sábado 23 de novembro de 2024

Monsenhor Alfredo Dâmaso: o padrinho, o santo – bem à frente do seu tempo (1)

10 de julho de 2020 8:46 por Redação

Monsenhor Alfredo Pinto Dâmaso. Nascido no Engenho Quadrado (hoje município de São Miguel dos Campos – AL) aos 25 de janeiro de 1881, foi ordenado sacerdote no dia 19 de novembro de 1905. Trabalhou em algumas paróquias da então Diocese de Maceió e foi, depois, transferido para Bom Conselho – PE. Sua atividade sacerdotal naquelas regiões foi marcada pelo zelo pastoral e pelo cuidado para com os pobres, dentre os quais, e notadamente, os índios Fulni-ôs, de Águas Belas, em Pernambuco, e os Xucuru-Kariris, de Alagoas. A finalidade do artigo é evidenciar o quanto ele antecipou, em algumas décadas, a “opção preferencial pelos pobres” assumida pelo episcopado latino-americano na Conferência do CELAM realizada em Puebla (México), em 1979. Em decorrência do seu engajamento político-pastoral recebeu dos ricos proprietários da região o irônico apelido de “bispo dos índios”. Faleceu aos 29 de junho de 1964, com 83 anos de idade, na cidade do Recife.

  1. Da história à memória

Quando pároco na Paróquia de Santa Rita em Boca da Mata, Alagoas, a cem quilômetros de Maceió, é que ouvi falar pela primeira vez no Monsenhor Alfredo Pinto Dâmaso. Lá reside grande parte de sua família. Região onde também o mesmo nasceu em 25 de janeiro de 1881.

Foi seminarista em Olinda, Pernambuco, onde foi ordenado padre no dia 19 de novembro de 1905. Trabalhou em algumas paróquias de Alagoas e Pernambuco e sempre demonstrou através de sua ação pastoral, uma vida dedicada aos pobres, chegando a falecer em 29 de junho de 1964, aos 83 anos de idade.

A sua história de vida sacerdotal se faz valer por si só, nas paróquias em que trabalhou tanto em Alagoas (Anadia), como em Pernambuco (Bom Conselho, Águas Belas) e pelas obras materiais e sociais que construiu. Em Alagoas, seu Estado de origem, a sua atuação pastoral também tem sido lembrada, com destaque para os meios de comunicação, principalmente pelo antigo Jornal de Alagoas e Gazeta de Alagoas.

Seu cuidado pastoral nestas regiões foi marcado pelo seu zelo pastoral e seu cuidado para com os pobres, dentre eles os índios Fulni-ô de Águas Belas, os Xucuru-Kariri em Alagoas, antecipando assim há décadas a “opção preferencial pelos pobres” assumida pelo episcopado latino-americano na Conferência de Puebla em 1979.

Nas palavras de sua sobrinha-neta:

 

Lembrar do tio Alfredo Pinto Dâmaso é trazer a memória a figura humana do homem que um dia lutou por seus ideais missionários. É reviver a história de sua vida. É mostrar a gratidão daqueles que foram assistidos durante suas atividades pastorais.

Muito já foi dito, publicações diversas já destacaram seu papel missionário imortalizando seu nome através de suas obras. Todavia, nada mexe mais com nossas emoções do que quando as pessoas demonstram, ainda hoje, um sentimento de orgulho e carinho ao falarem de seus feitos. Com isso, seu legado se perpetua, tornando-o digno de reverência através dos tempos.

Seu sacerdócio foi um misto de doação, solidariedade e perseverança. Sua missão de caráter humanitário levando uma melhor qualidade de vida para seus paroquianos foi muito além de suas obrigações sacerdotais.

De forte personalidade e de visão realista lutou, com audácia e sagacidade, em busca de recursos para realizar seus projetos assistenciais, numa época em que as ações governamentais não contemplavam certas áreas da região nordeste.

Neste ponto, não poderíamos deixar de ressaltar e enaltecer seu magnífico trabalho em favor dos povos indígenas: Fulni-ô de Águas Belas- Pernambuco, Xucuru-Kariri de Palmeira dos Índios e Kariri-Xokó de Porto Real do Colégio – Alagoas, para formação de suas identidades e inserção social.[2]

 

Enfim, todo merecimento ao sacerdote que ensinou seu povo a viver melhor. Suas lembranças tem um lugar especial nos corações daqueles que compartilharam com seu trabalho. Sua história serve de exemplo para outros clérigos.

Este ano de 2020, ao completar 56 anos de seu falecimento, a sua obra mantém-se viva na memória daqueles que tiveram a felicidade de seu convívio e, mais ainda, na daqueles que receberam o seu apoio imprescindível para levantar e defender a sua causa.

Mons. Alfredo Pinto Dâmaso
Arquivo de Nadja Nara Dâmaso, sobrinha neta do Monsenhor.

Neste contexto, para entender a sua importância, vale lembrar o que aconteceu com os povos indígenas de Alagoas no século XIX. Depois de todas as atrocidades cometidas durante o período da Colonização contra a população nativa, expulsão dos territórios, escravização e extermínio, em 1872, o então presidente da Província Luiz Rômulo Peres de Moreno decretou o fim dos aldeamentos indígenas, transferindo as terras para o patrimônio público e para particulares. A partir daí os indígenas são postos no anonimato e forma-se a categoria de caboclo. Graciliano Ramos, em seu livro Caetés, refere-se aos Xucuru-Kariri como remanescentes que vivem bêbados nas periferias de Palmeira dos Índios.

Praticamente, um século depois, essas populações começam a emergir reivindicando o reconhecimento étnico e seus direitos, como a demarcação dos territórios, a assistência em educação e saúde. Nesse ínterim é que se destaca o papel do padre Alfredo Dâmaso em defesa do reconhecimento étnico e dos direitos. Pároco de Águas Belas, Pernambuco, conquistou o carinho da população Fulni-ô, chegando a receber o nome na língua nativa de Claixiua-lha, que pode ser traduzido por sacerdote maior ou “Padre Grande”.

O Jornal do Comércio de Pernambuco, escreve: “grande amigo e benfeitor dos índios de Águas Belas, Porto Real do Colégio, Palmeira dos Índios, Vila de Cimbres”. E, completa:

Durante o período em que foi pároco de Águas Belas tornou-se seu extremado defensor, de modo a desfrutar da confiança ilimitada da tribo. Bispo dos índios, dizem por morfa os perseguidores destes. (Sic).

O atual cacique de Kariri-Xokó, atualmente com mais de 80 anos, no município de Porto Real do Colégio, Alagoas, relata que acompanhava o antigo pajé Francisquinho nas viagens que faziam com as antigas lideranças Xucuru-Kariri, cacique Alfredo Celestino e Miguel Celestino, até a cidade de Bom Conselho para pedir apoio para criação de Postos Indígenas em suas áreas. O que foi atendido permanentemente pelo padre, encaminhando suas solicitações através de cartas e/ou pessoalmente junto às autoridades governamentais locais e em nível nacional.

É com este marco que, 51 anos depois de seu falecimento, gostaria de resgatar a sua memória e a importância de sua vida pastoral junto aos povos indígenas. Um século depois do decreto de extinção indígena, pode-se também celebrar, com o seu compromisso em defesa da vida, a existência de doze grupos indígenas reconhecidos no Estado de Alagoas.

REFERÊNCIAS:

CELAM. Evangelização no presente e no futuro da América Latina. Conclusões de Puebla. São Paulo: Ed. Paulinas, 1979.

TRIBUNA INDEPENDENTE, Maceió-AL, Ed. No. 2070, 2º. Caderno, pg. 3, 14 de junho de 2014.

 

 

[1] Doutor e mestre em Ciências da Religião pela Unicap. E-mail: gilvan.neves@uol.com.br.

[2] Nadja Nara Dâmaso, residente em Maceió-AL, sobrinha neta do Monsenhor Alfredo Dâmaso. Entrevista concedida no dia 20.07.2015.

 

Todas as postagens são de inteira responsabilidade do blogueiro.

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1 Comentário

  • Parabéns! Muito interessante.
    Informação de excelente teor.
    Abraço.

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