terça-feira 3 de dezembro de 2024

A economia brasileira em tempos de Covid-19: o antes, o durante e o “depois” (VIII)

3 de janeiro de 2021 8:11 por Reynaldo Rubem Ferreira Jr

Após um ano que ficará marcado na história da humanidade, chegou a hora de fazer um balanço dos efeitos da Covid19 na economia nordestina e o velho exercício, praticado todos os anos pelos economistas e simpatizantes das artes adivinhatórias, como os quiromancistas, de prever o que nos espera 2021. Para os que estão chocados com a comparação que faço entre os praticantes da “ciência triste” e os exotéricos, convido-os a comparar as previsões quanto ao crescimento da economia brasileira que são realizadas todo final de ano pela elite dos economistas do mercado financeiro, capitadas pela pesquisa semanal FOCUS-BCB, e os resultados registrados pelo IBGE um ano depois. Posso lhes assegurar que a mediana das estimativas do mercado tem errado na maioria dos casos nos últimos vinte anos. E mais, o erro é de superestimação, o que nos coloca com as barbas de molho em termos de expectativas.

A desculpa para o fracasso preditivo é que as profecias só seriam realizadas se todas as reformas fossem implementadas. Neste caso a culpa seria dos populistas e não dos “isentos” economistas de mercado. Até quando esta narrativa resistirá aos fatos é outra previsão difícil de ser feita, mesmo para o mais versados nas ciências ocultas.

No nosso balanço da economia nordestina, começarei explorando o fato de que ainda não chegamos no pós-pandemia, não só por questões de natureza sanitária como uma possível segunda onda e planejamento precário do processo de imunização da população, mas porque os resultados conjunturais animadores em alguns setores são típicos de uma economia anestesiada, seja por um volume expressivo de recursos públicos, seja por uma política de compensação de empregos que não se manterão no próximo ano quando voltaremos ao cobertor da austeridade fiscal (Teto dos Gastos). Do ponto de vista estrutural, mostraremos que o fosso persiste e ainda há uma longa caminhada para se retornar a superfície nada animadora dos anos de recessão de 2014 a 2016. Por fim, como não poderia deixar de ser, consultarei a minha bola de cristal e darei os meus palpites para 2021.

Conjunturalmente falando, o varejo foi o setor que rapidamente conseguiu se recuperar das perdas no volume de vendas provocadas pelo isolamento social imposto pela Covid19, seja em nível regional, seja dos estados do Nordeste. Os dados dos gráficos nº 1 e 2 são eloquentes em mostrar a recuperação deste setor, não só em relação a fevereiro de 2020, mês que antecede o início da quarentena, como quando comparado a igual período do ano anterior. Nos dois períodos em análise, a indústria nordestina apresentou, respectivamente, retração de 3% e discreta recuperação de 0,5%. Como já era esperado, os serviços foram os que sofreram o maior impacto negativo, conforme gráficos nº 1 e 3, apesar de em junho os governos em nível estadual terem iniciado um processo de relaxamento das políticas de distanciamento social.

A reação do varejo, pedra cantada ao longo dos últimos meses, está diretamente associada aos efeitos de anestesiamento da crise promovidos pelo Auxílio Emergencial (AE). De acordo com o Portal da Transparência, de janeiro a novembro de 2020 foram injetados na economia do Nordeste em benefícios sociais R$ 97,6 bilhões, dos quais as transferências do AE respondem por 66%. A partir de janeiro de 2021, em tese, este será o percentual de recursos transferidos à população carente que deixará de circular diretamente na economia nordestina.

O segundo pilar anestesiador que deixará de existir no mesmo período é o que dá sustentação ao emprego, como o programa de Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda (BEM). Em novembro, antes da suspensão do BEM, segundo o IBGE, a taxa de desocupação dos estados do Nordeste era de 21,7% no Maranhão; de 10,9% no Piauí; de 14,7% no Ceará; 16,8% no Rio Grande do Norte; 15,9% na Paraíba; 17,9% em Pernambuco; 15,9% em Alagoas; 18,9% em Sergipe e 19,8% na Bahia. Ante este quadro, não há nenhum exagero em se supor que sem a política de compensação do emprego e da renda as taxas de desemprego tenderão a aumentar, uma vez que a procura por emprego aumentará enquanto a demanda por bens e serviços estará se contraindo. Ademais, a aceleração da taxa de inflação ao consumidor (IPCA), observada a partir de junho, afetará negativamente, mesmo que temporariamente, o poder de compra especialmente da população de baixa renda.

É muito provável que, sem o anestesiamento conjuntural, os sintomas de nossos problemas estruturais voltem a ser sentidos com consequências negativas para a aparente retomada do varejo e agravamento das crises dos setores da indústria e serviços, principalmente no cenário de lenta imunização da população até o final de 2021. Os que sustentam que a partir do meio do próximo ano o contexto econômico nordestino irá melhorar não explicam como isto é possível, se os suportes que vinham sustentando a economia até o final de 2020 vão ser retirados. Talvez porque acreditem que é uma questão de fé.

 

Quando comparamos a variação dos índices médios dessazonalizados da produção industrial e dos volumes de vendas do varejo e serviços do Nordeste, nos períodos de janeiro a outubro de 2016, 2019 e 2020 com igual período em 2014, é possível observar que a fenda é muito grande, o que relativiza a ideia de melhoria no curto e médio prazos. Os dados do gráfico nº 4 evidenciam que, nos três setores de maior peso no produto regional, persistem a perda de dinamismo desde 2014 e em 2020 a situação se agrava, não obstante toda a injeção de recursos públicos especialmente nos casos da indústria e serviços.

O quadro em nível dos estados da região é ainda mais desafiador, como pode ser visto nos gráficos nº 5 e 6 para o mesmo período. A partir destes dados fica difícil se fazer prognósticos de recuperação da economia desses estados em 2021. Na melhor das hipóteses, a melhoria esperada seria conjuntural em relação a 2020 e não no tocante a 2014. Em outras palavras, não é possível desconsiderar os efeitos

estruturais da recessão e da Covid19 na construção de cenários para os próximos anos na economia nordestina. Qualquer análise isenta tem que refletir sobre quais são os entraves que dificultam um retorno mais célere aos índices nada animadores de 2014. Uma boa pista destas dificuldades está nos cortes de gastos em investimentos públicos em infraestrutura logística, social e tecnológica nos últimos anos no Brasil.

Ignorar os efeitos negativos da histerese sobre a estrutura produtiva do Nordeste que estes cortes implicam, é, no mínimo, subestimar o tamanho do desafio que temos pela frente em termos de políticas de desenvolvimento regional com inclusão produtiva e social. Em outras palavras, é o mesmo que desconsiderar os efeitos perniciosos sobre a produtividade da força de trabalho (que geralmente é baixa em economias intensivas em serviços de menor valor agregado, como é o caso da nordestina), como também no tocante a demanda por bens e serviços resultantes da concentração de renda e índices elevados de pobreza.

Em síntese, são tantos desafios a embaçar a minha bola de cristal que não está fácil enxergar as perspectivas econômicas para o Nordeste em 2021. O cenário menos arriscado é dizer que a partir do segundo semestre as coisas vão melhorar na margem, mesmo que este seja mais um exercício de pura especulação, principalmente em um ambiente de tanta incerteza econômica e sanitária.

Mas vou arriscar dois palpites.

O primeiro, pessimista, aposta no provável retorno a lógica puramente fiscalista por parte do Governo Federal, com cortes lineares nas transferências às famílias, às empresas e aos governos, consolidando um cenário de estagnação para a economia nordestina, uma vez que as unidades da federação tem restrições fiscais e dependem das transferências e do aval da União para investir. Os custos deste cenário em termos econômicos e sociais, inclusive no tocante as receitas públicas, não podem ser minimizados em virtude do efeito multiplicador dos gastos públicos sobre a renda.

O segundo cenário, reflete a minha esperança que a crise da Covid19 possa ter despertado nos gestores públicos e na sociedade a importância da parceria estratégica entre os setores público e privado. O Consórcio Nordeste parece indicar nesta direção e pode ser crucial para a implementação de uma política de desenvolvimento capaz de construir um ambiente sistemicamente competitivo para as empresas, assim como de melhoria do bem estar social. Esta possível mudança de visão quanto ao papel dos investimentos públicos para alavancar a iniciativa privada pode viabilizar politicamente a realização de uma reforma tributária progressiva no país capaz de mudar a distribuição da carga de tributos. Ou seja, passar a tributar mais a renda, o patrimônio e a riqueza e menos a produção e consumo de bens e serviços essenciais.

Em qual dos dois cenários você apostaria? Oxalá que possamos ter um Ano Novo esperançoso!

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