sexta-feira 26 de abril de 2024

Zélia Maia Nobre: falas há 35 anos sobre Maceió que continuam atuais

Arquiteta nos deixou na terça-feira, mas, seu legado e suas ideias permanecem
Zélia Maia Nobre (destaque) faleceu na terça, aos 95 anos | Arquivo

A arquiteta e urbanista Zélia Maia Nobre (1929-2023) faleceu na terça-feira (23), aos 95 anos, em Maceió-AL. Ela era pernambucana de Nazaré da Mata. Foi casada com o engenheiro alagoano Vinicius Maia Nobre. Em 1950, ingressou na Faculdade de Belas Artes de Recife, cursou Arquitetura e Urbanismo, sendo a única mulher em uma turma de 60 homens, se forma em 1954.

A professora Zélia Maia Nobre se destacou como profissional e acadêmica e foi quem fundou o primeiro curso de Arquitetura do estado de Alagoas. Em 2019, a Universidade Federal de Alagoas (Ufal) lhe conferiu o título de Doutora Honoris Causa.

Deixa como legado um conjunto de obras que marcaram a cidade de Maceió, como o Alagoas Iate Clube (Alagoinhas), a Residência Universitária da Ufal (RUA) e o Parque Hotel.

Em seus projetos, utilizou os pilares do movimento moderno e influências de Oscar Niemeyer e Le Corbusier, sem deixar de lado características nordestinas como cobogós e o uso de azulejos.

As suas obras físicas ficaram conhecidas pelo grande público, mas, o reconhecimento como docente que formou gerações de arquitetos e urbanistas completa o conjunto da sua obra que a imortaliza.

Alagoinhas, uma de suas obras

O trabalho pioneiro da professora Zélia, mais uma vez, é destacado pelo arquiteto e jornalista Ênio Lins, ao lembrar a “revalorização de Jaraguá como núcleo urbano histórico de Maceió, assim como o início do trabalho de tombamento das cidades de Marechal Deodoro e Penedo – que conquistaram, ao fim e ao cabo, reconhecimento nacional”.

Há 35 anos, a ilustre professora, em entrevista ao jornalista Mário Lima, da revista Última Palavra (6/5/1988), publicação semanal que não existe mais, tratou de questões fundamentais para a cidade de Maceió, bem como fez previsões. Passadas mais de três décadas, os problemas pontuados por Zélia Maia Nobre são, infelizmente, atuais e, em muitos aspectos, houve uma piora considerável.

Em reverência à memória e à sua dedicação na defesa da preservação da memória e do patrimônio histórico de Maceió, escolhemos algumas passagens da entrevista que permanecem atualíssimas.

A arquiteta Zélia Maia Nobre

O que disse Zélia Maia Nobre em 1988: 

Maceió já teve a agradável denominação de “Cidade Sorriso“, “Terra dos Marechais”, mais antigamente. Hoje, caso se fosse procurar um título adequado para nossa capital, talvez o nome da peça teatral do Nelson Rodrigues — “Bonitinha, mas Ordinária” — fosse a definição exata para nossa sofrida cidade.

“a cidade está andando para trás, como caranguejo”. E não precisa ir muito longe para saber porquê. E só dar uma volta no quarteirão para se notar a sujeira, escuridão, o descaso, a violência e a depredação da memória arquitetônica e geográfica, entre outras coisas.

Mas, se o cidadão comum vê e lamenta estes aspectos negativos, o que dizem os arquitetos, engenheiros e as pessoas ligadas mais diretamente com a imagem da cidade? Reclamam. denunciam, lamentam… mas, de quase nada serve. Infelizmente, para todos nós.

Se antes existia uma onírica visão de barcos coloridos nas águas despoluídas da orla marítima da Pajuçara, hoje o que temos? Praia suja, coliformes fecais. Se antes existiam os banhos naturais, como o Catolé ou Bica da Pedra, hoje tudo isso acabou ou virou privilégio de poucos. Se antes eram áreas verdes e ruas arborizadas, hoje é desolação só, destruição, depredação generalizada de tudo: desde o barro arrancado das barreiras do Jacintinho até a penhora de todos os bens do Teatro Deodoro.

Salgema Indústrias Químicas

É nesta fase que é implantada a Salgema, se dá início ao Polo Cloroquímico, que juntamente com o êxodo rural e o turismo, agrava a crise, tanto de habitação, de alimentação, de saneamento, enfim, uma infraestrutura deficitária. Maceió não estava preparada para isto. A crise-alimentação, habitação etc. se torna acentuada e hoje o custo de vida é um dos mais altos do país. A administração pública não acompanha o ritmo desse crescimento. E em breve, um problema que decerto surgirá com a conclusão bem próxima do Shopping Center Iguatemi, que a meu ver, só com a criação de um anel viário interligado ao sistema básico Maceió, será a solução. E isto demanda recursos e tempo“.

saída vai depender de uma melhor distribuição urbana, das tendências naturais que devem estar diagnosticadas no Plano Diretor, com infraestrutura adequada. A escolha da implantação do local da Salgema e início do Polo Cloroquímico de Alagoas, não foi a melhor e a mais feliz, por ser uma restinga. Espaço por demais pródigo em belezas naturais, serviria para o desenvolvimento do próprio turismo, e ainda para lazer dos alagoanos. Além de ser uma indústria em que poderá ocorrer riscos de vida para a população de um dos bairros mais antigos e com muito valor cultural, o Pontal. A solução deve ser o Salgema ser transferido para a mesma área do Polo onde já existem outras indústrias.

Plano Diretor

A falta de um planejamento urbano e de uma política conjuntural contribuíram muito para os efeitos desordenados e desumanos que se notam em Maceió atualmente. A ideia de planejamento entendo como um processo voltado para uma conscientização da preservação de nosso Patrimônio Cultural (de nossa história e do meio ambiente). Aqui a ideia de conhecimento está desvinculada do passado associada a imagens, símbolos, influências estrangeiras. Assim, estamos contribuindo também para a desintegração física, econômica e social. Tudo isto se agrava pela falta de aprovação de um plano diretor que desse o diagnóstico e tendências naturais quanto às zonas para lazer, saúde, educação, comércio, indústria e as vias de circulação. A falta de um plano diretor considero um verdadeiro desastre capaz de acelerar o que se vê de pior entre nós: todos os valores sociais e físicos são mutilados. E pior que um plano diretor ruim é não ter nenhum plano diretor.

A meu ver, se não houver uma interferência política para o desenvolvimento de Maceió, obedecendo a normas estabelecidas pelo Plano Diretor, acredito na falência da cidade, na desintegração econômico-social. Remediar os erros cometidos e acumulados na urbe é possível, através de um esforço conjunto participativo de todos os segmentos da sociedade.

Isto depende do estudo das diversas zonas que devam estar contidas no Plano Diretor. Por exemplo, numa zona que possua edifícios com valores culturais, as novas construções jamais deveriam ultrapassar o gabarito das antigas, para que não apaguem a Memória ainda existente. Caso da construção do prédio da Secretaria da Fazenda, que foi implantado destruindo a volumetria do sítio histórico da Praça Marechal Floriano Peixoto (Martírios).

Orla Marítima

A meu ver foi uma maneira imposta, o projeto de reforma da orla marítima. Foi um investimento supérfluo. Parte da riqueza que existia era a própria paisagem natural, sem precisar sua provocação para criar espaços. Dessa forma, motivou um adensamento mais acelerado sem infraestrutura, com saneamento iniciado e não concluído… e outros problemas.

Preservação e Qualidade de Vida

Falar sobre o que deveria ser preservado é por demais vasto porque não só o próprio sítio e seus casarios, suas praças, foram, por interferência de imigrantes e ações externas, grande parte destruídas em desrespeito ao patrimônio cultural e meio ambiente. Exemplo? O conjunto de Jaraguá, (parte) Bebedouro, Trapiche da Barra, o Centro (primeiro núcleo), nossas praças, falta de preservação de nossas barreiras. A vegetação dos sítios de Bebedouro, Tabuleiro, etc.

Quanto à qualidade de vida, existe para mim um verdadeiro contraste. Poucos são aqueles que têm o poder econômico e condições necessárias de saúde, lazer, educação, transporte, etc. Os conjuntos da periferia estão isolados, longe do conforto, lazer, praias com dificuldades de transporte, educação, como também a própria convivência com seus antigos vizinhos, quer sejam da cidade ou da zona rural de onde se originaram.

Não tocaria nos elementos que constituíram a formação dos primitivos núcleos: Jaraguá, edifícios das antigas ruas do centro, praças, áreas como praça D. Pedro II, Martírios, Deodoro, como também a preservação da natureza, a lagoa, as barreiras, os coqueirais da orla marítima, enfim preservaria tudo aquilo que para todo alagoano constitui seu patrimônio histórico e ambiental. Não esquecendo os costumes, as danças populares, que são umas danças riquíssimas, em relação ao que conheço no Brasil e fora dele.

Mais lidas

CPI da Braskem tem 35 dias para concluir investigação, que inclui visita aos bairros destruídos

Com o objetivo de investigar a responsabilidade jurídica e socioambiental da mineradora Braskem no

Sem declarar IR cidadão não pode sequer receber prêmio de loteria que, acumulada, hoje sorteia

O prazo para entrega da Declaração do Imposto de Renda Pessoa Física (DIRPF) em

Risco de morte após a febre chikungunya continua por até 84 dias, diz Fiocruz

Em meio à epidemia de dengue e ao aumento de casos por febre chikungunya, um

Saúde volta a alertar alagoanos sobre medidas de prevenção contra a dengue

A Secretaria de Estado de Alagoas (Sesau) volta a alertar a população alagoana sobre

PF indicia filho de Bolsonaro por falsidade ideológica e lavagem de dinheiro

A Polícia Federal em Brasília indiciou Jair Renan Bolsonaro, filho do ex-presidente Bolsonaro, pelos

FAEC anuncia calendário anual de eventos esportivos para o público escolar

A Federação Alagoana de Esportes Colegiais (FAEC) anunciou o calendário anual de eventos para

Bar do Doquinha: o lar enluarado da boemia

Por Stanley de Carvalho* Há 60 anos, quando os portões de Brasília começaram a

Seduc anuncia processo seletivo para a Educação Especial

A Secretaria de Estado da Educação (Seduc) divulgou no último dia 6, no Suplemento

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *