quarta-feira 27 de novembro de 2024

O Sobrado do Camocho

Camocho é expressão da gíria lusitana, quer dizer “tostão”.

7 de janeiro de 2022 9:38 por Braulio Leite Junior

Existe um velho sobradão na Rua Dois de Dezembro que possui história singular. Diante dele, há de pensar o transeunte apressado desprendido dos fatos do nosso passado- já deviam ter posto abaixo essa velharia! Podia estar aí moderno edifício de dez ou doze andares.

Não se espantem. Não exageramos. Aqui, como em outras cidades do país, move o brasileiro comum a mania de destruir os vestígios do passado, aquilo que o turista estrangeiro tanto busca como testemunhos de uma idade anterior. O antigo sobrado do Camocho é um exemplo.

Camocho é expressão da gíria lusitana, quer dizer “tostão”. Por que tostão para nomear o prédio mais importante de Maceió na época? E verdade que o tostão já teve vários valores, foi até moeda de ouro no tempo de Dom Manuel I. No seu curioso e fundamentado estudo sobre “Os Mendonças (Tradição e Nobreza)”, publicado na Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas, Vol. XXXVII, 1981, J.P. Góes relembra o episódio em torno do Camocho, onde residia Lourenço Cavalcante de Albuquerque Maranhão, Comendador das Ordens de Cristo e da Rosa, futuro Barão de Atalaia, por decreto imperial de 19 de fevereiro de 1858.

Vicejava ferrenha inimizade entre as famílias Mendonça e Sinimbu, figura portanto mal vista pelos Mendonça. Do seu sobradão tinha o Comendador magnifica visão do mar. Vai daí – e vamos citar J.P. Góes – pouco adiante o seu palacete particular, isto mais ou menos em 1840. É o edifício conhecido como Palácio Velho, do qual já foi derrubada uma parte (a que dava para a entrada da Rua do Comércio, defronte ao Hotel Bela Vista). Resta entretanto a parte que dá para a Praça da Catedral. E este edifício o Barão de Jaraguá o construiu mais alto, mais vasto que o do Barão de Atalaia, para que este perdesse a vista que desfrutava de sua residência. O sobrado do Camocho foi, muito tempo depois sede do Telégrafo Nacional. Na época em que construiu o seu palacete “ por pirraça” para mostrar grandeza e toldar a visão do Comendador Lourenço Cavalcante Albuquerque Maranhão, não fora ainda o coronel Comendador José Antônio de Mendonça feito Barão de Jaraguá, honraria do Império conseguida anos depois de haver estado em Maceió, hospedado no seu vasto sobradão, o Imperador D. Pedro II com a Imperatriz D.Tereza Cristina para a inauguração da Catedral, em dezembro de 1859. Assim como a usina engoliu o banguê, recordando J. P. Góes no seu estudo dos versos de Jorge de Lima:

“Ah! Usina, você engoliu os bangüezinhos do país das Alagoas.”

Assim também estão hoje os novos edifícios de concreto a tomar a vista de nossos antigos e raros sobrados, memória do passado, teimosa memória que luta contra a inconsciência e o despreparo das novas gerações. Conservem Camocho, por favor.

(*) Texto de Bráulio Leite Júnior publicado no livro História de Maceió, Edição Catavento, 2000.

 

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