que atendem pelo SUS.

 

Quadro 1: Leitos curativos no Brasil em estabelecimentos que atendem pelo SUS (2009 e 2017)

Grande Região20092017Var %
Norte1,161,160,0%
Nordeste1,431,31-8,4%
Sudeste1,181,00-15,2%
Sul1,621,46-9,9%
Centro-Oeste1,611,33-17,4%
Brasil1,341,19-11,2%

Fonte: PROADESS/FIOCRUZ, 2019. Org: Lucas Lima, 2020.

Essa crônica situação de subfinanciamento da saúde se agravou com a aprovação da PEC do Teto dos Gastos, apelidada pelos sindicatos, à época, como a PEC do Fim do Mundo. Diga-se de passagem, um nome bem sugestivo, em face da perversidade da proposta. A PEC, apresentada pelo golpista Michel Temer, foi aprovada pela maioria dos parlamentares no Congresso Nacional, inclusive, por Bolsonaro, no exercício de seu mandato como deputado federal. Em resumo, a PEC, chamada desde sua aprovação de Emenda Constitucional nº 95 (EC-95), limitou os gastos em saúde às despesas do ano de 2017, atualizadas pelo índice da inflação dos anos seguintes. Um verdadeiro crime!

Desde sua aprovação, a EC-95 já causou um prejuízo de 22,48 bilhões ao SUS, entre 2018 e 2020, e a estimativa é que a perda de recursos alcance 400 bilhões até 2036, de acordo com o Conselho Nacional de Saúde.

Os efeitos da EC-95 podem ser verificados em Alagoas, uma vez que o repasse do Fundo Nacional de Saúde diminuiu em 2019, primeiro ano do governo Bolsonaro. Em relação ao ano de 2018 foi identificada uma perda de 21 milhões de reais para a saúde estadual. Dos 102 municípios alagoanos, 46 registraram perdas no repasse do Fundo Nacional da Saúde, o equivalente a 45% do total de municípios do estado. Maceió, capital que concentra em torno de 30% da população de Alagoas e que deu dupla vitória (1º e 2º turno) à Bolsonaro nas eleições, teve uma perda de mais de 77 milhões de reais. No mapa seguinte constam os municípios, em vermelho, que tiveram perdas de recursos do Fundo Nacional de Saúde em 2019.

Alagoas: municípios que tiveram perdas nos recursos repassados pelo Fundo Nacional de Saúde em 2019

Fonte: Fundo Nacional de Saúde, 2020. Elaboração: Lucas G. Lima, 2020.

É oportuno recordar que, em dezembro de 2019, Bolsonaro extinguiu arbitrariamente o seguro obrigatório, conhecido como DPVAT (Danos Pessoais Causados por Veículos Automotores), que costuma ser cobrado junto ao IPVA (Imposto sobre Veículos Automotores). A medida acabou sendo derrubada, posteriormente, pelo Supremo Tribunal Federal (STF), mas foi um importante indicador do desprezo de Bolsonaro com a saúde pública, uma vez que 45% dos recursos arrecadados com o DPVAT se destinam ao Fundo Nacional de Saúde.

Ainda em 2019, Bolsonaro apresentou um pacote de propostas de emendas à Constituição Federal, conhecido como Plano Mais Brasil. Um dos conteúdos dessas emendas é a unificação dos orçamentos da saúde e da educação. Ou seja, uma tentativa de golpe de misericórdia no SUS, uma vez que, se aprovada (a unificação), não haverá mais orçamentos e despesas mínimas específicas por área, abrindo caminho para as barganhas e as negociatas políticas a cada ano.

No presente momento, com o crescimento geométrico dos contágios pelo Coronavírus no Brasil, evidenciam os limites da austeridade fiscal e da vigência da EC-95. Em todos os cantos do país, trabalhadores da saúde têm manifestado sua preocupação com a falta de insumos (máscaras, óculos, capote, etc.), força de trabalho e leitos curativos e de UTI para o enfrentamento da pandemia. O próprio Ministro da Saúde do governo Bolsonaro solicitou a liberação de 5 bilhões de reais ao Congresso Nacional, a fim de custear ações específicas contra o vírus.

Assim, os dados e as informações recentes revelam que a política de austeridade fiscal tem prosseguimento com o governo Bolsonaro, uma vez que esta prioriza os lucros dos especuladores, bancos, fundos de investimento, dentre outros, causando um estrangulamento dos recursos disponibilizados ao SUS.

Por conseguinte, a única possibilidade de diminuição dos impactos do Coronavírus no Brasil passa, invariavelmente, pelo fortalecimento do SUS, encerrando a perversa política de austeridade fiscal da qual faz parte a EC-95. Para tanto, precisamos impor uma derrota ao governo Bolsonaro e sua agenda de destruição.

*É professor da UFAL

PCB/AL

Artigo publicado no jornal A Voz do Povo, no dia 24 de março de 2020

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