Por Insper
Em geral, vereadores não têm poder para influenciar políticas de segurança pública, mas alguns deles são especiais. Os egressos da Polícia Militar eleitos com uma plataforma de segurança pública têm laços dentro da corporação, que podem ser utilizados para atender ao seu eleitor. Ao fazer isso, a polícia deixa de agir em outras áreas do município, o que causa uma elevação dos homicídios, sobretudo de homens não brancos.
A conclusão é do pesquisador do Insper Lucas Novaes, ao analisar os resultados de ciclos eleitorais recentes em seu artigo publicado na American Political Science Review, um dos mais importantes periódicos de ciência política. Seu argumento é que uma rede de relacionamentos pessoais entre o vereador — que concorre às eleições com promessas de mais segurança — e a corporação da qual é oriundo, em meio a controles institucionais frágeis, seria o mecanismo a permitir o favorecimento da atenção policial. Os recursos de policiamento seriam deslocados desproporcionalmente para bairros ricos, onde há mais votação nesses candidatos, deixando as regiões pobres mais desprotegidas.
O principal ponto é que incentivos eleitorais podem levar políticos a distorcer a entrega de serviços públicos. No caso específico, uma pior política de segurança se reflete em mais assassinatos. Além disso, o autor mostra que, enquanto parte da população é representada por esse tipo de legislador, não há um vereador que represente aqueles mais vulneráveis à violência e aos homicídios. Como os mandatários nas Câmaras Municipais se voltam para uma camada relativamente mais rica, plataformas de lei e ordem resultam em uma política pública regressiva.
A fim de verificar essas hipóteses, o estudo delimitou um núcleo coeso de candidatos adeptos da plataforma da lei e da ordem que poderiam ter acesso privilegiado à Polícia Militar. Selecionou os que trabalhavam efetivamente na PM e que deixaram explícito esse vínculo no nome oficialmente utilizado na candidatura, em regra a sua patente.
Em algumas situações, esse candidato da linha-dura foi eleito por uma margem estreita de votos, menor do que 0,1%, em relação a um adversário que não partilhava dessa plataforma. Em outras palavras, o linha-dura ganhou por pouco de um oponente não alinhado a suas ideias.
Lucas Novaes aproveitou-se desse lance quase casual para apurar o que ocorreu com os homicídios em cidades que por pequena margem elegeram um linha-dura, na comparação com os assassinatos naquelas localidades que por pouco não elegeram um vereador desse perfil.
Se não faz diferença eleger um vereador da linha-dura com acesso à PM, não seria de esperar nenhuma alteração na comparação das taxas de homicídios entre esses dois grupos de municípios após a eleição. Mas a análise encontrou um aumento de cerca de 14 mortes por 100 mil habitantes no conjunto que por pequena margem elegeu um linha-dura, incremento explicado pelos assassinatos de homens não brancos. Quando a análise tomou as cidades que instalaram Conselhos de Segurança Pública — organizações com integrantes do poder público e da sociedade para orientar e fiscalizar a prestação do serviço —, não detectou diferença para os homicídios em eleger um linha-dura. Isso indica que o favorecimento prospera sob baixa vigilância institucional.
Além disso, o trabalho de Lucas Novaes encontrou uma relação espacial entre a baixa votação em candidatos linha-dura, de um lado, e a baixa atividade de policiamento ostensivo nesses bairros onde foram registradas baixa votação, do outro. As rondas da PM, que contribuem para a prevenção da criminalidade, são menos frequentes justamente nessas vizinhanças, que também são as que abrigam a população mais vitimada pela violência, notadamente homens jovens não brancos.
Leia o estudo: The Violence of Law-and-Order Politics: The Case of Law Enforcement Candidates in Brazil.