Por Dilson Ferreira*
As últimas chuvas em Maceió, que caíram entre os dias 5 e 6 de fevereiro, me fizeram refletir sobre as enchentes em Alagoas.
Para se ter uma ideia da dimensão do problema, choveu 86 litros por metro quadrado. Isso significa, de maneira geral, que Maceió, com seus 509 km² de área, recebeu o equivalente a 43,7 bilhões de litros de água em poucas horas. Na bacia do riacho Salgadinho, esse volume foi de aproximadamente 2,3 bilhões de litros, o que equivale a 232 mil caminhões-pipa de 10 mil litros despejados simultaneamente.
Diferente do que muitos gestores públicos enfatizam, esses não são eventos esporádicos. Pelo contrário, são eventos recorrentes que afetam tanto a capital, Maceió, quanto diversas cidades do interior, especialmente aquelas situadas ao longo das bacias hidrográficas dos rios Mundaú e Paraíba e do Complexo Lagunar Mundaú-Manguaba.
É essa reflexão que pretendo trazer neste texto:
Causas das Cheias e Alagamentos
Esses eventos resultam da combinação de fatores climáticos, como chuvas intensas e anômalas, e problemas estruturais, como desmatamento, ocupação irregular das margens dos rios e riachos, além da enorme deficiência nos sistemas de drenagem urbana – não apenas em Maceió, mas também na região metropolitana. Afinal, a água é um fluido e segue seu curso natural.
As consequências são devastadoras:
• Perda de vidas;
• Danos à infraestrutura das cidades;
• Deslocamento de populações;
• Impactos socioeconômicos severos, com milhares de desabrigados.
A recorrência desses eventos ao longo dos séculos evidencia a necessidade de políticas eficazes de planejamento urbano, reflorestamento, controle da ocupação desordenada e aprimoramento da drenagem urbana.
Mas os gestores públicos sempre preferem recorrer às mesmas desculpas: “Culpar a população e São Pedro por 100% do problema das cheias.”
As Grandes Enchentes em Alagoas (Século XIX e Início do Século XX)
O historiador Octávio Brandão, em seu livro Canais e Lagoas, destaca a recorrência das enchentes em Alagoas desde o século XIX, associadas ao desmatamento e à ocupação das margens dos rios. Entre os principais eventos registrados estão:
- 1822 e 1836 – Primeiras enchentes documentadas com impactos significativos.
- 1863 – Uma das maiores cheias da época, submergindo parte do território de Santa Rita.
- 1910, 1913 e 1917 – Enchentes frequentes na região do Complexo Lagunar e nas cidades ribeirinhas.
Século XX: Tragédias de Grande Escala
O século XX foi marcado por enchentes severas que afetaram profundamente o estado:
1949 – Entre 16 e 19 de maio, uma tromba d’água em Maceió causou deslizamentos e destruição nos bairros Poço, Centro, Farol, Cambona e Jaraguá. A Ponte da Avenida da Paz foi destruída e houve mortes. O antigo Farol teve sua estrutura abalada e o Riacho do Reginaldo transbordou, varrendo casas.
1969 – Uma das maiores tragédias do estado: a cidade de São José da Laje foi praticamente destruída, resultando em centenas de mortes e mais de 1.200 casas destruídas.
1988 e 1989 – Duas enchentes consecutivas atingiram dezenas de municípios, incluindo Maceió, causando mortes e o deslocamento de milhares de pessoas.
Enchentes Recentes: O Século XXI em Alerta
Com o agravamento das mudanças climáticas, a urbanização desordenada e a infraestrutura colapsada, Maceió e Alagoas continuam enfrentando eventos extremos. A prefeitura, apesar de ter um plano de saneamento novo aprovado em 2018, parece não querer colocá-lo realmente em prática, focando apenas no “Renasce Salgadinho”, sem investir em um plano integrado de drenagem urbana.
Vejamos alguns eventos recentes:
2000 – O rio Mundaú atingiu 10,5 metros acima do nível normal, causando dezenas de mortes e destruição.
2004 – Enchentes em Maceió resultaram em mais de uma dezena de mortes e 1.500 desabrigados.
2010 – Uma das maiores enchentes desde 1949, com dezenas de mortos e mais de 28 mil desabrigados. Em Garanhuns (PE), foram registrados 283 mm de chuva em três dias, elevando o nível dos rios e do Complexo Lagunar em Alagoas.
2022 – A maior enchente desde 2010, com 75% d volume mensal de chuvas caindo em poucos dias, afetando milhares de pessoas.
2023 e 2024 – Em junho de 2023, Maceió registrou 32% a mais de chuva do que a média histórica. Já em maio de 2024, a precipitação foi 43% acima da média. No último dia 5 de fevereiro de 2025, choveu 90% do total previsto para o mês em poucas horas.
O Papel do Vale do Reginaldo na Drenagem de Maceió
Importância Hidrográfica
O Vale do Reginaldo é uma das áreas mais estratégicas para a drenagem de Maceió. Com uma bacia hidrográfica de aproximadamente 27 km², recebe águas pluviais de 18 bairros e influencia a drenagem na região Sul, Leste e Oeste da cidade.
Os principais riachos que atravessam essa bacia são:
Riacho Reginaldo, que deságua no Complexo Lagunar Mundaú-Manguaba;
Riacho do Sapo, Riacho Guladim e Riacho do Pau D’arco, além de diversos afluentes temporários.
Problemas e Impactos Urbanos
O crescimento desordenado na região gerou assoreamento, despejo de esgoto in natura e ocupação irregular, agravando os riscos de enchentes. A impermeabilização do solo, a falta de planejamento urbano e a expansão da pavimentação sem drenagem aumentam o escoamento superficial, intensificando alagamentos.
Realizei uma pesquisa e identifiquei cerca de 15 estudos acadêmicos sobre drenagem urbana, regime pluviométrico, Lagoas Mundaú e Manguaba, Bacia do Reginaldo e Riacho Salgadinho. Esses trabalhos analisam enchentes, ocupação desordenada, poluição e impactos da urbanização na drenagem de Maceió.
Lições e Desafios
Para mitigar os impactos das chuvas intensas, algumas ações prioritárias incluem:
• Reflorestamento das margens dos rios e riachos;
• Proteção de lagoas e lagos;
• Criação de piscinões e parques alagáveis;
• Controle da ocupação irregular;
• Ampliação da drenagem urbana;
• Programas de educação urbana e ambiental;
• Sistemas de alerta eficientes;
• Políticas habitacionais para áreas de risco;
• Transparência pública na gestão da drenagem;
• Criação de um fundo de saneamento básico.
Conclusão
O Vale do Reginaldo desempenha um papel estratégico na drenagem de Maceió. Sua preservação e revitalização são fundamentais para reduzir as enchentes e deslizamentos. No entanto, o “Renasce Salgadinho” não resolve o problema, e a impermeabilização do leito com concreto é um erro.
As enchentes em Alagoas não são eventos isolados, mas sim o resultado da falta de planejamento urbano e de infraestrutura eficiente.
E, no final, os gestores preferem CULPAR O POVO nas redes sociais.
*É arquiteto, urbanista, gestor público e professor da Ufal