26 de junho de 2021 7:17 por Reynaldo Rubem Ferreira Jr
Diferentemente do que se esperava no início do ano, a taxa de crescimento do PIB do Brasil no primeiro trimestre de 1,2%, quando comparado ao quarto trimestre de 2020, com ajuste sazonal, veio acima do que esperavam o mercado e grande parte dos empresários. Apesar da surpresa positiva, é preciso analisar este dado com certa cautela em termos de tendência. No primeiro trimestre deste ano a nossa produção interna de riqueza encontrava-se 2,9% abaixo do PIB de igual período em 2014, quando o índice deste indicador atingiu seu maior valor antes da economia entrar em recessão, o que se prolongou até o último trimestre de 2016 segundo datação realizada pela FGV.
Outro aspecto importante a destacar é que o consumo das famílias e do governo, que juntos respondem por 85% do PIB, apresentaram resultados negativos quando comparados aos alcançados em igual período em 2020 e 2014, ou seja, -1,7% e -3,6% assim como -4,9% e -6,9%, respectivamente. As exportações, que dependem em boa medida do comportamento dos preços das commodities internacionais e da taxa de câmbio, registraram crescimento nos dois períodos de 0,8% e 20,1%. As importações, por sua vez, ainda se encontram abaixo do patamar obtido nos primeiros três meses de 2014 em -2,4%, mas cresceram 7,7% em relação a 2020.
Os investimentos em Formação Bruta de Capital Físico (FBCF), apesar de ainda se encontrarem 8,5% abaixo do seu nível no primeiro trimestre em 2014, tiveram forte crescimento de 17% na comparação com 2020. Dois fatores pesaram preponderantemente para este resultado: i) recomposição do nível de estoques, que nas Contas Nacionais é contabilizado como investimento; e ii) efeito contábil das importações de plataformas da Petrobras em função da mudança do registro aduaneiro Repetro. Quanto ao aumento dos estoques, este decorreu devido ao fato da demanda encontrar-se abaixo da oferta por bens e serviços e, neste sentido, é preciso ter cautela no tocante ao resultado do PIB no primeiro trimestre de 2021, uma vez que este movimento não será observado no segundo trimestre deste ano. Estimativas realizadas por pesquisadores (Valor Econômico) apontam que o PIB neste início de ano em relação ao quarto trimestre de 2020 seria de – 1,6%, caso não tivesse ocorrido o acúmulo de estoques.
Olhando o PIB pela ótica da oferta no primeiro trimestre de 2021, o setor de agronegócio registrou crescimento pronunciado, com aumento trimestral na margem de 5,7% e de 5,2% em relação a igual período do ano anterior. Quando comparado ao primeiro trimestre de 2014, o aumento foi de 28% mostrando a pujança do setor agropecuário em grande medida correlacionado com o aumento das exportações. No tocante ao total da indústria, esta ainda não retornou ao seu nível em 2014, encontra-se 10,2% abaixo, enquanto cresceu 3% em relação ao primeiro trimestre de 2020, mas a indústria de transformação recuou 0,4% na margem. O setor de serviços, que responde por 72% do PIB, encontra-se 2,6% abaixo do alcançado em igual período em 2014, recuou 0,8% quando comparado ao mesmo trimestre de 2020 e obteve discreto crescimento de 0,4% na margem.
O que é possível concluir desse balanço conjuntural do resultado do PIB brasileiro nos primeiros três meses de 2021? A economia brasileira, não obstante o resultado satisfatório do PIB do primeiro trimestre, ainda apresenta sinais preocupantes, seja com a demanda crescendo abaixo da produção invertendo a tendência observada em 2020 proporcionada pelo auxílio emergencial, seja com a indústria e serviços, que juntos representam 92% do PIB, ainda apresentando oscilações em suas taxas de crescimento. Ademais, o nível de desemprego que junto com o contigente de desalentados chega a mais de vinte milhões de trabalhadores, também tem posto em xeque a sustentabilidade do crescimento. Outro complicador diz respeito a taxa de inflação em ascensão corroendo o poder de compra das camadas de níveis de renda mais baixa, levando o Banco Central a sinalizar com taxa básica de juros (selic) de 6,5%aa no final de 2021 e aumento do custo do crédito na ponta. Além dos riscos econômicos elencados, há os de natureza epidemiológica, em virtude do ritmo lento de vacinação, de políticas descoordenadas de isolamento social e do surgimento de novas variantes do vírus.
Em síntese: o risco de vôo de galinha é alto e isto fica claro na mediana das expectativas do mercado para o crescimento do PIB do país em 2021 e 2022, ou seja, respectivamente, de 5% (importante salientar que em grande medida, esta é beneficiada pela taxa de carregamento estatística de 3,6% importada de 2020) e 2,1%, mas com tendência declinante.
Do ponto de vista dos estados da região Nordeste, exceto para o setor de agronegócio, o quadro que já era delicado antes da COVID19 continua bastante desafiador. Comparando-se os índices médios dessazonalizados de alguns indicadores e tomando-se 2014 como ponto de partida, é possível dividir este período de sete anos em três recortes: recessão (abr/14 a dez/16); estagnação (jan/17 a fev/20) e COVID19 (mar/20 a abr/21), sendo que este último ainda encontra-se em aberto enquanto durar a pandemia.
No caso da região Nordeste, o gráfico nº 1 exibe um quadro que aponta para a perda de dinamismo em nível macroeconômico da economia nordestina, acompanhando a tendência nacional. Em média, a proxy para o PIB do Nordeste medida pelo Banco Central do Brasil (IBCR-NE) tem registrado em tempos de COVID19 índices abaixo dos observados nos períodos de recessão e estagnação, da ordem de -3,2% e -0,7%. Comportamento semelhante pode ser verificado em nível nacional com taxas de -4,3% e -2,1%, respectivamente. Apesar do otimismo do mercado e dos que sonham com recuperação em V, estes dados configuram uma trajetória preocupante quando colocada em perspectiva.
Os dados setoriais exibidos no gráfico nº 2 para o Nordeste são ainda mais preocupantes do ponto de vista estrutural, mesmo que a agregação comprometa a percepção de possíveis mudanças intrassetoriais, uma vez que a indústria e os serviços são os que tem apresentado maior perda de dinamismo nos três recortes aqui analisados. No primeiro caso, encontra-se a -10,5% em relação ao índice médio da recessão e -7,5% do período de estagnação. Enquanto serviços e varejo apresentaram médias de -27,4%, -15,7%, -7,8% e -2%, respectivamente. É pouco razoável se supor a sustentabilidade de melhorias na margem da economia nordestina ignorando-se os efeitos estruturais da trajetória desses índices médios setoriais nos últimos sete anos, mesmo sendo a COVID19 um evento inesperado.
Em nível dos estados do Nordeste, os dois setores de maior peso no PIB e geração de empregos, que são o varejista e de serviços, têm registrado tendência declinante quando comparada ao índice médio setorial observado tanto no período de recessão como de estagnação, de acordo com os gráficos nº 3 e 4. A exceção é o Maranhão no caso do setor varejista, os demais estão rodando abaixo do seu desempenho nestes dois períodos, com os estados de maior participação no PIB da região apresentando quedas pronunciadas: Ceará -13,8% e -7,7%; e Bahia -13,3% e -3,5%. A mesma dinâmica pode ser observada no setor de serviços e o quadro torna-se mais agudo no cotejo entre o vale produzido pela COVID19 e a recessão econômica. No caso de Alagoas o buraco é de – 28,3%; Bahia de – 30,5%; Ceará de – 28,2%; Maranhão de – 20,2%; Paraíba de – 28,3%; Pernambuco de – 25,3%; Piauí de – 27,5%; Rio Grande do Norte de – 28,2% e Sergipe de – 32,6%. Tal herança dá uma dimensão do desafio colocado nos pós-COVID19 para a economia desses estados e da necessidade de cautela com melhorias conjunturais.
Em sintonia com a dinâmica exibida anteriormente tanto para a economia do Nordeste como para a dos estados da região, a partir dos seus principais setores, as taxas de desemprego médias trimestrais nos três períodos em análise é crescente para todos os estados nordestinos, como pode ser observado no gráfico nº 5. Apesar do impulso dado pela COVID19 em virtude das políticas de distanciamento social em tais taxas a partir de março de 2020, estas vinham subindo desde a recessão iniciada em 2014. Ademais, os efeitos de histerese (períodos prolongados com as pessoas sem ocupação) sobre o mercado de trabalho não podem ser desconsiderados ao impactar negativamente a produtividade da força de trabalho, assim como os efeitos colaterais sobre a saúde das pessoas deixados pela COVID19. Estes são aspectos estruturais que tornam o processo de retomada ainda mais desafiante, apesar do entusiasmo com melhorias pontuais.
O risco é que pode estar se delineando um novo normal, tanto na economia brasileira como na nordestina, caracterizado por um misto de estagnação econômica com taxas elevadas de desemprego, caso não haja a adoção de políticas de desenvolvimento que rompam com tal tendência desestruturante por meio de investimentos públicos e privados em infraestrutura física, tecnológica e social. Se apegar a melhorias conjunturais de taxas na margem e ignorar um longo período de resultados insatisfatórios com efeitos estruturais pode levar ao equívoco de não se perceber a emergência do enfrentamento de tais problemas. O vôo da galinha é um bom exemplo da miragem do crescimento na margem.
Reynaldo Rubem Ferreira Jr (Professor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade – FEAC – da UFAL)