27 de outubro de 2020 8:28 por Eliana Sá Angelo
Na esfera institucional, sair da pandemia da Covid-19 tem sido mais atribulado do que se podia imaginar. Foram vários programas e orçamentos em stand by, que precisam ser executados e o tempo é implacável. O ano termina em 31 de dezembro de 2020, com ou sem pandemia.
O momento é propício, então, hoje vou me ater ao que pode ser uma oportunidade de fazer com que a tecnologia e a inovação estejam no alto da lista de prioridades – como vetor de desenvolvimento – de quem poderá influenciar os destinos da nossa cidade: candidatos à prefeitura e à câmara de vereadores de Maceió.
Antes de seguir com a realidade local, convém lembrar que a inovação tem inúmeras faces. O quadro abaixo desenha essas múltiplas dimensões e nos localiza em relação ao que pretendemos enfocar.
Múltiplas Dimensões da Inovação
Pela sua tipologia, o ato de rearranjar recursos de maneira inusitada, ou seja, a inovação, pode se dar no próprio produto ou no processo de produção ou, ainda, no modelo como a empresa se organiza e como se relaciona com o mercado.
Quanto mais danos a inovação causar ao padrão de produção vigente (ver destruição criativa, de Schumpeter), maior será o seu impacto. Nesse sentido, observa-se que a inovação pode ser incremental, significando apenas uma alteração em algo que já existe, desde que amplie a inserção competitiva da empresa (não vá confundir com melhoria contínua!).
A inovação pode ser também algo radicalmente novo, fazendo nascer na sociedade um desejo de consumir algo que não existia há pouco tempo atrás, ou seja, criou-se um novo mercado para um novo produto. É o conceito de inovação radical, que compreende o surgimento de novos conhecimentos que se transformam em ideias, produtos ou serviços completamente novos.
A inovação disruptiva, por sua vez, transforma a indústria no segmento em que surge rompendo com o padrão produtivo praticado até então, porém, inovando em mercados já criados, muitas vezes alimentados com produtos que não atendem em 100% as necessidades dos clientes. Assim, para alguns especialistas, a diferença entre ambas está no mercado: enquanto a inovação radical cria novos mercados para novos produtos a inovação disruptiva acontece em mercados já existentes e quebram paradigmas de produção.
No livro A Estratégia do Oceano Azul, Kim e Mauborgne, trabalham sob a perspectiva de que quanto mais radical for a inovação, mais irrelevante se torna a concorrência, em face a exclusividade do produto.
Já a inovação imitativa é tida pelo Linsu Kim, um dos um dos pioneiros na análise do processo de aprendizagem tecnológico da Coréia do Sul, como sendo a difusão da inovação.
ATENÇÃO! Inovação e tecnologia não sinônimos. A inovação trata de soluções inéditas com penetração no mercado, isto é, aceitas pela sociedade. Dessa forma, ações de marketing e novidades organizacionais, em geral, são consideradas inovações não tecnológicas, por não estarem amparadas na exploração de uma nova tecnologia[1].
Por outro lado, tecnologia também pode ser social. Um exemplo de inovação não tecnológica amplamente difundido e premiado pela Finep, foi o projeto “Saúde, que vem da Terra”, da Escola Benjamin Felisberto da Silva, na comunidade de Gruta D’água, Zona Rural de Arapiraca, que, com a parceria de técnicos agrícolas, da vigilância sanitária, de farmacêutica e de pediatras resgatou a cultura das plantas medicinais ao implantar uma “farmácia viva” para resolver problemas de dores de cabeça, cólicas, diarreias, febre, tosse, gripe e piolhos que refletiam na saúde dos alunos e também na frequência e no rendimento.
A difusão da inovação ocorre em dois níveis: macro, com impacto global; e micro, com reflexos no âmbito da empresa (firma). Quanto aos modelos, a inovação pode ser aberta e colaborativa ou seguir um modelo fechado, mais tradicional, em que todo o processo de pesquisa e desenvolvimento de novos produtos fica internalizado nos muros da empresa, que busca inovar utilizando recursos próprios. O modelo aberto, consagrado por Henri Chesbrough, entende que reunir todos os recursos necessários para desenvolver soluções inovadoras de forma individual é difícil e caro e, portanto, a open innovation propõe um trabalho colaborativo, envolvendo empresas, instituições de pesquisa e de conhecimento e demais instituições de um sistema de inovação.
Conceitos apresentados, volto a questão local. O que se espera do executivo e do legislativo, na área de inovação e tecnologia?
Há alguns dias recebi a incumbência de juntar algumas ideias de propostas para apresentar aos candidatos, refletindo o pensamento dos atores que compõem o ecossistema de inovação de Maceió, denominado Sururu Valley.
A primeira ideia que o documento enfatiza é a de que o poder executivo local, à despeito de suas mil e uma atribuições, está inserido nesse ecossistema local de inovação [ 2 ] e, como tal, precisa estar efetivamente comprometido com o seu fortalecimento.
Espera-se que prefeito e vereadores eleitos coloquem a ciência, a tecnologia e a inovação (CTI) entre as suas prioridades, compreendendo esses temas como transversais, a partir dos quais é possível melhorar os principais indicadores (educação, saúde, habitação, etc.), e promover o desenvolvimento local.
Política de Ciência, Tecnologia e Inovação (CTI)
A criação e a revisão constante da política de CTI assim como a continuidade das ações assertivas já implementadas são condições precípuas para que a cidade evolua e se aproprie das tecnologias que facilitam o acesso da população a serviços e informações e que aumentam sua qualidade de vida. A consolidação do, finalmente criado, Conselho Municipal de CTI como instância de articulação e conexão com instituições de ensino superior (IES), institutos de ciência e tecnologia (ICT), setor produtivo e o ecossistema local de inovação favorece as ações da Prefeitura nessa área e pode ser mantida como um catalizador das ações públicas municipais na área.
A política de CTI do município de Maceió não pode prescindir, principalmente, de dispositivos de promoção da cultura de inovação como um dos principais valores da gestão municipal; de incentivos a empresas inovadoras de base tecnológica; e de estímulo a transformação digital para empresas de Maceió. Sob pena de perdermos competitividade em nível regional e global, isto é, menos empregos, menos renda, menos impostos.
O empreendedorismo inovador, assim como sua infraestrutura de apoio devem ser fortalecidos com parcerias e/ou atração de incubadoras e aceleradoras, centros tecnológicos. É importante também que crie ações de disseminação e estímulo à propriedade intelectual junto às empresas.
Ampliação dos canais de participação da sociedade nas decisões e na construção da política municipal de CTI é uma opção que visa envolver os vários atores da sociedade nas questões inerentes ao tema, dando representatividade às soluções encontradas. É um caminho que deve ser perseguido.
Lei da Inovação
O arcabouço legal é fundamental. Sugere-se que os eleitos contribuam para a criação de um ambiente legal que garanta a segurança jurídica na aquisição de soluções inovadoras, sejam produtos ou processos e para a disseminação das oportunidades de inovação geradas pela legislação municipal vigente (Lei de Inovação de Maceió – n° 6.902/2019).
Uma especial atenção deve ser dada para a sensibilização dos órgãos municipais de controle para o correto entendimento na interpretação da lei, que tem como base as legislações federal e estadual e constitui-se em importante instrumento de geração e aquisição de inovações que promovem o bem-estar do cidadão.
Infraestrutura e Financiamento
Ambientes favoráveis aguçam a criatividade e a inovação. O Vale do Silício ainda é um bom exemplo de como a conjuntura local convergiu para o surgimento de empresas altamente inovador. O Centro de Inovação do Polo Tecnológico, famoso Polo de TI de Alagoas, já passou da hora de ser inaugurado. É importante que a Prefeitura de Maceió seja parceira e principal parte interessada nesse projeto. A infraestrutura não é tudo, mas ajuda a concentrar atores, eventos, informações e facilita o surgimento de parcerias e a geração de negócios.
Seguindo a mesma lógica, a Prefeitura não pode se eximir de prestar apoio à criação de ambientes especializados e cooperativos de inovação e nem aos eventos de tecnologia, inovação e empreendedorismo.
A infraestrutura digital da cidade e da própria prefeitura precisa ser redimensionada, analisada e rearranjada buscando eficientizar a prestação do atendimento à população. Não esquecendo a capacitação dos servidores para a nova realidade digital que se apresenta.
Lembrai-vos! A inovação é o principal elemento indutor de desenvolvimento para países, regiões, cidades e empresas. Por isso, programas e recursos são canalizados para ações nessa área. Uma equipe focada em monitorar instituições de fomento é uma boa ideia para que se possa captar recursos junto a organismos nacionais e internacionais que possibilitem lançar editais de apoio ao desenvolvimento de produtos e processos inovadores, seja para a gestão municipal ou para o mercado.
Prefeitura + inovadora
Surge termos uma Prefeitura mais inovadora e ágil, com a digitalização da prestação de serviços públicos municipais, com o incentivo ao servidor público na criação de soluções para os problemas urbanos e na prática do intraempreendedorismo.
A criação de programas de mentoria que possibilitem a imersão do empreendedor no cotidiano da gestão municipal estimulando a criação de soluções para os gargalos identificados, a criação de govtechs, a disseminação da cultura da experiência do usuário e o desenvolvimento de excelência no atendimento são ações que precisam ser implementadas.
Transformação Digital
A transformação digital extrapola a digitalização das informações e a incorporação das ultramodernas tecnologias advindas da 4ª Revolução Industrial. É um fenômeno cultural. Portanto, mais que saber que essas tecnologias e sua prática existem, elas precisam estar incorporadas ao dia-a-dia das pessoas para fazerem sentido enquanto transformação. Assim, é urgente implantar, disseminar, praticar e estimular a inserção das tecnologias habilitadoras da transformação digital na prefeitura e na cidade.
A transformação digital é irreversível. Cabe a nós descobrir como utilizá-la da melhor forma e reduzir seus impactos negativos. Como diz Klaus Schwab, no seu livro A Quarta Revolução Industrial (2016), “Faz parte da nossa responsabilidade garantir que estabeleçamos um conjunto de valores comuns que norteiam escolhas políticas” transformando esse novo normal em oportunidade.
Educação empreendedora
Nesse campo é válido sugerir que as escolas municipais tenham em seus currículos os programas de inserção e ampliação da cultura do empreendedorismo e da inovação, por meio de mecanismos como os espaços maker e fab labs, estimulando a curiosidade dos alunos para a ciência, para a criação de soluções inovadoras e para o exercício do pensamento crítico e analítico.
É recorrente que as novidades criem resistências, medo e incertezas. Mas a forma como são utilizadas é que definem os reflexos positivos ou negativos que causam na sociedade.
#tecnologiaeinovaçãoparaobem
[1] Tecnologia: é o conjunto de princípios, métodos, instrumentos e processos cientificamente determinados que se aplica especialmente à atividade industrial, com vistas à produção de bens mais eficientes e mais baratos. O conceito de tecnologia engloba, portanto, todas as técnicas e seu estudo. É a aplicação das descobertas da ciência aos objetivos da vida prática. Fonte: ROCHA, Ivan. Ciência, tecnologia e inovação: conceitos básicos. PACT/NE (Programa de Articulação e Capacitação Tecnológica para o Nordeste, ABIPTI/CNPq/SEBRAE, 1996. 102 p.
[ 2 ] Ecossistema de inovação: sistema dinâmico, formado por pessoas e instituições interconectadas, fundamentais para estimular o desenvolvimento tecnológico e econômico, envolvendo um conjunto de atores da indústria, academia, associações, órgãos econômicos, científicos e do governo em todos os níveis (Wang, 2010).
Eliana Sá (Professora e palestrante, especialista em Gestão da Inovação e Indústria 4.0)
REFERÊNCIAS:
GARCIA, Rosanna; CALANTONE, Roger. A critical look at technological innovation typology and innovativeness terminology: a literature review. Journal of product innovation management, v. 19, n. 2, p. 110-132, 2002.
SCHWAB, Klaus. A quarta revolução industrial. São Paulo: Edipro, 2016.
ORGANIZAÇÃO PARA A COOPERAÇÃO E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO (OCDE). Manual de Oslo: proposta de diretrizes para coleta e interpretação de dados sobre inovação tecnológica. São Paulo: FINEP. 2004. p. 136.
WANG, J. F. Framework for university-industry cooperation innovation ecosystem: factors and countermeasure. In: Challenges in Environmental Science and Computer Engineering (CESCE), 2010 International Conference. IEEE, 2010. p. 303-306