9 de maio de 2023 12:49 por Da Redação
Por Agência Senado
Audiência pública da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional (CRE) nessa segunda-feira (8) foi marcada por duras críticas à empresa petroquímica Braskem, que não estaria compensando adequadamente as vítimas da tragédia de março 2018 — na ocasião, o solo de cinco bairros de Maceió (AL) afundou em consequência da extração excessiva de sal-gema, afetando cerca de 200 mil pessoas. Milhares de imóveis foram atingidos, e os moradores tiveram que deixar suas casas.
Os participantes da audiência criticaram os baixos valores de indenização oferecidos pela empresa às famílias afetadas, apontaram risco de exploração imobiliária dos terrenos desocupados e transferidos à Braskem e atacaram os critérios de transparência social e ambiental da petroquímica numa fase de possível reorganização acionária da empresa.
A promoção da audiência pública interativa atendeu a requerimento (REQ 17/2023 – CRE) do presidente da CRE, senador Renan Calheiros (MDB-AL), que também presidiu o debate. Na justificação do pedido, o parlamentar afirma que ”antes (…) de se avançar em negociações que possam resultar em lucros e dividendos bilionários para empresários e acionistas, que sejam claramente pactuadas as obrigações, honrados os compromissos sociais com o estado e, sobretudo, com as famílias agonizantes por anos de exploração ambiental desmesurada”.
‘Cavalo de Troia’
Na audiência, Renan destacou as proporções da tragédia humana e do desastre ambiental, que considera inequivocamente ligados à atividade da Braskem, e afirmou que o problema demanda uma discussão em nível nacional, por afetar a imagem do Brasil no exterior. Ele classificou a mineração de sal-gema como um “cavalo de Troia” para Maceió e cobrou das partes envolvidas o compromisso de pagamento justo pelo prejuízo causado pela Braskem, em bases satisfatórias para as vítimas e o estado.
— O caso ganha gravidade e magnitude em razão das negociações, algumas sub-reptícias, para a transferência total ou parcial das ações da empresa. Tratativas públicas ou escamoteadas não irão prosperar até que os prejuízos causados sejam honrados.
O senador Astronauta Marcos Pontes (PL-SP) citou outros acidentes, como os derramamentos de petróleo no litoral e os rompimentos de barragens em Mariana e Brumadinho, e cobrou um trabalho sério para prevenção e mitigação de riscos em atividades econômicas.
— Os desastres acontecem e depois a gente chora as pessoas e os bens que foram perdidos. A melhor solução é a prevenção, e que a reparação seja feita de forma correta.
O senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) cumprimentou Renan por sua “obstinação” no enfrentamento do caso Braskem, que considera uma causa do povo brasileiro e do Senado.
‘Reconciliação’
Presente na reunião, o governador de Alagoas, Paulo Dantas, também considerou inconcebível tratar da venda de ações da Braskem sem incluir na pauta a indenização às vítimas. Ele pediu a ajuda do Senado para a “reconciliação da empresa com a sociedade e suas instituições”.
— Não podemos desperdiçar nem um centavo. Muito além do dano emergente, que é o prejuízo em si, há que contabilizar os lucros cessantes, que são os ganhos que o estado de Alagoas ficou impedido de desfrutar em razão da lamentável ocorrência.
O coordenador do Núcleo de Proteção Coletiva da Defensoria Pública de Alagoas, Ricardo Antunes Melro, disse que o povo do estado tem sido maltratado e chantageado pela Braskem nos acordos para pagamento de danos materiais e morais, violando a Constituição e o ordenamento jurídico. Melro contrastou os baixos valores das indenizações pagas pela Braskem com a distribuição de lucros de R$ 7,1 bilhões no mesmo período. Ele também manifestou a possibilidade de a empresa conseguir lucros imobiliários construindo em áreas devastadas que possam vir a ser consideradas habitáveis.
— A população está aceitando [indenizações reduzidas] em massa não porque entende que é justo, mas porque foi colocada por dois anos em situação de penúria.
O deputado federal Rafael Brito (MDB-AL) salientou que sua família também foi vítima da tragédia da Braskem, e que a indenização consiste praticamente em um contrato de compra e venda da área afetada.
— Não há perda financeira para quem causou o crime. Os imóveis que foram indenizados não podem ser tratados como ativos.
Por sua vez, o deputado estadual de Alagoas Alexandre Ayres (MDB) espera que a legislação seja modificada para impedir o “uso mercadológico” das áreas devastadas. O parlamentar sublinhou o atual movimento especulativo em torno das ações da Braskem como um momento oportuno para reparações ao estado e ao município e para revisão das indenizações.
Segurança
O professor e mestre em geotecnia Abel Galindo Marques fez uma exposição sobre a dinâmica das minas de sal-gema em Maceió, mostrando como os poços foram feitos gradualmente com maior diâmetro e menor afastamento — situação que ele atribuiu à “ganância” da Braskem.
— Mais de 70% dessas minas estão com fator de segurança muito abaixo do mínimo necessário. Por isso é que desabaram.
Presidente da Associação dos Empreendedores no Bairro do Pinheiro (uma das áreas afetadas), Alexandre de Moraes Sampaio afirmou que a Braskem engana a Bolsa de Valores, as vítimas e o Estado brasileiro — na condição de acionista da Petrobras, que pode incorporar a Braskem — com o uso de termos enganosos sobre sua responsabilidade ambiental. Segundo as estatísticas que apresentou, quase 50 mil imóveis no entorno da área de risco perderam o direito à cobertura de seguro e, portanto, não podem ser financiados.
— Há um esforço deliberado e ilegal de mascarar o tamanho da dívida social e econômica da Braskem.
Indenizações ‘irrisórias’
O líder comunitário Antônio Domingos dos Santos, representante de bairros atingidos, repercutiu a apreensão dos moradores com a possibilidade de novas tragédias e definiu que as indenizações são “irrisórias” e impostas “goela abaixo” das comunidades.
Maurício Sarmento da Silva, representando o Movimento Único das Vítimas da Braskem (MUVB), disse que o crime ambiental destruiu comunidades tradicionais vivas e ricas em história que a Braskem insiste em eliminar. Já Hugo Wanderley, presidente da Associação dos Municípios Alagoanos, ressaltou os efeitos adversos da tragédia de Maceió sobre todo o estado.
A socióloga Camila Dellagnese Prates denunciou a falta de transparência dos dados apresentados pela Braskem e a tentativa da empresa de classificar o desastre como “dano geológico”. O professor José Elias Fragoso Pereira contestou o “castelo de lendas” em torno da importância econômica da Braskem para Alagoas.
Entre outros participantes do debate, estão Isadora Padilha de Holanda Cavalcanti, presidente do Instituto para o Desenvolvimento das Alagoas; o sociólogo Edson José de Gouveia Bezerra; e Tereza Nelma, secretária nacional de Aquicultura.