3 de setembro de 2020 2:18 por Marcos Berillo
Até a primeira metade deste ano, os esforços do Ministério da Educação (MEC) para apoiar a educação básica brasileira durante a pandemia ficaram limitados à transferência antecipada de parcelas já previstas no Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE). A informação é do terceiro Relatório da Execução Orçamentária do MEC, realizado a cada dois meses pelo Todos Pela Educação.
O relatório avalia a disponibilidade de recursos e a execução das despesas do MEC, com foco na educação básica. O estudo é feito a partir do Relatório de Avaliação de Receitas e Despesas Primárias (RARPD), publicação bimestral do Ministério da Economia, que monitora o comportamento da receita e ajusta a estimativa das despesas do governo federal para o ano corrente, garantindo o equilíbrio fiscal das contas públicas.
De acordo com o terceiro documento elaborado pelo Todos Pela Educação, houve queda de arrecadação (-1,5%) e aumento nos gastos (+15,7%) do governo federal em comparação ao bimestre anterior, o que, segundo a entidade, amplia o déficit público brasileiro, que atingiu R$ 787,4 bilhões no acumulado do ano.
“O relatório traz um problema muito evidente no MEC desde o ano passado, que é a baixa execução dos recursos, e que vem se repetindo em 2020. O volume de despesas pagas pelo ministério neste ano é o mesmo pago em 2019, em termos percentuais. E o ano passado já foi marcado por uma baixa execução. Isso traz para a gente uma preocupação, pois gastos de 2019 estão sendo efetivados agora em 2020, e a tendência é que os gastos que foram planejados para este ano fiquem apenas para 2021”, alerta o coordenador de Relações Governamentais do Todos Pela Educação, Felipe Poyares.
O orçamento do MEC para este ano, como mostra o relatório, é o menor desde 2012, em valores reais – mesmo após a inclusão dos recursos condicionados ao descumprimento da Regra de Ouro e o remanejamento de recursos extras à pasta por meio de medidas provisórias. O orçamento total da pasta caiu 7,5% em relação ao ano passado.
De acordo com os dados, menos de 1% dos recursos condicionados pertencem à educação básica. Os recursos extras se destinam exclusivamente para universidades e hospitais federais, de modo que, até junho, não houve “dinheiro novo” para o segmento.
“Quando a gente fala que não houve dinheiro novo, estamos falando especificamente dos créditos extraordinários do orçamento de guerra. Isso quer dizer que, desde o começo da pandemia, o Congresso Nacional tem aprovado uma série de créditos, enviados pelo governo por meio de medidas provisórias, que buscam justamente financiar ações de combate à doença. Como em janeiro não sabíamos desse cenário, foi criado esse orçamento paralelo para financiar essas despesas por meio da emissão de títulos – ou seja, de dívidas. E não tem medida provisória para a educação básica, por isso não há dinheiro novo”, lamenta o coordenador.
No início da semana, o governo federal tinha anunciado mais recursos para a Defesa em detrimento das pastas da Educação e da Saúde, por exemplo, mas recuou na decisão. De acordo com o Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) para 2021, o MEC terá agora quase R$ 115 bilhões, considerando despesas primárias. Para a Defesa, foram destinados R$ 110,7 bi, um avanço de 4,8%, e para a Saúde, R$ 135 bi (+1,7%).
Ainda assim, Felipe Poyares desabafa. “De fato, temos uma baixa execução do MEC lá em 2019 que não dá para voltar atrás, porque não temos como recuperar o tempo perdido. Como esses recursos não foram executados em 2019, muitos estão sendo em 2020. Isso faz com que as despesas que foram planejadas para serem gastas neste ano fiquem para 2021 ou concorram com as despesas de 2019”, acredita.
E continua: “Das duas, uma: teremos uma baixa entrega de recursos, porque não entregamos o que deveria ter sido entregue no ano passado e estamos ‘cavalando’ essa entrega de 2019 com a de 2020. E todo órgão tem um limite financeiro a ser gasto para despesas discricionárias, que é fixo. Ele pode ser aumentado pela Economia, mas significa que teria que retirar de outro órgão – e a gente sabe que no atual momento isso não é possível, todos devem ter o orçamento respeitado.”
Para o doutor em psicologia educacional e pesquisador em educação Afonso Galvão, o relatório só confirmou o “descaso” do governo federal pela educação desde o ano passado. Para o especialista, a falta de execução orçamentária até junho em programas como o Educação Conectada, que visa ampliar o acesso à internet nas escolas, e o Ensino Médio em Tempo Integral (EMTI) é um problema ainda maior em meio à crise global na saúde.
“Em tempos de pandemia, o Educação Conectada deveria ser uma prioridade total do governo. As redes estaduais, por exemplo, estão dependendo da ampliação do acesso à internet nas escolas para que possam ofertar uma educação virtual de qualidade, mas nem o mínimo tem sido alcançado”, destaca Galvão.
Segundo ele, a educação como um todo é importante, mas a educação básica não tem sido reconhecida da forma como deveria. “A educação básica tem obtido apoio inexpressivo ou nenhum apoio em algumas situações por parte do MEC. Isso é muito ruim”, aponta o pesquisador. “No momento em que a educação enfrenta a maior crise na história, estamos ineptos em termos de capacidade de gestão educacional. Não há plano de Estado nem de governo e as metas estão cada vez mais distantes de serem alcançadas”, dispara Afonso Galvão.
O relatório mostra, ainda, que a “imperícia orçamentária” atinge também o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), principal unidade executora de despesas relativas à educação básica. A autarquia tem mais despesas para pagar do que limite de pagamento disponível.
O documento aponta que a soma das dotações de 2020 que ainda não foram executadas (R$ 2,2 bi) com o saldo de Restos a Pagar – RAP (R$ 3,3 bi) supera o limite de pagamentos disponível (R$ 2,8 bi). Caso o limite de pagamentos da autarquia não seja ampliado, será necessário escolher quais despesas pagar.
“Em 2019 já havia uma prática de postergar pagamentos, o que sobrecarregou o orçamento de 2020 – o chamado Restos a Pagar. O interessante é que as despesas obrigatórias foram realizadas em um nível bem superior das despesas discricionárias. Isso indica que realmente, no primeiro semestre, ocorreu uma ‘paralisia’ dos setores que conduzem a educação no País”, avalia o presidente do Conselho Regional de Economia do Distrito Federal (Corecon-DF), César Bergo.
O cenário, segundo o economista, exige uma ação rápida por parte das autoridades para não cessarem as atividades educacionais do País e para que a economia também não entre em colapso.
“Os não pagamentos por serviços já prestados impactam diretamente a estrutura financeira dos prestadores de serviços e de fornecedores que ficam sem recursos para pagar suas inúmeras obrigações (fiscais, trabalhistas e operacionais). Isso gera um círculo vicioso que afeta todo o sistema educacional e que gera, inclusive, a falência dessas empresas, que são micro e pequenos empresários, em sua grande maioria”, comenta César Bergo.
“Esses restos comprometem, de forma muito séria, o exercício atual. Isso mostra uma atuação pífia por parte do MEC e não há um plano capaz de enfrentar realmente a situação gravíssima em que estamos vivendo”, completa Afonso Galvão. “Há uma esperança com o recém-aprovado Fundeb, porque ‘obriga’ a execução orçamentária àquilo a que se destina. Mas é algo que ainda vai demorar e, sozinho, não vai resolver todo o panorama de crise aguda que a educação brasileira vive”, conclui o pesquisador.
Fundeb
Em agosto, foi aprovado no Congresso Nacional o novo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb), tornando-o permanente. Em vigor desde 2007, o Fundo é considerado essencial para o ensino público no País, já que reforça o investimento no setor em estados, municípios e Distrito Federal.
Com promulgação de Emenda Constitucional, Fundeb passa a ser permanente
Já era previsto que o Fundeb fosse extinto em dezembro deste ano, de acordo com a lei de criação. Porém, com a aprovação da PEC, o Fundeb se tornou permanente. O Fundo é composto por contribuições dos estados, DF e municípios, além de uma contribuição da União sobre esses valores, que é de 10% hoje. Com as mudanças, esse percentual vai subir, gradualmente, alcançando o teto de 23% em 2026 em diante.
Os investimentos na educação, segundo a PEC aprovada, passarão de R$ 15,6 bilhões para R$ 36,3 bilhões por ano e vão alcançar principalmente os estudantes que se encontram em maior vulnerabilidade, como os das escolas rurais, comunidades tradicionais e periferias.
“A aprovação do Fundeb é muito importante e deve ser muito comemorada, sim, mas de forma alguma deve ser usada como contrapartida da queda de recursos”, reforça Felipe Poyares, do Todos Pela Educação. “O Projeto de Lei Orçamentária para 2021 prevê um corte de mais de 9% nas despesas discricionárias, que não são obrigatórias. As despesas do Fundeb são diferentes, são ‘dinheiros’ diferentes”, explica.
*A reportagem procurou o MEC para comentar o relatório, mas até o fechamento do texto não obteve retorno.
Fonte: Brasil 61