30 de dezembro de 2022 3:44 por Mácleim Carneiro
Pela lei natural das coisas e do calendário gregoriano, 2023 chegará velhinho em folha. Agora, pergunto eu: e daí? Excetuando-se aquele exato momento da contagem regressiva, onde a euforia coletiva toma conta e parece que tudo vai mudar, como se fosse num passe de mágica, tudo permanecerá como dantes no planeta de Abrantes. O cachorro chato da minha vizinha continua latindo insistentemente, o Vasco não conseguirá ser campeão de nada, os passarinhos ainda acordam mais cedo do que eu, vem o dia, cai a noite e nada mudou, nem vai mudar, pelo menos, não com a intensidade borbulhante das expectativas regadas à champanhe.
Sim, temos um novo presidente e outra perspectiva política e social, que nos traz de volta a esperança de mudanças positivas, depois do desastre que foi o governo do energúmeno. No entanto, de que adianta saber que somos contemporâneos da tal sociedade pós-industrial e não estamos inseridos em suas vantagens? De que adianta, para um simples propositor como eu, que resolveu viver em Alagoas, a mudança da produção de bens para a produção de serviços, tão evidente no que se convencionou chamar de primeiro mundo? Ou, então, de que vale a crescente importância da classe dos profissionais liberais e técnicos, em relação à classe operária, se o nosso aquário é tosco e insiste em andar para trás? Ou, pior ainda, o que significa para os governantes, como diria Dahrendorf, o primado das ideias?
Contramão da Modernidade
Pois bem, confesso que tenho curiosidade em saber qual seria a resposta para todas essas indagações. E olhe que esses conceitos citados foram identificados e teorizados já no final dos anos 1960. Portanto, voltando os olhos para o nosso aquário, percebo nitidamente o quanto estamos defasados. Por mais paradoxal que seja, com raríssimas exceções, andamos na contramão da modernidade, rumo a um crescente distanciamento das vantagens sociais oferecidas pela realidade pós-industrial. Há mais de 40 anos já se vislumbrava a possibilidade da supremacia produtiva do intelecto em detrimento do mecanicismo. Já se pensava a criação de uma tecnologia intelectual. Ou seja, máquinas inteligentes capazes de substituir o homem, não apenas nas funções que requerem esforço físico. E nós, o que fizemos? Continuamos cultivando e escravizando analfabetos, liderando os vergonhosos índices negativos do IDH e perdoando descaradamente, fisiologicamente, às imperdoáveis dívidas econômicas e sociais dos usineiros e, agora, dos CEOs e políticos cúmplices e coniventes com os crimes da Braskem.
Não é que eu seja um pessimista irremediável, não se trata disso, contudo, o meu ceticismo insiste em ser justificável. Mais uma vez, o tão esperado ano novo e sua gloriosa perspectiva de mudanças não será, por si só, capaz de mudar absolutamente nada. Como qualquer ano, 2023 ficará restrito à simbologia dos calendários, às intempéries, às previsões astrológicas e sensacionalistas, à luta pela perpetuação no poder da classe política dominante e, como único recurso capaz de uma escapatória, para algum tipo de mudança, nos resta tão a micro individualidade de cada um de nós.
Ainda bem, que algumas transformações pessoais são capazes de extrapolar o foro íntimo e gerar mudanças na sociedade. Quando essa capacidade individual se torna real, acende-se uma luz, encontra-se o caminho! Lembro-me do que escreveu o crítico literário Harold Blom: ”Buscar Deus fora do seu eu é cortejar os desastres do dogma, a corrupção institucional, a malfeitoria histórica e a crueldade”. Embora seja uma observação de cunho religioso, serve para o entendimento de que o Ano Novo não significa nada, a não ser que ele exista no eu de cada um. De outra forma, será apenas um número novo no velho calendário. Ou será o velho calendário com um número novo?
No +, MÚSICABOAEMSUAVIDA!!!