13 de julho de 2022 12:46 por Mácleim Carneiro
As novidades quase nunca estimulam qualquer tipo de sofreguidão em mim. Até porque, entendo que a verdadeira novidade está naquilo que não envelhece, apesar do tempo. Portanto, careço da maturação pela compreensão e busco na reflexão a via capaz de validar ou não, o que ouço e vejo. Evidentemente, tal premissa nunca será inteiramente cartesiana. Aliás, suponho ter mais a ver com o amadurecimento cronológico e o eterno aprendizado que o tempo nos faculta. Pois bem, inserido no contexto dessas possibilidades, pela primeira vez, há cerca de dois anos, ouvi o álbum ‘O Time da Mooca’ e tomei conhecimento do seu criador e artífice arapiraquense, o jovem e talentoso Ítallo França.
Recentemente, ao assistir a uma entrevista feita no canal Alagoas Musical, Ítallo França despertou a minha curiosidade em fazer uma nova audição e revisitar ‘O Time da Mooca’, lançado em 2020. Então, aqui estamos para revelar que o inequívoco foi confirmado: as coisas têm seu tempo certo para acontecer e vêm na hora certa, para quem sabe esperar. É o caso da fruição artística, pautada pelo respeito à obra e seu autor, e o distanciamento crítico atento aos reclames da emoção. Foi assim, com essas breves considerações, que parei para ouvir o interessantíssimo álbum ‘O Time da Mooca’.
Memória Afetiva
Gostaria de ressaltar o quanto intrigante me pareceu o seu título, uma vez que nos remete, como referência primeira, ao tradicional distrito na Zona Leste de São Paulo, conhecido pelos imigrantes italianos e pelo Clube Atlético Juventus, o time da Mooca. Porém, na verdade, Ítallo França aludi e homenageia à Rua Marinete (conhecida como Rua da Mooca) e suas personagens, que povoaram a infância do compositor e são revisitadas por ele e podem ser encontradas no bairro São Luís II, na periferia de Arapiraca.
Dito isso, como se fora um mapa de um tesouro existente a ser revelado, Ítallo começa a nos guiar em um tour pela sua memória afetiva, iniciando justamente pela entrada principal. Assim, nada mais convidativo do que a ‘Rua Marinete’ (Ítallo França), um tema instrumental, que abre o álbum como a estender o tapete em uma quermesse profana, onde não poderia faltar a bandinha de pífanos. No caso, a Banda de Pífanos São José. Sem dúvida, um bom e criativo começo, capaz de despertar curiosidades sobre o que virá a seguir. Aliás, tem alguns compassos, antes da entrada da banda de pífanos, onde um fraseado de guitarra faz uma citação melódica de algo tão mixolidiamente nordestino, que habita o nosso inconsciente intuitivamente.
Pegadinhas
‘Zuada e Zuera’ (Ítallo França) é uma espécie de mantra, que gira em torno de uma célula só, tanto melódica quanto verbal. Contrabaixo, percussão e um piano fender dão conta do recado. Porém, a grande sacação é a pegadinha, que faz de conta que a música chegou ao fim, mas volta ao mesmo mantra, inesperadamente. Já em ‘O Time da Mooca’ (Ítallo França), que dá título ao álbum, temos um recado parco, de apenas 02:18 minutos, mas com tempo suficiente para passar, funkeadamente, a escalação do time todo. De maneira personalística, Ítallo França, a partir daí, define o perfil conceitual desse trabalho que, na sequência, traz ‘Breno’ (Ítallo França), onde, novamente, acontece o minimalismo melódico e harmônico, econômico por natureza conceitual e personalístico ao citar figuras genealógicas na construção da letra: “Breno, filho do Beto, Neto da Dona Nair…”
‘Duas Ximbras’ (Filipe Cena) é a única que não tem a assinatura de Itálllo França e é apenas uma vinheta, quase de passagem, porém, é uma bossinha que deixa uma queixa: por que foi tão fugaz? ‘Orlando Golada’ (Ítallo França) talvez explique a brevidade da faixa anterior, posto que é um samba a lá ‘Aquele Abraço’, do Gil. Aliás, Ítallo faz a citação “esse samba vai …” O fato é que a história cantada, sobre o Orlando Golada, é deliciosamente entretenitiva e perfeita para o conceito personalístico desse trabalho.
Tônicas e Divisões
‘Camisa do Flamengo’ (Ítallo França) traz de volta o futebol como linha condutora e permeante do álbum. Na altura de um minuto e pouco, sai de um sambinha dolente, basicamente com violão e tamborim, para um frevinho a lá Moraes Moreira, muitíssimo bem fraseado por um piano elétrico, capaz de nos remeter às charangas de torcidas de futebol. O interessante é que Ítallo França começa cantando a tônica da palavra ‘janela’ díspar do que seria o correto, porém, parece ser proposital, visto que depois consegue encaixar perfeitamente, em compassos resumidíssimos, frases extensas à métrica, como: “descer como avalanche no gol”, ou “de lá de Arapiraca dá para ouvir o torcedor”, com bastante precisão na divisão e nas tônicas corretamente colocadas. Eis mais uma das pegadinhas do compositor, que tornam esse trabalho repleto de curiosidades instigantes
‘Zé Vigia’ (Ítallo França) dá sequência aos pontos corridos e nela Ítallo França tenta emular um coco de embolada, cuja introdução tem os pifes, com suas afinações características, entregando para o pandeiro e, a partir daí, só a ele caberá a contribuição rítmica dessa faixa. ‘Thiago, o Meu Irmão Mais Velho’ (Ítallo França) é uma dolente e bela toada-canção, onde o acordeon de Noaldo Campos pontua o tempo todo, alinhavando e tecendo a emoção nostálgica das lembranças do compositor. Nela, Ítallo França ratifica o quanto é imagética a sua poesia.
‘Hino Oficial da Mooca’ (Ítallo França) encerra o álbum com uma atmosfera de quarta-feira de cinzas, como se a banda saísse pela Rua Marinete tocando uma marcha-rancho, numa despedida mágica que, aos primeiros raios de sol, testemunha outra realidade. O contrabaixo de Alexandro Cardoso assume a função de uma tuba, na companhia de uma caixa de frevo, para o que Ítallo França propõe ser um até breve ao fruidor, com “bandeiras, celulares e cartolinas”, anunciando que temos vida e música inteligentes no Time da Mooca!
SERVIÇO
O Time da Mooca, Ítallo França
Plataformas digitais: Apple Music, Spotify, Deezer, YouTube…
Plataforma física: Em CD, pelo contato itallofranca@gmail.com
Preço: R$ 10,00
No +, MÚSICABOAEMSUAVIDA!!!
