2 de abril de 2023 2:39 por Da Redação
O golpe civil-militar de 1º de abril de 1964 atingiu a todos − parlamentares, juízes, ministros, religiosos, advogados, operários, trabalhadores rurais, portuários. Em Alagoas a antiga Cadeia Pública “hospedou” centenas de patriotas, homens e mulheres. As prisões, as cassações de mandatos parlamentares, a suspensão dos direitos políticos e as torturas tiveram início nas primeiras horas daquele dia e se seguiram por 21 anos (1964-1985).
O semanário A Voz do Povo, fundado no dia 1º de maio de 1946, nas primeiras horas da manhã do dia 1º de abril de 1964 foi saqueado e destruído pelos delegados Rubens Quintela e Albérico Barros, entre outros policiais.
A ordem foi dada pelo governador Luiz Cavalcante, chefe do golpe civil-militar em Alagoas. Os jornalistas, gráficos e diretores foram presos na Cadeia Pública de Maceió. Ao tomar conhecimento do saque e das prisões, colaboradores do semanário procuraram se esconder e foram viver na clandestinidade. É o caso de Silvio Lira, secretário de organização do PCB e diretor do semanário comunista.
O diretor-responsável, jornalista Jayme Amorim de Miranda, foi preso ainda pela manhã, sendo conduzido à penitenciária de Maceió. A polícia continuou a busca dos membros da redação, da administração e colaboradores. A Polinter prendeu Valter Amorim Pedrosa, Dirceu Accioly Lindoso, José Alípio Vieira Pinto, Dalmo Lins, jornalistas e colaboradores do jornal, e a proprietária do imóvel onde funcionava o semanário, Maria Augusta de Miranda (Marinete, como era conhecida) e seu irmão, o comerciante Péricles de Araújo Neves, ambos dirigentes históricos do PCB.
O vereador por Maceió, Nilson Miranda, editor de A Voz do Povo, vinha sendo perseguido e hostilizado pela sua atuação parlamentar. Desde o dia 30 de março não aparecia em público, passando no dia 1º de abril a viver na clandestinidade.
O ex-operário têxtil Sílvio da Rocha Lira, secretario de organização do PCB em Alagoas, passou a ser procurado pela polícia. Escapou da prisão escondendo-se no Tabuleiro do Martins. Entrou também na clandestinidade, inicialmente em Maceió; sentindo-se inseguro, sai de Alagoas, indo atuar no PCB em Pernambuco, e posteriormente em São Paulo, na organização do partido.
O historiador Moacir Medeiros de Sant’Ana, dotado do arguto senso de pesquisador, salvou as poucas, porém significativas coleções de A Voz do Povo. Esse gesto inegavelmente contribuiu para que nesse momento estivéssemos tratando da existência de pouco mais de uma centena de jornais. Não devemos associar o gesto do historiador ao salvar a coleção a qualquer simpatia com o ideário do PCB e do seu porta-voz, A Voz do Povo.
Precárias eram as condições em que esteve acondicionada a coleção de A Voz do Povo, na hemeroteca do Arquivo Público de Alagoas, dirigido por mais de quarenta anos por Moacir Medeiros de Sant’Ana. A atitude pouco convencional para se preservar documentos de valor histórico nem sempre ocorreu pelas vias normais. Felizmente, assim aconteceu com o semanário dos comunistas de Alagoas, como declarou o historiador:
“(…) o general Bittencourt esteve aqui em Alagoas como secretário de Segurança e me convidou para que eu fosse até a Secretaria. Me lembro bem: diante dele, estava o José Fernandes Maya Pedrosa, que é coronel do Exército. O general perguntou ao coronel:
– Você conhece o Dr. Moacir?
− Conheço, ele é oficial da Reserva.
− Oh, oficial da Reserva? Ah, então vai ficar aqui comigo, na minha equipe.E foi ai que fiquei como assessor do general Bittencourt naquele período do Luiz Cavalcante. (…) Foi depois de abril de 64. Demorei muito tempo trabalhando com o general Bittencourt. Então, resolvi carregar (a coleção de A Voz do Povo). Não pedi, não. E se eu pedisse, eles não dariam e terminariam dando fim. Aí, tranquilamente, ‘amaciei’ o Rivoredo e, realmente, a tirei de lá e levei-a para casa. Morava bem pertinho. Aliás, mandavam me levar em casa de carro” .
O mais antigo jornal popular de Alagoas, A Voz do Povo, foi destruído pelos golpistas depois de sobreviver durante dezoito anos − de 1946 a 1964 − a inúmeros empastelamentos e invasões policiais nos governos de Silvestre Péricles de Góis Monteiro e Arnon de Mello. O semanário foi fechado e nunca mais voltou a ser publicado, a não ser em algumas poucas edições comemorativas na década de 1980.