sábado 23 de novembro de 2024

Crianças reproduzem a violência do tráfico em casa de adoção da Prefeitura de Maceió

4 de maio de 2020 5:56 por Thania Valença

https://www.youtube.com/watch?v=SVj8w6fd6TQ

Uma das unidades gerenciadas pela Diretoria de Proteção Social Especial, da Secretaria Municipal de Assistência Social (Semas), a Casa de Adoção Rubens Colaço, localizada no bairro da Pitanguinha, recebe crianças de 0 a 7 anos, todas em situação de vulnerabilidade. Na creche, estão crianças tanto para adoção quanto aquelas tiradas da família por estarem sendo vítimas de violência, mas que poderão voltar ao lar de origem.

Mesmo sendo um serviço de acolhimento institucional mantido pela Prefeitura de Maceió, a Casa de Adoção não oferece condições necessárias para garantir que as crianças que ali chegam recebam um mínimo de assistência psicopedagógica para que, retornando ao lar de origem ou sendo adotadas, possam esquecer ou superar os maus-tratos sofridos.

Na verdade, as crianças estão à mercê de “cuidadoras” grosseiras, que as tratam com a mesma impaciência e falta de carinho que sofriam em casa. A denúncia é de moradores do entorno da Casa de Adoção, que acompanham o dia a dia das crianças, constantemente submetidas a gritos e palavras depreciativas.

“As crianças não recebem qualquer orientação, e são tratadas aos gritos, o tempo todo. Não há gestos de afeto”, relata a aposentada D. Lucy (nome fictício), residente próximo à creche.

Indignada com a realidade de meninos e meninas que choram chamando por suas mães, a aposentada fez alguns vídeos para apontar a falta de profissionais de educação que possam ajudá-las a enfrentar a situação adversa. “Vejam o tipo de brincadeira dessas crianças!!!”, exclama ela, observando que os meninos e meninas estão sem a supervisão de um adulto.

As crianças passam o dia brincando sozinhas na área externa da creche, instalada numa casa alugada. Nenhuma atividade lúdica é desenvolvida, reclama D. Lucy.

Meninos e meninas repetem, nas brincadeiras, o que vivem onde moram

Psicóloga Thereza Vieira condena teor da “brincadeira” | Arquivo Pessoal

As brincadeiras, lamentavelmente, são apenas a reprodução das situações de violência que presenciavam nas áreas de onde foram retiradas. Alguns vídeos, gravados por moradores do entorno, demonstram a inadequada vivência das crianças na creche Rubens Colaço. Os vídeos mostram um grupo de crianças brincando de “traficante e usuário de drogas”, numa reprodução daquilo que vêem na periferia de onde vieram.

A redação do 082noticias.com encaminhou os vídeos à psicóloga Thereza Vieira, que, além de psicanálise e psicologia organizacional tem formação em psicologia infantil, e à professora Luciana, que por ser da rede pública municipal preferiu não se identificar, para avaliação especializada.

Depois de analisar as imagens e os áudios (que são precários por conta da distância), elas afirmaram que está clara a prática de brincadeiras com conteúdos violentos. “Fica evidente a liderança de uma das crianças, que comanda as brincadeiras com práticas agressivas em relação às outras crianças, inclusive com chutes e tapas. E não se nota a presença de um adulto”, observa Thereza.

Para ela, o vídeo mostra que as crianças não têm acesso a brincadeiras coordenadas, orientadas de forma saudável, com conotação educativa, de aprendizagem. “O que se vê é o desperdício da disposição lúdica dessas crianças, um tempo que poderia estar sendo aproveitado para vivências saudáveis, para convívio de grupos. Vemos a perda da oportunidade de praticar cooperação, atitudes positivas frentes às diferenças, diante da situação em que cada um chega lá, de trabalhar a questão afetiva”, completa a psicóloga.

Falta a supervisão de um adulto, avalia professora

Avaliação semelhante faz a professora Luciana, que também assistiu aos vídeos. Para ela, o primeiro erro é as crianças estarem brincando sem a supervisão de um adulto. “O vídeo mostra que há uma criança sendo agredida, mesmo que seja numa brincadeira. Com a presença de um adulto não ocorreria esta agressão”, afirma, ressaltando que, até num momento de livre brincar, as crianças precisam ser acompanhadas.

Professora do Ensino Fundamental na rede pública, ela diz que, assim como as crianças do vídeo, nas escolas muitas costumam fazer brincadeiras do tipo “polícia/ladrão”, reproduzindo as relações que vivem em suas comunidades. “É chocante e doloroso”, lamenta Luciana.

A psicóloga Therezaa Vieira diz que o que se vê nos vídeos filmados na Creche Rubens Colaço é comum à maioria das instituições públicas que tratam de crianças em situação de vulnerabilidade.

“O que fazem é somente tirar as crianças do contexto em que vivem, de agressão, ou qualquer outra ordem, e está tudo resolvido. Como se só isso fosse salvá-las. Mas o conteúdo emocional continua com elas, tanto que fazem a reprodução do contexto de violência nas próprias brincadeiras”, analisa.

O que os vídeos mostram, acrescenta Vieira, “é a evidente ausência de uma programação psicopedagógica que vise o acolhimento, o equilíbrio emocional e os ganhos comportamentais e educativos das crianças retiradas de suas famílias”.

O que foi registrado retrata, fielmente, o abandono. “Ao contrário do que ocorre, nesse espaço e tempo desperdiçados, se poderia dar a essas crianças um mínimo de conforto, a reelaboração do sofrimento para que elas encontrem um mínimo de conforto durante o tempo que ficam ali”, disse ainda a psicóloga.

Casa de Adoção Rubens Colaço, em Maceió

Vídeos retratam abandono das crianças

Para ela, é necessário garantir às crianças da Creche Rubens Colaço a prática de atividades lúdicas, direcionadas, com planejamento, com incentivos psicomotores, que fazem diferença para o desenvolvimento infantil.

A Prefeitura de Maceió, responsável pela administração da creche, por meio da Secretaria Municipal de assistência Social, deveria garantir as condições de aproveitamento do conteúdo emocional que as crianças mostram – agressividade, comando de violência – para elaborar outra questão afetiva, de valores morais, de comportamento, educacional.

“Independente do problema que cada uma está trazendo, o mínimo pode ser trabalhado. Se estão num novo contexto, esse novo contexto precisar ser explorado positivamente, não reproduzindo o que viveram em casa. O que as fez sofrer, e as levou até ali. Infelizmente, as instituições continuam reproduzindo o mesmo sofrimento, sem nenhuma elaboração positiva de nada, sem nenhum ganho de aprendizagem. O que vemos nesses vídeos é abandono!”, finaliza Thereza Vieira.

A Diretoria de Proteção Social Especial da Semas informa que “coordena um conjunto de serviços, programas e projetos que têm por objetivo a reconstrução de vínculos familiares e comunitários, a defesa dos direitos, o fortalecimento das potencialidades e a proteção das famílias e indivíduos para o enfrentamento de situações de violação de direitos, assim como o atendimento a indivíduos que necessitam de cuidados especializados em decorrência de deficiência ou processo de envelhecimento”.

No tocante às crianças da creche Rubens Colaço, esse enunciado é pura falácia. Bem ao contrário do discurso da Prefeitura de Maceió, as crianças ali estão jogadas à mesma má sorte de seus pais.

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