quinta-feira 24 de outubro de 2024

Quando uma mulher quilombola tomba, o quilombo se levanta com ela

Ainda sonho com o dia em que nós, mulheres pretas, não seremos mais violentadas
Mãe Bernadete lutava há seis anos pela responsabilização dos envolvidos no assassinato de seu filho, Binho do Quilombo | Conaq
Selma dos Santos Dealdina Mbaye, para o Brasil de Fato
Minha mãe e amiga Bernardete, como todas nós, um dia faria sua passagem. Eu, que vivi com ela, sonhei com ela, chorei com ela, sempre imaginei que esse dia seria triste e lindo. Nesse dia, suas filhas e filhos poderiam celebrar sua passagem e festejar tudo o que ela foi em vida.

Nos retiraram o direito de festejar tudo o que ela significou para nós. Estamos chocadas com a crueldade. É da crueldade que venho falar. Não queria falar dela. Mas tenho que falar. Porque ainda sonho com o dia em que nós, mulheres pretas, não seremos mais violentadas.

No sábado (19), a funerária precisou ficar das 13h às 18h tentando maquiar mãe Bernadete, o que permitiria que seu velório pudesse ser feito com a urna aberta. Foram 12 disparos! As balas atravessaram o rosto e o tórax de nossa mãe.

No IML, a primeira orientação era sepultá-la com urna fechada. A família não mediu esforços para que ela fosse vista. Queríamos vê-la e pedir sua benção. Foi tão cruel!

Ela, sem saber, abriu a porta de casa para seus assassinos. Uma líder quilombola em sua casa recebia todas as pessoas. Interpelou seus assassinos dizendo “meu filho”, enquanto eles confirmavam sua identidade. Os demais familiares foram trancafiados em um quarto. O assassino levantou o visor do capacete e disparou contra mãe Bernadete à queima roupa.

Mesmo com o rosto muito ferido, nossa mãe estava plena, com suas guias e orixás. É assim que lembraremos dela e invocaremos sua memória. Sua fé era inabalável e a conduziu em meio a tanta violência e agressão numa luta por justiça. Justiça pelo território, pelo povo preto e quilombola e por seu filho assassinado.

No rito de passagem religioso, em que nós iniciadas participamos com as autoridades religiosas, sentimos a emoção de quem tem fé. Em meio às lágrimas e cantos, entregamos nossa mãe ao Órun. Ela está com ele agora e temos certeza que esse não é o seu fim.

A minha revolta com a crueldade e a injustiça de quem tentou deixá-la desfigurada não cabe em mim.

É com tristeza que vejo que toda a visibilidade que ela tentou obter em vida, para denunciar as violações que sofremos e obter justiça para Binho, só acontecer porque ela foi covardemente executada.

A dor, a revolta e a indignação são imensas. Não me chamem para caminhada de paz, porque estou pra guerra.

* Selma dos Santos Dealdina Mbaye é quilombola, ativista e compõe a coordenação nacional da CONAQ.

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