sábado 23 de novembro de 2024

Em memória de seu Miranda e de dona Hermé

A resistência silenciosa empunhada pelo casal é uma das notas históricas que nem mesmo o desmoronamento do Hotel Atlântico poderá transformar em entulho

24 de abril de 2024 2:44 por Da Redação

O casal teve dez filhos | Reprodução

Por Geraldo de Majella

O prédio onde funcionou o antigo Hotel Atlântico, na Avenida da Paz, ruiu na tarde de domingo (21). O hotel funcionou durante meio século e foi, entre as décadas de 1950 e 1970, o primeiro e único na região. O comerciante Manoel Simplício de Miranda, conhecido como ‘seu’ Miranda, adquiriu o imóvel na década de cinquenta. O Atlântico esteve, durante muitos anos, incorporado à paisagem urbana de Maceió, sendo também um símbolo da memória afetiva de gerações.

A trajetória da família Miranda e do Hotel Atlântico é, definitivamente, marcada pelo dia 1º de abril de 1964, há sessenta anos, quando militares e civis derrubaram o presidente da República, João Goulart. A ordem constitucional foi subvertida, dando início à terrível noite de horror da ditadura civil-militar.

Manoel Simplício de Miranda e Hermé Amorim de Miranda | Reprodução

A burguesia alagoana fez da família Miranda um alvo para manifestar a histeria anticomunista. Uma família como qualquer outra da sociedade alagoana foi atingida pela fúria do Estado ditatorial e de segmentos da elite de Alagoas.

O casal Manoel Simplício de Miranda e Hermé Amorim de Miranda teve filhos, sobrinhos e cunhado presos e perseguidos em Alagoas, além de parentes que foram obrigados, para não serem presos, a viverem na incerteza da vida clandestina e do exílio político. Seu Miranda, o comerciante estabelecido na cidade e membro da maçonaria, além dos filhos, também foi preso sem qualquer explicação pelos militares.

O Hotel Atlântico foi transformado pelas forças reacionárias de Alagoas em um “bunker” dos comunistas, numa clara tentativa de vilipendiar uma família diante da ascensão do fascismo. O estabelecimento comercial e familiar tornou-se sinônimo de lugar subversivo, inclusive com incursões arbitrárias da polícia alagoana em busca de armas.

A resistência silenciosa empunhada pelo casal é uma das notas históricas que nem mesmo o desmoronamento do edifício poderá transformar em entulho. A memória do Hotel Atlântico é um capítulo da história da cidade de Maceió. As infâmias assacadas e o cerco pavoroso orquestrado pela elite alagoana sobre uma família têm sido escritos, interpretados e cantados como sinal de protesto e resistência.

Destroços do Hotel Atlântico | Ragi Torres/TV Gazeta

O desmoronamento do Hotel Atlântico, ironicamente, vai contribuir para avivar a memória da cidade e dos democratas, e mexer na má consciência da elite e de seus descendentes.

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