sexta-feira 22 de novembro de 2024

A economia brasileira em tempos de Covid-19: o antes, o durante e o “depois” (V)

17 de agosto de 2020 2:49 por Reynaldo Rubem Ferreira Jr

A variação dos índices registrados pelo IBGE para indústria, comércio varejista e serviços no Brasil, para os meses de maio e junho, em relação ao mês imediatamente anterior, com ajuste sazonal, sinaliza que o pior momento da pandemia pode ter ficado para trás. No caso do Nordeste, esses três setores configuram dinâmicas de recuperação semelhantes às observadas em nível nacional. Em mais este artigo da série dos efeitos econômicos do Covid19, o nosso foco estará nos impactos do Auxílio Emergencial (AE) sobre os setores de comércio varejista e serviços nos estados da região Nordeste. Mostraremos que tal política não tem sido suficiente para recuperar os estragos sobre o nível de atividade desses dois setores nos meses de março a junho, quando comparado a igual período do ano anterior. E mais, que essa aparente recuperação poderá ter fôlego curto se não houver, em termos sanitários, contínua redução da curva de reprodução do vírus. Por sua vez, do ponto de vista econômico, se faz necessária a manutenção das políticas fiscais de sustentação, tanto da renda das famílias quanto de compensação às perdas de arrecadação aos estados e municípios, sendo esta última política objeto do nosso próximo artigo. Como é sabido, a primeira, se não for renovada, acabará em agosto e a segunda a partir de outubro.

De abril a junho, o Governo Federal injetou na economia nordestina, de acordo com o portal da transparência da CGU, cerca de 37,7 bilhões de reais por meio da política de Auxílio Emergencial (AE), com a seguinte distribuição entre as Unidades da Federação: 9,9bi na Bahia; 6,25bi em Pernambuco; 5,97bi no Ceará; 4,84bi no Maranhão; 2,64bi na Paraíba; 2,28bi no Piauí; 2,16bi em Alagoas; 2,14bi no Rio Grande do Norte; e 1,51bi em Sergipe. Grande parte desses recursos foram usados nas compras de alimentos, cerca de 53% de acordo com pesquisa da FSP, como já era esperado pela maioria dos economistas em função da elevada propensão a consumir das famílias de níveis de renda mais baixa.

A questão importante a ser analisada é qual o impacto desse volume substancial de recursos nos setores varejista e de serviços, que respondem por grande parte da riqueza gerada no Nordeste e no Brasil, vis a vis aos efeitos negativos da pandemia? É possível antecipar em resposta a esta indagação, a partir dos dados que serão analisados a seguir, que, apesar de os recursos mencionados serem necessários, até o momento eles não tem sido suficientes para compensar as perdas. Ou seja, o quadro que começa a assumir ares de normalização em função dos resultados positivos mais recentes continua, em sua essência estrutural, bastante anormal.

Os dados dos gráficos nº 1 e 2, que tratam do comportamento dos índices do volume de vendas no varejo e no comércio ampliado, tanto na margem como em relação a igual mês no ano anterior, sinalizam que é preciso sermos cautelosos quanto aos efeitos do AE sobre o setor varejista. Ou seja, após 3/5 dos recursos distribuídos, houve crescimento em relação a maio em todos os estados nas duas categorias do varejo, porém, exceto nos casos do Maranhão e Piauí, todos se mantiveram abaixo do patamar alcançado em junho de 2019. No entanto, alguns se mantiveram com taxas bastante pronunciadas, acima de dois dígitos, como foram os casos do Rio Grande do Norte, Alagoas e Bahia e deste último estado no comércio ampliado. É sempre bom lembrar que 2019 foi um ano de crescimento modesto não só para o Brasil, mas também para a economia do Nordeste que deve ter crescido, a partir dos dados do IBCR-NE do BCB (com ajuste sazonal), cerca de 1%.

Quando comparamos o índice médio do volume de vendas do comércio varejista no quadrimestre de março a junho de 2020 com igual período no ano anterior, fica claro, com base nos dados do gráfico nº 3, que mesmo com 3/5 dos recursos do AE já liberados, ainda temos uma boa escalada para voltar aos níveis do ano anterior que, como dito acima, não foi nada animador. Outro aspecto importante, ainda quanto a esta métrica, diz respeito ao fato que os estados da Bahia, Ceará e Pernambuco, que respondem por 59% do AE transferido, serem os que apresentaram os patamares negativos mais elevados, com destaque para os dois primeiros com -17,1% e -22,5%, respectivamente. Dos estados com menor peso no PIB regional, Alagoas foi o que registrou a maior contração, com -16,2%. Ainda com base nos dados do IBGE, mesmo na comparação com fevereiro de 2020, mês que antecede o início das medidas de isolamento social, só Maranhão e Ceará conseguiram se recuperar, ficando 15% e 2,4% acima daquele patamar. Os demais ainda se mantiveram abaixo, ou seja, -0,6% no caso do Piauí; -9,9% no do Rio Grande do Norte; -11,5% na Paraíba; -2,3% em Pernambuco; -13,6% em Alagoas; -6,1% em Sergipe e -9,9% na Bahia.

Parte da explicação para dados tão diferenciados entre os estados, como os registrados nos gráficos nº 1, 2 e 3, pode estar no nível de rigor da quarentena no início da pandemia e na gestão do processo de relaxamento. Talvez isto explique por que o Maranhão e Piauí obtiveram crescimento em relação a junho de 2019 e menores retrações na comparação quadrimestral. Todavia, o fato de todos registrarem taxas negativas nesta última métrica, a nosso ver, como colocado anteriormente, está na insuficiência do AE para compensar o tamanho do estrago provocado pela pandemia, mesmo no setor varejista.

Como já esperado, seja porque o setor de serviços foi o mais afetado pela pandemia, seja porque, por envolver na maioria das vezes aglomerações, só está sendo contemplado nas fazes mais avançadas de relaxamento social, suas taxas de recuperação na margem tem sido menos expressivas quando comparadas as do setor varejista, enquanto que na comparação com o ano anterior são significativamente piores, como pode ser observado no gráfico nº 4. Isto reforça a tese que o AE tem tido impacto mais pronunciado no comércio, o que, em grande medida, atenua os seus efeitos na geração de emprego e renda. As taxas de desemprego no mês de junho para os estados do Nordeste, mesmo com os efeitos positivos do AE sobre o comércio varejista, continuam exibindo níveis bastante elevados: 15,3% em Alagoas; 14,9% na Bahia; 14,1% no Maranhão; 13,8% no Rio Grande do Norte; 12,6% em Pernambuco; 12,2% no Ceará; 11,3% na Paraíba; 9,4% em Sergipe e 9,1% no Piauí.

Todo esse conjunto de dados nos permite concluir que o impacto da pandemia sobre a estrutura econômica dos dois setores mais importantes da economia do Nordeste, comércio e serviços, está se configurando significativo. Por esta razão, as famílias carentes e as Unidades da Federação não poderão prescindir da continuidade da disponibilização dos recursos públicos, tanto durante as fases de estabilização e desaceleração da propagação do vírus como no pós-pandemia, quando os investimentos públicos em infraestrutura social serão cruciais para sustentar a retomada por meio da alavancagem dos empreendimentos privados. O Governo tem sinalizado que vai prorrogar o AE até o final do ano, só que com um valor mais baixo. Qual será o impacto do novo auxílio no varejo e serviços? Bem, à primeira vista, continuará sendo positivo ao contribuir para atenuar os efeitos da recessão, mas, a depender do valor, poderá continuar limitado, principalmente se as taxas de desemprego continuarem em níveis elevados, o que é provável devido à baixa tração da retomada dos serviços, tendendo a levar os consumidores a assumirem posturas mais cautelosas, o que restringe ainda mais o multiplicador da renda.

Reynaldo Rubem Ferreira Jr (Professor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade – FEAC – da UFAL)

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