sexta-feira 18 de outubro de 2024

Poeta busca desvendar mistérios de Penedo em “A terceira margem do rio”

Anselmo Ferreira Melo é o entrevistado do 082 Notícias

23 de junho de 2024 9:55 por Geraldo de Majella

Foto: Arquivo Pessoal

Anselmo Ferreira Melo nasceu em Penedo (AL), em 1961. É poeta e professor de Literatura e História. Quando completa 63 anos de idade, já soma cerca de quarenta anos como professor, transitando entre o ensino das duas disciplinas. Na juventude, sua poesia rendeu-lhe premiações em concursos literários.

Seus afazeres como professor absorveram-no integralmente, mas, não sufocaram o poeta que alçava voo na Maceió efervescente da década de oitenta. Tendo submergido durante quase quatro décadas nas águas do Rio São Francisco para emergir na vastidão do Oceano Atlântico, no bairro portuário de Jaraguá, em 28 de maio, para lançamento da sua obra.

“A terceira margem do rio e outros poemas” é o seu primeiro livro, que veio a público como se fosse esculpido pelos santeiros de seu Penedo, apurado pelo tempo e trabalhado nos detalhes da carpintaria. O prefácio da obra foi escrito pelo viçosense Sidney Wanderley, um dos grandes poetas das Alagoas.

O poeta Anselmo Melo é o entrevistado do 082 Notícias deste fim de semana.

082 Notícias – “A terceira margem do rio e outros poemas” é um canto a Penedo, um roteiro sentimental de uma cidade quase imaginária que sua memória reconstrói. Em algum momento da sua vida você se sentiu ausente de Penedo?

Anselmo Melo Na verdade, posso te responder com a estrofe do poema “Das Minhas Negativas”, que abre o livro: “Não me afastei uma légua além das velhas ladeiras de Penedo”…

Jamais fui conquistado por nenhuma outra aldeia.

Penedo resiste em mim de forma contínua e autoritária.

Não me dei conta de fotografar outras paisagens que a mim se apresentaram: sempre voltei aos sobrados apodrecidos da Quitanda, às janelas enfileiradas do Rosario Estreito, aos Anjos do Santa Maria, às canoas e rochas do nosso rio e aos quintais do Sossego e sua gente simples. Pessoas que nunca me deixaram sair de lá.

É esse laço ou nó cego do pertencimento que me envolveu e certamente nunca há de se desfazer. Penedo resiste!

082 Notícias – Quem foram os autores que você começou a ler ainda em Penedo e quem o influenciou?

Anselmo Melo – Creio que apareceu inicialmente pela oralidade.

A lembrança mais remota do poético veio de um tio meu, que diziam “aluado”. Ele morava num povoado do outro lado do rio e, vez por outra, pegava sua canoa e vinha nos visitar, e nas horas mais inusitadas desandava a fazer trovas bem humoradas do seu lugarejo e a tocar um pífano que alegrava a meninada que o cercava na rua. Como ele era “amalucado”, como diziam, nos impediam maiores aproximações.

Meu irmão mais velho, Artur, que estudava Engenharia em Maceió, era (continua sendo) um declamador de poemas, e nos domingos de Brahmas do nosso pai, ia nos encantando de versos de Augusto dos Anjos, Olégario Mariano, Zé Brejeiro, Zé da Luz, e também nos enchia de livros e revistas.

Isso me marcou profundamente.

A escola veio depois, com os livros repletos de crônicas e poemas que me cativavam.

E num determinado dia, caiu nas minhas mãos Dom Casmurro e um pequeno livro da coleção Nossos Clássicos, de Manuel Bandeira, e a literatura bateu ponto em mim. Tive, como diria, o próprio  Bandeira: um alumbramento.

De então, vieram Drummond, Vinicius, Cecilia Meireles, o nosso Jorge de lima.

E comecei a arriscar versos num velho caderno de arame.

Interessante é que demorei um pouco a conhecer os modernistas. Pensava ser impossível passar horas metrificando versos e apurando a forma como Bilac e outros mais tradicionalistas.

Os poetas modernos me despertaram para os versos livres e temas do cotidiano, sobretudo pela adoção de uma linguagem mais próxima do coloquial e sua extrema informalidade.

Foi a partir dessas leituras dos modernistas que insisti, e saiu meu primeiro poema, “Árvore Urbana”.

Foto: Arquivo Pessoal

082 Notícias –    A Penedo colonial e aristocrática que foi e que depois mergulhou no ostracismo econômico e intelectual o preocupou em algum momento de sua vida adulta?

Anselmo Melo – Retomando Drummond:

“Alguns anos vivi em Penedo

 Principalmente nasci em Penedo

Por isso sou triste,

orgulhoso, de pedra”…

A Penedo que tomou conta do menino míope foi diversa. O percurso dos casebres humildes da Rua do Sossego e da Igrejinha do Senhor dos Pobres, no Cajueiro Grande aos Sobrados e Casarios mais abastados, foi visto e vivido sem sobressaltos, mas com a certeza de uma sociedade injustamente bem definida e desigual.

Meu pai era trabalhista e resmungava sempre que podia contra a opressão política da ditadura militar.

As questões ideológicas vieram quando deixamos a velha urbe e viemos estudar em Maceió.

O que me preocupou mesmo, já cursando o ensino médio (científico na época), não foi somente essa decadência econômica e intelectual que fez a cidade perder os festivais de cinema etc…Tinha uma outra coisa que assustava: o receio de destruírem o patrimônio material da cidade. Lembro o desespero do professor e historiador Ernani Mero pela preservação do nosso sítio histórico.

O papel do Iphan era invisível.

Penedo foi sendo administrada por personagens estranhos à sua essência e ao papel relevante que ela necessitava, pondo em risco seu próprio futuro.

Corremos um grande perigo.

O “Poema por Penedo”, feito na década de 80, veio nesse contexto.

É preciso estarmos sempre atentos.

Não faz muito tempo que cobriram de lama asfáltica da Gruta de Fátima ao estádio do Sport Club Penedense.

Ficou esquisito, e se não fosse o atual Iphan, teriam ido até o Imaculada.

082 Notícias –    Você presta uma justa homenagem ao escritor e médico Francisco Sales, dedicando o poema “Se Ainda Pudesse Arruar para o Forte”. O que Sales representou para a cultura da cidade de Penedo?

Anselmo Melo – Talvez, o mais brilhante de todos os penedenses.

Fui apresentado a ele pelo professor Douglas Apratto e mantivemos uma relação de muita cordialidade.

Na época, início dos anos 90, tive até convite para fazer parte da equipe da Casa do Penedo. Não deu.

Mas, acompanhei de longe, atenciosamente e feliz, toda sua luta em prol da cidade e da euforia que o envolveu quando da aquisição do Chalé dos Loureiros, seu grande sonho.

Fiquei deveras triste e comovido com sua partida.

O poema “Se ainda pudesse arruar para o forte”, foi o que pude para reverenciar esse penedense que nos deixou um legado riquíssimo e que jamais poderá ser esquecido.

082 Notícias – “Os meninos da Rocheira que te mergulharam e jamais se banharam nas tuas novas águas.” Essa memória de infância atravessou o tempo; você continua pensando nisso.

Anselmo Melo – Talvez tenha sido algo traumático ou individualizado, ou apenas uma espécie de busca do tempo perdido nos confins da meninice.

Tudo vinha nas conversas dos ancestrais e dos que nos cercavam e alertavam sobre os perigos latentes das águas lustrosas do rio, suas canoas e suas carrancas que traziam peixes e lendas.

A cidade é abraçada pelo São Francisco e ninguém vivia ou vive alheio às suas águas misteriosas.

Estudei num sobrado vizinho ao Oratório dos Condenados e em frente à Casa da aposentadoria, e da janela da escola me distraía vendo o vai e vem das canoas e dos meninos que se atiravam alegremente da Rocheira .

Tudo era bravura!

Mas as notícias dos que desapareciam eram devastadoras e tudo em mim virava medo.

Penso que isso permaneceu no adulto que jamais ousou mergulhar nas suas novas águas.

082 Notícias –    Penedo não é uma fotografia na parede, ou é?

Anselmo Melo – Interessante, penso até que a derrocada econômica da cidade a fez livrar-se da ganância do capital que destrói e continua destruindo coisas belas e a preservou, mesmo em suas ruínas, que a custo resistem ao sol e à brisa do tempo. 

Penedo é meu muro mais alto, intransponível e somente pela ficção, pelo poético e metafórico, pode ser desvendado.

Penso que criei um lugar, ergui na pedra uma Penedo imaginária para viver… para sobreviver.

Reprodução

082 Notícias – Qual o motivo da demora em publicar “A terceira Margem do rio e outros poemas”? Tem outro livro pronto na gaveta?

Anselmo Melo – Nos anos 80, participei ativamente dos eventos literários aqui em Maceió.

Tive vários textos publicados em jornais, revistas e antologias da época. E foi só. Fugi pras minhas aulas e fui deixando a ideia de uma publicação fora dos meus objetivos.

Nosso poeta maior e um dos melhores da poesia brasileira contemporânea,  Sidney Wanderley, foi o grande mentor dessa publicação, sempre cobrou empenho para que retirasse os poemas da gaveta.

O Sidney fez uma belíssima e generosa apresentação, e com as ilustrações do Rosivaldo Reis, veio à lume o nosso A terceira margem do rio.

Imaginei até que pelo seu intimismo tão intensamente memorialístico, não teria espaço no contexto agitado e complexo que estamos atravessando.

Certamente, o próximo reúne poemas mais alinhados com o momento que nos encobre.

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7 Comentários

  • Excelente entrevista. Aguardo o segundo rebento do Anselmo.

    • Sidney, vamos aguardar o segundo livro.

  • Meu caro Magella, obrigadíssimo pelo generoso espaço.

    • Estamos juntos

  • Belo, límpido e sensato depoimento, vejo pela primeira vez, um penedense que olha e enxerga a cidade, com sua beleza e historicidade de forma crítica. É preciso refletir Penedo para além de suas paredes coloniais e enxergar o humano, especialmente aqueles que foram silenciados na história tradicional centrada nas grandes famílias.

    • Sérgio, o Anselmo realmente falou de uma cidade “submersa” vista por quem mergulha, como ele, com olhar atento e critico.

  • Entrevista maravilhosa, fluida, uma delícia de ser lida.
    O Professor e Poeta Anselmo é sensível, imenso na produção do sentir, perspicaz em todos os detalhes e assertivo em suas declarações.

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