sexta-feira 26 de julho de 2024

Dos livros que li – O Corpo tem suas razões: Antiginástica e Consciência de Si

17 de julho de 2024 10:30 por Mácleim Carneiro

 

Por Mácleim Carneiro é jornalista, cantor e compositor.

Tive e acho que ainda terei sérios problemas de coluna, com dores quase insuportáveis. Em uma das crises recentes fiquei fora de combate por mais de um mês, praticamente sem mobilidade e com dores terríveis. De fisioterapia à quiropraxia, passando por quilos de corticoides e praticamente morando naquelas maquinas de ressonância magnética, tentei de tudo. Agora, estou fazendo antiginástica e, obviamente, comecei a me interessar por esse tipo de literatura.

 

O incrível é que, preconceituosamente, achei que seria uma leitura daquele tipo “crânio sacal” (risos), repleta de termos científicos e coisa e tal. Lêdo Ivo engano! Trata-se de uma leitura que flui naturalmente e desperta uma curiosidade genuína, não apenas por conhecimento em si, mas pela narrativa leve e coloquial dos acontecimentos abordados. As autoras descrevem casos de pessoas com as mais diversas dificuldades físicas e até psicológicas, que foram solucionadas tendo a antiginástica como terapia corporal.

 

Preliminares

Além das experiências de cunho pessoal, relatadas pela fisioterapeuta francesa Thérése Bertherat, criadora da antiginástica, que dedicou boa parte da sua vida a observar o corpo e entender tanto o potencial que ele tem, quanto os obstáculos que criamos, o livro ainda traz a descrição dos 15 movimentos denominados de “preliminares”, embora as autoras ressaltem que “a consciência do corpo não se dá. Não há movimento nem método que a conceda. A consciência do corpo, conquista-se. É de quem resolve procura-la”.

 

Então, particularmente, minha procura começou por aqui e indico esse livro para quem ainda tem a mente aberta, coluna ereta e o coração tranquilo. Quase parafraseando a bela canção do Walter Franco.

 

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Cole Porter na escala de Antonio

Reprodução

O álbum ‘Encontros – Orquestra Atlântica’, lançado em 2018, foi o primeiro de vários trabalhos do mestre Antonio Adolfo, que eu tive o prazer de resenhar. De lá pra cá, Antonio Adolfo realizou alguns projetos homenageando compositores ícones das músicas brasileira e mundial, culminando com o recém-lançado álbum ‘Love Cole Porter’. Ao longo do tempo, Antonio Adolfo elevou o sarrafo de suas produções a um patamar difícil de ser alcançado, a não ser por ele mesmo. Ou seja, nada que eu escreva sobre o álbum ‘Love Cole Porter’ poderá me eximir do risco eminente de ser repetitivo, pelo óbvio implícito a mais um lançamento impecável e emocionante do mestre Antonio Adolfo. Então, pensei: por que não trazer, para os 14 leitores da Depois do Play, uma espécie de bastidores do que me chega para ser resenhado?

Dessa forma, nada mais apropriado do que revelar, literalmente, o precioso conteúdo do release enviado pela assessoria de comunicação Tambores Comunicação, em mais uma gentileza dos meus queridos Beto Previero e Moisés Santana. Entendo que os releases são úteis sim, porém, nada será mais importante e particularmente significativo do que a audição acurada e prazerosa do álbum a ser resenhado, sobretudo, quando se trata de mais uma pérola do mestre Antonio Adolfo, que tem sido pródigo e generoso para com a humanidade, lançando, com esmero e viço impressionantes, praticamente um novo álbum a cada ano, desde 2013. Sendo assim, vejamos o que nos revela o release que me chega com o maravilhoso álbum Love Cole Porter, o qual não canso de ouvir e ouvir e ouvir…

Considerações De Um Bom Release

“Pianista, compositor e arranjador, Antonio Adolfo lança ‘Love Cole Porter’, CD -homenagem ao autor norte-americano, e põe uma bossa brasileira na obra do compositor referência na música mundial. Sucessos como ‘Love For Sale’ e ‘Night And Day’ aparecem em jazz brasileiro. ‘Easy No Love’ incorpora um pouco de samba-jazz, enquanto ‘Just One Of Those Things’ mixa toques de quadrilha e frevo.

Finalmente a homenagem! O pianista, arranjador e compositor Antonio Adolfo vem protelando esse acontecimento, mas ele meio que foi se formatando sozinho. As influências e sinais chegaram por si mesmos, sem cálculos ou fórmulas, para satisfação pessoal. Assim nasceu o CD Love Cole Porter, com 10 músicas do norte-americano Cole Porter (1891-1964), algumas, clássicos mundiais do jazz, aos quais Antonio Adolfo dá um molho tropical, fazendo o seu jazz brasileiro.

Adolfo explica o projeto: “A bossa nova surgiu de encontros, no Rio, onde sempre esteve presente o repertório de Porter. E a música desse gênio, imortalizada através de melodias, letras, harmonias e fraseado único, influenciou aquela geração de músicos, inclusive a mim. Cresci e me tornei músico, e bebi daquela fonte. Sempre toquei seus standards no estilo original ou acrescentando bossa ou jazz-brasileiro, que se expandiu em estilos como o samba, toada, ijexá, quadrilha e frevo, por exemplo, para citar apenas alguns”.

Ente as músicas temos ‘SoIn Love’ (1948), ‘Easy To Love’ (1936), ‘Just One Of Those Things’ (1935), ‘You Do Something To Me’ (1929), ‘Love For Sale’ (1930) e ‘I Concentrate On You’ (1940). O título, diz Adolfo: ”Além de fazer referência ao meu amor pela obra de Porter, é também pelo número de vezes que ele usa a palavra love nas canções. Só aqui são quatro. Quero acrescentar que, coincidentemente, as músicas ficaram em ordem alfabética, a mesma ordem que usei para criar os arranjos e gravar”.

Os músicos pertencem a uma cena brasileira das mais ricas. São: Jessé Sedoc (trompete/flugelhorn), Danili Sinna (sax-alto), Marcelo Martins (sax-tenor/soprano/flauta), Rafael Rocha (Trombone), Lula Galvão (guitarra), Jorge Helder (baixo), Rafael Barata (bateria/percussão) e Dadá Costa (percussão).

Curiosidades Sobre Coler Porter

O compositor, pianista e letrista Cole Porter morreu há 60 anos e até hoje suas músicas são regravadas. Compôs inúmeros clássicos usando metáforas sobre sexo e drogas, numa época de muita repressão nos Estados Unidos. Morreu com a fama de ser o mais estiloso compositor da música norte-americana. Historiadores afirmam que só ‘Night And Day’ já bastaria para consagrar qualquer compositor. Mas, como ela, Porter tem dezenas de músicas, grande parte feitas para filmes de Hollywood e musicais da Broadway, que se tornaram clássicos americanos e internacionais. Segundo registros na imprensa, era rico e bissexual. Cole Porter amou homens e mulheres e lhes dedicou as suas melhores canções, como ‘Easy To Love’, inspirada pelo arquiteto Ed Tauch, e outras por sua mulher Linda Thomas, com quem foi casado por 34 anos.

Curiosidades Sobre Antonio Adolfo

Iniciou os estudos de música cedo, ainda criança. Em 1963 montou o Trio 3D, que acompanhou diversos artistas, entre eles Wilson Simonal, Carlos Lyra, Elis Regina e Claudete Soares. Atuou tanto em festivais quanto em trilhas de novelas, obtendo sucesso com ‘Sá Marina’ e ‘Teletema’, entre outras, em parceria com o já saudoso Tibério Gaspar. Atualmente, vive entre o Brasil e o exterior, desde os anos 1970. Na década de 1970 foi pioneiro na gravação e distribuição independente de disco, que hoje se tornou padrão. Seu LP ‘Feito Em Casa’ (1977) teve todas as etapas feitas por ele, desde a gravação até a venda em lojas.  Além de trabalhar com alguns dos nomes mais icônicos da MPB, Antonio Adolfo também é educador, ensinando música por todo o mundo. Em 1985 criou, no Rio de Janeiro, o Centro Musical Antonio Adolfo.

Ultimamente, tem gravado discos com trabalhos autorais dedicados a compositores como os CDs Bossa65 – Celebrating Carlos Lyra and Roberto Menescal (2023) e Jobim Forever (2021), com a obra de Tom Jobim. Alguns dos seus álbuns foram indicados ao Grammy e Grammy Latino, como Rio Choro Jazz (2014), Tema (2015) e Jobim Forever (2021). Este último, como melhor álbum de Latin Jazz”.

 

SERVIÇO

Love Cole Porter, Antonio Adolfo

Plataformas digitais: Deezer, iTunes e outras

www.antonioadolfomusic.com

Mácleim: um arquiteto da música

1 de julho de 2024 5:27 por Geraldo de Majella

Mácleim | Reprodução

Por Geraldo de Majella

O cantor, compositor e jornalista Mácleim Carneiro (1958) nasceu em Murici, cidade da Zona da Mata alagoana. Estudou Arquitetura na Universidade Federal de Alagoas (Ufal), mas, no último ano, deixou o curso. Entre a profissão de arquiteto e a música, não vacilou: ficou com a segunda. Em 1983, saiu de Maceió para o Rio de Janeiro, onde descobriu novos horizontes, trabalhou, estudou e se apresentou em muitos palcos no Brasil e em outros países.

Os Festivais de Música Universitária organizados pelo Diretório Central dos Estudantes (DCE) da Ufal revelaram cantores e compositores como Mácleim Carneiro num período de pressão exercida pelos órgãos de controle, como a censura da Polícia Federal. Mesmo assim, o DCE não deixou de realizar os festivais.

O palco tem um significado mágico para os artistas e, com Mácleim, não foi diferente. “Foi no palco do Festival do DCE da UFAL, defendendo a minha música, que eu tive a noção exata de que era aquilo que eu queria”

Veja a entrevista de Mácleim Carneiro ao 082 Noticias:

082- Você estudava arquitetura na Ufal e participava dos festivais universitários de música. Em que momento a música ganhou da arquitetura?

Mácleim – Acho que tive a sorte e ao mesmo tempo a adversidade de viver o ambiente universitário em sua plena efervescência cultural, no final dos anos 1970 e começo dos anos 1980, ainda sob os estertores do regime militar, que campeou naqueles tempos ditatoriais. Tive a sorte, porque foi uma época onde os Centros Acadêmicos e os Diretórios tinham vida cultural e política altamente produtiva e atuavam pra valer. A adversidade ficou por conta do meu envolvimento naquela “farra” cultural, etílica e afins, literalmente falando. Ou seja, passei seis anos no curso de arquitetura fazendo música e sem um dia sequer pensar em formatura ou coisa que o valha.

Portanto, o Festival Universitário de Música de 1981 foi o caminho natural para que eu encontrasse a minha vocação e soubesse, definitivamente, que, como diz a canção do Herbert Viana, ‘àquela altura arquitetura era uma loucura’. Bastou-me um quarto lugar no antológico Festival, que originou o polêmico e censurado LP, para eu ter a certeza de que a única maneira de não me tornar um arquiteto medíocre seria focar na música que eu fazia e que havia descoberto como vocação, o que é absolutamente diferente de talento ou aptidão.

Então, foi assim que a música me fez abandonar o curso de Arquitetura e em 1983 pegar um ônibus rumo ao Rio de Janeiro, pela primeira vez, e por lá ficar por oito longos anos de dificuldades e aprendizados. Jamais me arrependi, porque sabia que como arquiteto eu não poderia produzir uma arquitetura popular de qualidade, pelas condições que o poder público oferecia e, tampouco, fazer a arquitetura que me satisfizesse, pois jamais iria me submeter aos caprichos de uma elite endinheirada, fútil e brega por natureza. Então, fui cuidar de somar experiências que tornassem minha música algo muito melhor do que eu. Foi assim!

O Jazz III | Reprodução

082- Onde e como você passou a se interessar por música e quem foi o seu mestre?

Mácleim – Entendo que para ser verdadeiro, na arte que proponho, tenho que buscar minha origem cultural e da minha aldeia, como bases primárias, para só depois pensar em expandi-la por meio do acúmulo de vivências e experiências cosmopolitas ou não. Portanto, foram os repentistas e emboladores de coco, nas feiras livres de Murici, quem primeiro despertaram em mim o interesse pelo o que eu ouvia e entendia como algo simples e ao mesmo tempo complexo. Na verdade, só mais tarde pude entender toda riqueza e complexidade musical do que faziam.

Também, nessa época, Murici tinha um sistema de alto-falantes distribuído pelas esquinas da cidade, onde se ouvia de Luiz Gonzaga a Nat King Cole, passando por Jacinto Silva, Jackson do Pandeiro e uma infinidade de artistas populares, que vinham da ‘era do rádio’, além dos mais jovens, que resvalavam na jovem guarda e no tropicalismo. Em casa, meus pais sempre tiveram bom gosto musical e sou imensamente grato a eles, porque foram me educando esteticamente, para fruir e saber distinguir o que é boa música do que não tem a mínima possibilidade de ser. Então, foram esses os meus primeiros mestres, Primeiros, porque sempre estarei em processo de aprendizado e atento aos mestres de agora e aos que o futuro me reserva.

082- A música estava presente no dia a dia do seu núcleo familiar?

Mácleim – Sim, todas as noites o meu pai, após o jantar, ouvia música. Ouvia os discos que estava sempre comprando e pondo para tocar numa radiola, que tinha um mecanismo para armazenar até seis LPs, que iam caindo no prato, um por vez. Eram momentos inspiradores e de puro deleite para mim, porque, apesar de ser bem eclética a discoteca dos meus pais, a sensibilidade e o gosto musical dos dois eram bem apurados. Aliás, posso afirmar isso com bastante certeza, pois, já adulto, tive acesso à coleção de LPs deles e pouquíssima coisa tive vontade de descartar. Além disso, minha mãe cantava divinamente, afinada e com nuances melódicas que não se vê mais, nesse mar infernal de melismas, drives, glissandos e vibratos.

082- Passados mais de quarenta anos dos festivais universitários de música, o que eles representaram para a sua formação como músico?

Mácleim – Como eu já disse, a minha participação nos festivais, ou especificamente no Festival Universitário de Música da UFAL, de 1981, representou um ponto de inflexão na minha vida, uma luz que pôs foco no que eu queria ser e fazer da minha trajetória profissional, nessa seara tão difícil. Depois dele, continuei participando de festivais competitivos ou não, porque gostava do ambiente onde raramente havia rivalidades de fato. Geralmente, era uma camaradagem que rolava entre músicos, artistas, compositores e técnicos, onde a música por si falava mais alto e acima de pequenos e mesquinhos interesses. Contudo, comecei a ganhar repetidamente alguns deles, aqui no aquário, o que provocou reações nada louváveis de certos colegas e alguns gestores, em contraponto ao que sempre busquei ao participar dos festivais. Daí, desisti deles e fui cuidar da produção dos meus álbuns e trabalhos em outras cenas.

082- Alagoas, como disse Gilberto Gil, lhe deu régua e compasso?

Mácleim – Se eu for buscar essa resposta por um viés apenas cognitivo e absolutamente racional, eu diria que não. Alagoas nunca me deu régua e compasso! Aliás, não entendo e acho o ufanismo de alguns artistas locais, no mínimo, uma falta de alcance simplória, que beira a conveniência vantajosa e uma falta de visão da Alagoas profunda, que ignora as nossas mazelas políticas e sociais e os coloca num patamar de provincianismo alienante, parelho ao ridículo implícito à “terra dos marechais”. Porém, se o meu olhar for pela força e resiliência da nossa cultura popular e seus artistas e brincantes, ignorados e relegados a uma insignificância burra e elitista, então, recorro sempre a esse rico universo e suas réguas e compassos imprescindíveis traçaram parte do que sou e proponho de belo e orgânico no meu trabalho.

Café Intercom | Reprodução

082- O curso de Arquitetura foi um celeiro de músicos e compositores na virada da década de setenta para os oitenta?

Mácleim – Sim, o curso de arquitetura era o que tínhamos de mais próximo a um academicismo artístico. Não tínhamos faculdade e sequer conservatório de música, à época. Portanto, era natural que pessoas, assim como eu, que já tinham a música como feitio de arte, fossem para arquitetura, porque era o que tínhamos como expressão artística na academia. Ao menos foi assim para mim. E o Festival Universitário de Música da Ufal de 1981 provou isso. As primeiras classificações ficaram com o curso de arquitetura. Fomos o curso mais premiado do festival. Na época, foram protagonistas o Pedrinho Batata, Nelson Braga e eu, todos alunos de arquitetura. Claro, isso provocou certa inveja, por exemplo, aos concorrentes da Engenharia, pois, além de tudo, arquitetura também era um oásis de mulheres bonitas e perfumadas, oriundas da burguesia aquariana.

082- Quem eram os seus parceiros musicais e quais foram os grupos musicais formados entre os estudantes de arquitetura e nos demais cursos da Ufal?

Mácleim – Olha, lembro-me apenas do que fizemos e dos parceiros do curso de arquitetura. Criamos o Beira Banda da Lagoa, que tinha o Nelson Braga, o Jatiúca e eu, do curso de arquitetura, e mais os músicos profissionais Zé Barros, Carlinhos Guaraná e o Marquinhos Teclado, que não eram universitários. Esses foram os meus primeiros parceiros musicais e o Beira Banda foi uma experiência interessante, à época. Certamente, foi a primeira banda híbrida do aquário, com uma trajetória bem singular, mas essa é uma outra e longa história.

Com Hermeto Pascoal e Nelson da Rabeca| Reprodução

082 – Quando e em que ano você decidiu morar no Rio de Janeiro?

Mácleim – Em 1983 eu decidi abandonar o curso de arquitetura, o Beira Banda da Lagoa e ir morar no Rio de Janeiro. Na época, a grande vitrine para quem tinha alguma pretensão de carreira artística e musical. Pelo ponto de vista de resultados de visibilidade nacional (que alguns chamam de sucesso), eu escolhi o pior momento para fazer essa mudança de latitude. Era o começo da ascensão do rock brasuca, das bandas que até hoje estão aí, e eu estava na contramão disso tudo, com uma música personalista e pouco ou nada rock and rol. Meus êxitos foram outros e bem mais plurais. Chegou um momento em que abri mão de tentar mostrar a minha música e fui atuar e, sobretudo, aprender e criar musculatura em outros campos, como o teatro, estúdios de gravação e ensaios, produção de jingles e etc., porém, sempre tendo à música como matéria-prima, como é hoje o meu trabalho na rádio Educativa FM e na coluna Depois do Play.

082- A sua obra musical é essencialmente composta por temas alagoanos. Onde entra a sua Murici?

Mácleim – Algumas das minhas canções mais conhecidas têm sim recortes da nossa cultura popular, da qual me aproprio com o mais absoluto respeito e admiração. Porém, a minha obra musical não é essencialmente composta por temas alagoanos, muito pelo contrário, é muito mais plural e cosmopolita, traduz uma visão de mundo que hoje tenho e que, paradoxalmente, me foi ofertada exatamente pela música que faço e me levou a sair da ‘bolha aquariana’ e conhecer os mais variados públicos de alhures. Murici entra na base de tudo isso. Embora desconheça a minha música e a minha obra, pois não cabe mais no que um já foi para o outro. Portanto, é natural que não saiba valorizá-la. Aliás, todas as vezes em que tentei mostrar o meu trabalho por lá, nunca fui bem-sucedido.

Mácleim e Nelsinho Braga | Reprodução

082- Você fez muitos shows em países do continente europeu. O que ficou como aprendizado?

Mácleim – Sim, por alguns anos seguidos a música me levou para alguns dos melhores palcos e festivais internacionais, sobretudo, na Europa, onde tenho dois álbuns lançados por selos europeus. Musicalmente falando, será sempre um grande aprendizado o encontro e comunhão entre músicos de diversas culturas, por meio dessa linguagem universal que a música nos proporciona. Da mesma forma, você ter o retorno de públicos que não lhe são familiares, que estão ali por causa só e somente só da música que você faz, sem a necessidade dos tapinhas nas costas, depois do show, mesmo que não tenham gostado. Será sempre um aprendizado e um norte para avaliação imparcial do que você propõe musicalmente, pois não cabe a ilusão do compadrio. Além disso, o contato com outras culturas é uma experiência de vida e aprendizado, que fortalecem e ressignificam a importância da música, enquanto arte que conecta quando verdadeira e não apenas pelo propósito.

082- Quem são os seus parceiros alagoanos e de outros lugares?

Mácleim – Não sou um cara de muitas parcerias no exercício de criar canções. Gosto do fazer solitário, talvez, porque sempre trago para mim a responsabilidade do que faço. Porém, as que tenho são poucas e boas! Na verdade, o meu entendimento do que seja ter parceiros e parceiras é bem amplo. Por exemplo, todos e todas que estão envolvidos na realização do meu próximo show, na abertura do Festival de Inverno do Café do Sobrado, são parceiros e parceiras atuais e imprescindíveis. Aliás, a música é uma das poucas artes abertas ao coletivo. Ela possibilita que vários outros protagonistas agreguem imenso valor ao que propomos. Quando essa ficha caiu, descobri que tenho um infinito mar de parcerias e possibilidades. Porém, sendo mais objetivo à sua pergunta, ao produzir o álbum ‘Esses Poetas’, tornei-me parceiro do Jorge de Lima, Lêdo Ivo, Jorge Cooper, Gonzaga Leão, Edvaldo Damião… então, posso dizer que estou muitíssimo bem de parceiros.

Em estúdio | Reprodução

Um convite especial

24 de junho de 2024 5:26 por Da Redação

Divulgação

Entendo que a expressão ‘convite especial’ nunca acontece à toa, e o adjetivo reflete exatamente o propósito do substantivo.

Portanto, ser convidado para abrir a temporada do Festival de Inverno do Café do Sobrado, sobretudo, tendo o privilégio e o conforto absoluto de ser acompanhado pelas feras do Clube do Jazz, é mais do que um convite especial para mim.

Entendo, também, que coisas boas devem ser expandidas e socializadas, sempre que acontecem.

É por isso que o meu ‘convite especial’ é para nos encontrarmos lá, para que tenhamos uma noite ‘especial’, onde a música será guia e tecerá caminhos e momentos singulares e inesquecíveis.

No +, MÚSICABOAEMSUAVIDA!????????????

 

SERVIÇO

Mácleim e Clube do Jazz Maceió

Quando: 06 de julho (sábado)

Onde: Café do Sobrado – Rua Epaminondas Gracindo, 330 – Pajuçara

Horário: 20:00

Valor: R$65,00 – ingressos individuais – mesa para 2 ou 4 pessoas

Para adquirir: (82) 99622-1413

Falar com Evelyne

Massayó de araque

16 de junho de 2024 4:01 por Mácleim Carneiro

 

“O Canto Que Vê”, de Pedro Cabral/Reprodução

Por Mácleim Carneiro

Peço permissão para abrir uma exceção nas resenhas costumeiras e trazer um tema bastante factual em sua sazonalidade, que não deve ser varrido para baixo do tapete. Dito isso, não me causou espanto ler o parágrafo abaixo, pulverizado em alguns sites da internet.

          “A Prefeitura de Maceió lançou na última terça-feira (16/04/2024) o São João Massayó 2024, durante o segundo dia da WTM Latin America. O evento vai reunir grandes nomes da música nacional e regional, como Wesley Safadão, Gusttavo Lima, Luan Santana, Bell Marques, Bruno & Marrone, Léo Santana e outros artistas”. 

Supondo um contexto paritário, sem espaços segregados e com a valorização da produção musical e dos artistas locais dedicados à música regional, tal notícia seria até alvissareira e bem-vinda. Eu jamais iria! Porém, já vi coisas piores acontecerem nesse país. Entretanto, como um déjà vu recalcitrante da atual gestão municipal, ficam evidentes algumas questões em tão poucas linhas do parágrafo em questão. Basta uma leitura desapaixonada e atenta ao que, aparentemente, parece ser subliminar, embora os fatos clamem por si.

Sistema Maquiavélico

Seguramente, o que salta aos olhos e chama a atenção do mais desavisado leitor, são os nomes dos artistas e seus respectivos gêneros musicais, contratados a peso de ouro, para usurparem os palcos da nossa quadra junina. Os citados acima, são apenas uma pequena fração de um total de 60 artistas. Suscitam, no mínimo, uma pergunta simples e basilar: o que a música deles traz para os festejos juninos, a não ser a descaracterização do que deveria ser respeitado pela tradição e singularidade culturais? Infelizmente, a resposta envolve todo um sistema maquiavelicamente implantado, numa cadeia de negócios e interesses políticos, cujos elos vão desde gestores, produtores e artistas viciosos, passando pela complacência conivente da maioria dos veículos de comunicação, até chegar ao incauto público que, de maneira geral, corrobora a mediocridade e, sem se aperceber, abre mão do que lhe é mais caro: sua identidade cultural.

A hipocrisia chega ao ponto de tentarem dar um quê de histórico-cultural à descaracterização da nossa mais importante festa popular, apelando até para a origem etimológica da palavra Maceió. As tentativas de maquiar o pernicioso engodo político, promovido pela atual gestão do nosso aquário, jamais serão bastantes para mascarar, por exemplo, que dos 60 artistas contratados, para os palcos principais, apenas 16 (0,26%) são alagoanos e só três ou quatro destes (0,25%) legítimos representantes da música regional nordestina. Portanto, deturpar e escantear o âmago musical dos festejos juninos e os seus respectivos artistas locais, em sido a “política cultural’ da atual gestão municipal, a um custo altíssimo, estimado esse ano em R$ 16 milhões, apenas em cachês de artistas que nada simbolizam e nem representam a música regional nordestina.

Transgressores Ideológicos

A gastança, sobretudo agora em ano eleitoral, tem sido justificada pela Prefeitura com base numa pesquisa, pra lá de duvidosa, sobre o ‘Impacto Econômico do São João Massayó’ contratada pelo não menos duvidoso ‘trade turístico de Maceió’. Pois bem, tal “pesquisa” apontou retornos financeiros da ordem de três dígitos de milhões no São João de 2023, o que justificaria o discurso perdulário de um ‘São João para turistas’, excludente e nocivo à música regional nordestina e, sobretudo, aos artistas locais.

Não obstante, alvíssaras! Acabo de ser informado que no estacionamento da Secretaria Municipal de Saúde serão entocadas apresentações de forrozeiros, artistas locais e manifestações da cultura popular. Sinceramente, não creio que pesou a consciência do alcaide instagramável e por isso tenha lançado migalhas ao estacionamento. Não acredito na doçura em pé de jiló! A Prefeitura de Maceió é reincidente em descumprir a Lei Municipal Nº. 7.077, que determina que 50% da totalidade dos valores gastos na contratação de artistas, para apresentações e/ou manifestações culturais, devem ser obrigatoriamente alocados para a contratação de artistas locais. Também, não acredito ser essa (o cumprimento da lei) a motivação do alcaide para o puxadinho no estacionamento, já que o perfil de sua Excelência e sua base política não são exatamente perfis republicanos. O cumprimento às leis e aos compromissos firmados não fazem parte da cartilha dessa gente, são, por índole, transgressores ideológicos.

Portanto, resta-me supor que temos de volta a teoria da Casa Grande e Senzala, travestida na hipocrisia do alcaide e atribuída a certos senhores do folclore alagoano que, aos brincantes convidados para apresentações em seus terreiros, faziam distinção entre a porta da frente e a porta dos fundos.

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Ciúmes

31 de maio de 2024 8:33 por Da Redação

Reprodução

Gosto do que disse Robert Walser (foto), o escritor suíço que escreveu mais de mil contos, nove romances e era admirado por Kafka, por exemplo.

Encontro paralelos na seara da música, para o que ele falou e que eu assinaria sem pestanejar:

“Dos clássicos nunca tive ciúmes. Pelo contrário, tenho é ciúmes de escritores de segunda linha. Pois assim como eles eu também poderia contar histórias cômodas e burguesas”.

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Bois de minh’alma

27 de maio de 2024 2:59 por Da Redação

Reprodução

Nós morávamos na Rua do Comércio, a rua principal da parte baixa da cidade que, após a destruição provocada pela enchente do rio Mundaú em 2010, não existe mais como comércio.

A Rua do Comércio, por óbvio, era onde se localizavam as melhores lojas, mercearias, padaria, bares, banco, farmácias, o Mercado Público, o Farinheiro, a Biblioteca Pública Municipal e, um pouco mais adiante, o único cinema da cidade.

Porém, era também a via por onde, obrigatoriamente, aos sábados, passava o gado conduzido por vaqueiros, para o abate no Matadouro Público da Rua da Floresta, para depois ser comercializado, aos pedaços, na feira que acontecia aos domingos.

Com antecedência de minutos, geralmente, um vaqueiro adentrava à Rua do Comércio avisando que a boiada estava chegando, mesmo assim, invariavelmente, a maioria dos comerciantes era pega de surpresa.

Sobretudo, porque entre a boiada que se deixava conduzir pacificamente (tipo o gado patriota), tinha sempre um boi “rebelde”, que causava o maior fuzuê na Rua do Comércio, invadindo lojas, botando para correr pedestres distraídos e, revolucionariamente, recusando-se a ser conduzido e abatido mansamente, como os demais bovinos.

Poxa, como eu admirava o comportamento rebelde daqueles animais, que provocavam em minha inocência juvenil um sentimento de rebeldia e liberdade, uma certeza de não aceitar docemente ou acriticamente o que me era imposto, e uma vontade de lutar até o fim por aquilo que eu acreditava ser o certo a fazer.

Pode ser até que depois de abatidos e a carne comercializada no mercado público, partes daqueles bois inconformados fossem parar no meu estômago, digeridas e depois seguissem alimentando os schistosomas do Mundaú.

Porém, o comportamento rebelde daqueles animais alimenta até hoje Minh’alma.

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Subindo a Régua

7 de maio de 2024 9:42 por Mácleim Carneiro

 

Cortesia

Ultimamente, tem ocorrido uma onda de shows comemorativos à longevidade de carreiras artísticas e até carreiras fonográficas. Claro, no aquário temos os nossos efeméricos artistas, que adoram essa onda datada. Porém, o grupo vocal Flor de Mandacaru foi além do próprio umbigo e fez do belíssimo e emocionante show ‘Cantam Marias e Clarices’ um admirável espetáculo de resistência e consciência democrática, apontando, por meio de um vigoroso repertório e detalhes significativos ao todo do espetáculo, as feridas abertas pela ditadura militar, que ainda não estão cicatrizadas, apesar de 60 anos do fatídico golpe civil-militar, que mergulhou esse país solar em mais de 20 anos de obscuridade, torturas, mortes e truculências.

Cleane Cavalcante, Denise dos Anjos, Maria Costa, Rosiana Soares e Wedna Miranda são as pétalas que dão luz e vida ao Flor de Mandacaru. São, ao mesmo tempo, resistência e resiliência necessárias ao propósito de subir a régua sensorial e cognitiva, cuja mediocridade generalizada insiste em baixar e estabelecer. Conheci o grupo em 2018 no show ‘Mães da Canção’, outro belo espetáculo conceitual, que já apontava a linha de atuação do grupo, onde pesquisa musical e substanciosas opiniões norteiam o resultado do que será ofertado ao público.

Cortesia

Empoderamento Feminino

Alicerçadas por uma banda impecável, sob a direção musical e arranjos do competentíssimo Félix Baigon, o Flor de Mandacaru, do alto do seu empoderamento feminino, artístico e musical, realizou em ‘Cantam Marias e Clarices’ um espetáculo inesquecível, catalizador de lembranças, sentimentos e emoções, que transformaram o palco do Teatro Deodoro – sem adornos cênicos desnecessários – num espaço sincrético, para o amalgama de várias expressões artísticas, políticas, históricas e culturais.

Tendo como base um repertório repleto de clássicos do cancioneiro brasileiro, que em momentos cruciais da nossa história política tornaram-se hinos de resistência e luta, as interpretações coletivas e individuais dessas belas mulheres do Flor de Mandacaru foram por vezes viscerais e orgânicas, outras tantas compenetradas e atentas, porém, jamais contidas por questões técnicas ou algo que o valha. Ressalte-se, ainda, os arranjos fidelíssimos à originalidade das canções de alguns dos maiores compositores desse país, como Chico Buarque, João Bosco e Aldir Blanc, Belchior, Gonzaguinha, Raul Seixas, Ivan Lins e Victor Martins, Edu Lobo, Gilberto Gil, Sergio Sampaio, Caetano Veloso, que conferiram ao espetáculo profissionalismo e absoluto respeito às obras imortais.

Particularmente, fiquei muito feliz em perceber que as meninas do Flor de Mandacaru, ao longo da trajetória e existência do grupo, têm evoluído e galgado patamares do aprimoramento técnico, artístico e vocal, num caminho auspicioso, onde a cada novo espetáculo criam uma nova expectativa para o porvir e a certeza de que continuarão a cantar por todas as Marias e Clarices desse país.

No +, MÚSICABOAEMSUAVIDA!!!!

Dia Internacional do Jazz

30 de abril de 2024 1:18 por Da Redação

Pela segunda vez,  tenho a honra  e o imenso prazer  em participar  das comemorações do International Jazz Day, uma iniciativa promovida pela Unesco, que celebra a união e a paz  dos povos, por meio desse gênero musical.

Portanto, o Clube do Jazz Maceió e o Jazz Panorama, generosamente, possibilitam-me  fazer esse convite especial a você,  para uma noite inesquecível, com artistas e músicos maravilhosos (foto), que têm  o dom de alimentar nossas almas, com a música ofertada pelos deuses apolíneos.

Serviço:
Jazz Panorama ao Vivo – International Jazz Day 2024
Data: Terça-feira, 30 de abril
Hora: 20 horas
Local: Centro Cultural Arte Pajuçara
Ingressos: Inteira – R$ 100,00; Meia: R$ 50,00.
Vendas antecipadas online através de link no site: jazzpanorama.com

Antídoto Circular

26 de março de 2024 11:18 por Mácleim Carneiro

Divulgação

Qual a grande diferença da música instrumental em relação, digamos assim, à convencional, à música com letra e cantada? Sob determinado ponto de vista, aparentemente, seria o paradoxo da naturalidade objetiva, pois a música instrumental não precisa da intermediação das palavras, nem para o bem nem para o mal. Então, por que, na maioria das vezes, ela parece ser tão incompreensível ao gosto do ouvinte leigo aos meandros de uma música mais elaborada?

A audição do álbum instrumental, ‘Circular’, do baterista alagoano Carlos Ezequiel, nos permite espargir uma luz conveniente e aprazível na direção de uma melhor compreensão dessas questões interrogativas. Sabemos que o maior e mais receptivo mercado para a música instrumental ainda é o dos Estados Unidos, mas o músico brasileiro, na hora de produzir e gravar os seus trabalhos, nunca deu muita bola para essa realidade mercadológica. Vai em frente e realiza, mesmo que ainda seja para poucos e bons apreciadores do refinamento musical em texturas e climas sensoriais.

Lampejos Apolíneos

Circulando com Carlos Ezequiel neste trabalho, estão músicos que dialogam na mesma sintonia, embora com sotaques linguísticos e musicais diferentes. Aliás, dialogar na mesma sintonia é uma característica da música instrumental, sobremaneira. Não há colóquio musical sem afinação na interação dos protagonistas, o que os coloca no mesmo patamar e evita abismos e diferenças intransponíveis. Por isso, ‘Circular’ conta com o talento de músicos como o norueguês Lage Lund (guitarra), o americano David Binney (sax), e os brasileiros Gui Duvignau (contrabaixo acústico) e Gustavo Bugni (piano). Eles gravaram todas as faixas do álbum em duas sessões ao vivo, sem overdub, sem emendas. Todos eles na mesma sala, de uma só vez, como recomenda os melhores manuais jazzísticos, tipo: um, dois, três; valendo! Essa atmosfera está presente em cada faixa e é perceptível em nuances e dinâmicas, deslocamentos e métricas, conceitos e polirritmias próprias ao espírito criativo, onde a individualidade acontece a serviço do todo e o todo se rende ao prazer da individualidade improvisatória nos lampejos apolíneos.

Carlos Ezequiel

O baterista alagoano, desde cedo, quando em 1996 foi estudar na Berkeley College, já estava decidido a interagir com outras possibilidades musicais e assumir uma carreira como compositor, tendo em vista a perspectiva de atuar não apenas como sideman. Ele sabia, por exemplo, que Charles Parker, na década de quarenta, já gravava com grupos cubanos. Que o Vitor Assis Brasil tocava elementos jazzísticos em música brasileira e ninguém podia dizer que aquilo não era música brasileira. Ou ainda, que o Villa-Lobos fez Bachianas Brasileiras, e não tem nada mais mesclado do que juntar Bach com a cultura nacional. Carlos Ezequiel, ou simplesmente Carlinhos, como é carinhosamente conhecido, foi em busca do que acreditava. Ele viu, vivenciou e hoje consegue se expressar por esse viés. ‘Circular’ tem muito dessa linguagem, de um hibridismo universal proposital e consciente!

Polirritmia Circular

A faixa quatro, ‘Circular’ (Carlos Ezequiel), que não por acaso dá título ao álbum, é perfeita como exemplo prático da riqueza de detalhes híbridos, implícitos a ela. O tema é um velho e bom baião em 2/4, porém, o groove se desloca circularmente. Daí o título do baião e do álbum! Com isso, como acontece na música africana, abaixo do Saara, o tema vai trocando o ponto de partida nos três tempos do baião, do primeiro ataque para o segundo e depois para o terceiro. Daí volta tudo, criando um deslocamento, uma polirritmia circular. Sem dúvida, isso a torna um tanto complexa, não por uma questão de dificuldade técnica na execução, mas porque altera a maneira de organizar a música, o que obriga aos músicos saírem da zona de conforto a que estão acostumados.

Das oito faixas de Circular, cinco são de Carlos Ezequiel e três do pianista Gustavo Bugni. Fica evidente que o cerne dos temas, de um e de outro, são distintos, mas preservam uma identidade lógica, que os aproxima em prol da unidade do álbum; o que leva a supor que ambos têm a noção de perspectiva. Ou seja, àquela noção de saber de onde viemos e de saber que caminhos escolher, se soubermos àqueles que os outros trilharam. Circular é um antídoto fortíssimo, uma vacina para este país musical, que a cada dia se torna um país mais surdo, porque as pessoas parecem ouvir mais a mesma música, e assim ouvem menos música na verdade.

No +, MÚSICABOAEMSUAVIDA!!!

Serviço
Circular, Carlos Ezequiel
Plataformas digitais: Spotify, Deezer, iTunes

 

SARRAFO ALTÍSSIMO

22 de março de 2024 2:18 por Da Redação

Reprodução

O pequeno e acolhedor jardim de um sobrado, localizado pertinho da “praça do Rex”, na Pajuçara, rapidamente tornou-se o ponto de referência para fruição de música substantiva no aquário.

Essa tarefa coube ao Clube do Jazz e à sensibilidade empresarial e artística da Eveline, criadora do Café do Sobrado.

Essa última quinta-feira foi mais uma daquelas noites onde pude sair de casa convicto de que iria alimentar a alma, com mais uma performance impecável do Clube do Jazz e do convidado especial, o grande trompetista brasileiro Joatan Nascimento.

Um músico, quando atinge a plenitude da sua expressão musical, sobe o sarrafo na altura do que nos proporcionou o mestre (também no sentido literal) Joatan Nascimento, àquela noite.

A começar pelo repertório jobiniano (só para os que têm musculatura musical), Joatan encantou, com um fôlego juvenil e embocadura perfeita, para o domínio e técnica singular do fluguel e trompete, em improvisos fantásticos, criativos em melodias, fraseados de leveza e dinâmicas precisas, que eternizavam segundos, minutos e momentos.

Obrigado aos mestres (foto), que ratificam a espiritualidade e transcendência da música que toca a alma.

Foi uma noite especial e inesquecível!

No +, MÚSICABOAEMSUAVIDA!!????????????

Beira-mar femininamente profunda

11 de março de 2024 12:55 por Da Redação

Divulgação

Às vezes, a capa de um álbum é tão sugestiva, que o conteúdo guardado por ela, literalmente, salta aos olhos. Outras vezes, são tão enigmáticas as possibilidades, que o conteúdo se torna uma incógnita e, por isso mesmo, tão atrativo quanto à primeira possibilidade. No caso específico, o álbum Cantos à Beira-mar – a poesia de Maria Firmina dos Reis na música de Socorro Lira – é o 12º álbum de uma compositora, poeta, cantora e produtora musical paraibana, que atua num circuito cultural de um Brasil profundo, sem maquiagens, de relações e ações verdadeiras. Portanto, amodal. Pois bem, a arte da capa é de um simbolismo poético, que se revela por inteiro: uma imagem de mulher em negativo preto, que logo será ratificada ao aprofundarmo-nos aos pilares da obra, como a sussurrar ao ouvido de outra mulher, que sabemos ser Socorro Lira, poemas e poesias que arejam e fecundam a criatividade da artista paraibana, num sopro fértil do passado. Portanto, na semana em que se comemora o Dia Internacional da Mulher, a nossa coluna Depois do Play não poderia ter melhor e mais significativo álbum a ser analisado.

Mas quem são essas personagens, que fornecem a estrutura basilar para esse belo trabalho, que, por ser belo e verdadeiro, é por demais brasileiro e não será encontrado na mídia e nos veículos difusores da música hegemonicamente oca? A primeira, Maria Firmina dos Reis (1822-1917), foi uma escritora e poeta negra, que nasceu há dois séculos, no Maranhão, cujo centenário de sua morte aconteceu em 2017. Ela é considerada a primeira romancista brasileira, pois, dez anos antes de Castro Alves ter lançado o seu romance Navio Negreiro (1869), ela lançou o romance antiescravista Úrsula, em 1859. Ela também foi professora e faleceu aos 95 anos em Guimarães, no interior do Maranhão.

Socorro Lira, assim como Maria Firmina, é nordestina. Nasceu no sertão da Paraíba, na zona rural de Brejo do Cruz. É, sobretudo, uma ativista cultural e, como tal, criou o Projeto Memória Musical da Paraíba – PMMP. O que lhe possibilitou trabalhar com artistas e grupos de cultura popular naquele Estado, registrando manifestações populares em quatro CDs e um documentário. Outro projeto que ela criou e toca desde 2014, é o Prêmio Grão de Música, onde assina a direção artística. Além disso, Socorro Lira mantém uma agenda regular de shows pelo Brasil e já se apresentou em vários países dos continentes europeu, africano, asiático e latino-americano. Portanto, é mais uma artista brasileira que ratifica o que escreveu Aldir Blanc, em Querelas do Brasil: “O Brazil não conhece o Brasil.”

Projeto de Fôlego

O álbum Cantos à Beira-Mar é o resultado expandido do que é o EP denominado Seu Nome. Nele, a compositora acrescentou mais seis temas inéditos e ampliou sua homenagem à poeta maranhense, amalgamando mais música e feminilidade às artes e à poesia que nos chega de um tempo tão distante. Porém, o embasamento dessas obras é muito maior e mais ousado! Tudo começou em outubro de 2017, lá em João Pessoa, num encontro de mulheres da literatura, o ‘Mulherio das Letras’, onde a homenageada do evento era Maria Firmina dos Reis. Lá, Socorro Lira recebeu a proposta de musicar poemas de Firmina. A compositora aceitou o pedido e assim surgiu uma compilação de quatro canções que deram origem ao EP.

Ocorre que o resultado da iniciativa agradou bastante! Daí, nasceu o AvivaVOZ, mais um projeto de mulheres fortes, criativas e propositivas. Resultado: em 14 meses, Socorro musicou 102 poemas de dez mulheres poetas, que publicaram entre os séculos 18 e 20, no Brasil. Cantos à Beira-mar – que teve tiragem de apenas 500 exemplares físicos – foi o pontapé inicial desse material.

Socorro Lira. Divulgação

Feitas as devidas referências e necessárias apresentações, vejo que sobrou pouquíssimo espaço para o álbum em si, mas farei uma espécie de arremate resumido, com algumas considerações sobre ele. Primeiro, quando Socorro Lira se posiciona, nas redes sociais, como defensora de causas democráticas e das lutas femininas, ela ratifica em ação, por exemplo, na ficha técnica desse álbum. E, assim, traz participações femininas importantíssimas e competentes. Claro, a começar pela poesia de Maria Firmina, passando pela pesquisa das escritoras Maria Valéria Rezende e Susana Ventura, a arte da capa de Bernardita Uhart, até chegar às musicistas Ana Eliza Colomar (flauta e violoncelo), Clara Bastos (contrabaixo acústico) e Cássia Maria (percussão).

Protagonismo e Singeleza

Sem abrir mão do seu fiel escudeiro de longas datas, o violonista e compositor pernambucano Jorge Ribbas, que assina todos os arranjos e, certamente, foi o responsável pela arregimentação e pelos convidados especiais Ricardo Vignini (guitarra slide), Júlio Caldas (baixolão e cavaquinho) e Álvaro Couto (acordeon), todos com participações expressivas, que agregaram imenso valor a esse trabalho. Assim, Socorro Lira teceu um álbum de absoluta singeleza, onde, sabiamente, as melodias contemporâneas e o linguajar da verve poética de um século distante, foram priorizados, como deveriam ser, e tornaram-se protagonistas absolutos, com a cumplicidade efetiva dos arranjos, que proporcionaram a simplicidade economicamente necessária à construção dessa obra imprescindível à cultura nacional, por vezes tão invisível!

O álbum encerra com um baião, que nos remete a uma nostalgia não vivida, quiçá, do século 19, mas, que não impede sua desenvoltura melódica e rítmica totalmente contemporânea. Antes, passa por uma milonga dos pampas de Veríssimo, porém, tudo começa com um bolero de profundo cismar e pungente aflição, de doce langor, um tanto solene no volver envolvente, anunciando que algo bom começou e está ao nosso alcance, para deguste da nossa fruição! E tem samba, reggae, canção, fado, valsa e loa de maracatu. E há um mundo de motivos para conhecermos a musicalidade esculpida pela compositora, na pedra fundamental da poesia secular de Maria Firmina. “Porque a história é cíclica e o que tem consistência permanece. Porque ela fala de sua época como pouca gente falou, a partir do lugar de mulher, negra, sem posses, quando a escravização do povo negro ainda era legalizada neste país.” Sintetiza, maravilhosamente bem, Socorro Lira!

NO +, MÚSICABOAEMSUAVIDA!!!

Serviço 
Cantos à Beira-mar, Socorro Lira
Disco físico: à venda pelo site WWW.socorrolira.com.br/loja
Plataformas digitais: YouTube, Spotify, Deezer e etc.

 

 

Revolução feminina

8 de março de 2024 9:33 por Mácleim Carneiro

portalmulheramazonica.com.br/

Ratifico, para mim mesmo e todas as mulheres do grupo, neste dia tão simbólico, o meu ponto de vista de que a mulher moderna não é resultado da evolução feminina e sim da revolução feminina.

Evoluídas sempre foram!

A diferença é que a mulher contemporânea tem conquistado os espaços necessários à sua capacidade intelectual e humana.

Em última análise, somos nós, os caras-pálidas, que deveríamos estar atentos aos benefícios desta revolução, para que, genuflexos, possamos agradecer e comemorar esse dia tão singular e meritório.

Parabéns é pouco; é efêmero!

Gratidão é mais justo, imprescindível e carece ser eterna.

No +, MÚSICABOAEMSUASVIDAS!!????⚘️⚘️⚘️⚘️

Nem oito nem oitenta

15 de fevereiro de 2024 4:37 por Mácleim Carneiro

Foto: Reprodução/Instagram

O 8º lugar da Beija-flor foi expressivo, também, como quebra de paradigma do número 8, que no Tarô significa equilíbrio.

Como todos sabem, o alcaide Jotaglacê enterrou 8 milhões dos maceioenses no Carnaval do Rio de Janeiro desse ano. É muito dinheiro para o pífio desequilíbrio do resultado final.

Aliás, o número 8 representa ainda duas forças: a energia que vem da terra e sobe para o universo e a energia que desce para ser descarregada na terra.

No desfile da Beija-flor, percebia-se, claramente, uma ala branca de energias negativas.

No +, MÚSICABOAEMSUAVIDA!!!

Óh quarta-feira ingrata

14 de fevereiro de 2024 10:53 por Mácleim Carneiro

César Rodrigues

Da última vez que falei com o Leonardo Arecippo, ele estava na fase das pesquisas, para escrever um livro sobre os antigos festivais universitários de música.

Desde então, e já faz um tempo, não sei se ele concluiu esse importante trabalho.

Porém, o Facebook, em suas lembranças, me trouxe, por exemplo, essa imagem (foto), onde estão ao fundo o Felix Baigon, o Zé Barros, agachado, e, em primeiro plano, o saudoso César Rodrigues, grande vencedor de festivais, com seu timbre de voz poderoso e afinado.

Eram os anos 1980 e as páginas encardidas dos jornais registram um tempo que ficou para trás.

No +, MÚSICA BOA EM SUA VIDA!????????????

Maclein e Nelsinho no III Festival Universitário de Música

Som na Faixa

25 de janeiro de 2024 9:30 por Mácleim Carneiro

Reprodução

Com quase dois anos de atraso assisti a minissérie ‘Som na Faixa’ (originalmente, The Playlist), baseada no livro Spotty Untold, dos jornalistas Sven Carlsson e Jonas Leijonhufvud, cujo tema é a criação da principal plataforma de streaming Spotify.

Sim, é um relato de ficção, porém, fundamentado em fatos reais, onde os suecos Daniel Ek e Martin Lorentzon são as personagens principais, que decidiram revolucionar a indústria musical, lá no começo dos anos 2000, e criaram mais um truste, mais um braço do cartel da indústria musical.

Aparentemente, tudo o que aparece na tela tem a ver com o que de fato ocorreu na vida real.

Porém, o capítulo final foi dedicado à fictícia cantora Bobbi T, interpretada pela atriz e cantora sueca Janice Wakander, no papel de porta-voz de artistas como eu.

Para não me alongar e sem querer dar spoiler, a minissérie revela, detalhadamente, o que os fatos confirmam: o Spotify acabou fazendo um acerto com as grandes gravadoras, para resolver a questão da propriedade do uso dos fonogramas, dos royalties, onde todos eles acabaram ganhando, menos, mais uma vez, os artistas e produtores das obras.

Ou seja, o tal “novo modelo de negócio” contempla os mesmos de sempre, menos os músicos que, dessa vez, passaram a perder ainda mais do que antes.

Sem dúvidas, indico aos meus colegas da música, com algumas ressalvas e a clareza de que essa história está muito longe de um desfecho a nosso favor.

No +, MÚSICABOAEMSUAVIDA!!! ????????????

Nigromantes caetés

20 de janeiro de 2024 8:13 por Mácleim Carneiro

 

Divulgação

 

Resenhar o trabalho instrumental de três dos mais hábeis músicos aquarianos, significa que a Depois do Play começa o ano com o pé direito. Refiro-me ao EP ‘Música Ginga Brasileira’, da banda alagoana Nigros, que, embora tenha sido gravado entre os anos de 2022 e 2023, só em fevereiro será lançado pelo selo Poliphonia. Porém, eles já deram uma palinha do que vem por aí, quando subiram para as plataformas do streaming musical o single da faixa ‘Isca de Malícia’, em novembro do ano passado, durante as comemorações do mês da Consciência Negra.

Do latim nigru, como elemento de formação que exprime a palavra negro, o trio formado por Dinho Zampier (teclado e sintetizador), Ykson Nascimento (baixo) e Rudson França (bateria), foi buscar o nexo e a identidade pertinentes ao nome da banda, repleto de simbolismos e significados, que traduzem muito bem a música feita e proposta por eles nesse trabalho. Curiosamente, Nigro também é o nome de uma marca de panelas que, metaforicamente, teria todo sentido e utilidade, diante da mistura de sabores proposta pelo trio, que perpassa a musicalidade do berço africano, com seus batuques orgânicos e ancestrais, até chegar aos gêneros mais elaborados, como referências da música negra do Brasil e de alhures.

Power Trio

Em nossa latitude aquariana, são poucas, raras e boas as incursões e ousadias pelo universo da música instrumental. Entretanto, o resultado dos álbuns instrumentais, lançados no aquário, é altamente satisfatório. Mesmo que os rastros sejam curtos, conseguem ser marcantes o suficiente para iluminar os caminhos dos que se propõem a segui-los por esse gênero tão singular! Certamente, Dinho Zampier, que além de assinar os teclados e programações, assina a produção muitíssimo bem resolvida desse trabalho, sabe dos caminhos e atalhos e de como um power trio (formato de banda de rock popularizado na década de 1960) pode soar poderoso por si só ou em camadas.

Portanto, ele soube como ninguém escolher, para estreia fonográfica da Nigros, convidados que agregaram imenso valor à sonoridade da banda. Especialmente, pelo calor swingado de um naipe de metais, formado por Natan Oliveira (trompete e pífano), Ely do Sax (sax tenor), Jota Edson (trombone) e Siqueira Lima (trompete). Além disso, a já famosa e frutífera parceria entre Dinho Zampier e Cris Braun foi ratificada na faixa ‘Cafuné’ (D. Zampier), onde Cris faz os vocalizes e, quando o samba se faz mais samba, ela é exclamativa e manda o alerta: “segura o cafuné”!

Polirritmia

Sou daqueles que entendem: tudo o que nasce a partir de um conceito já tem meio caminho andado. Portanto, o EP ‘Música Ginga Brasileira’, seguramente, nasceu a partir de um belíssimo e intenso conceito: música negra alagoana/brasileira, feita por músicos negros caetés. Começando pelo conceito do que seja um EP, apenas seis faixas são ofertadas para o nosso deleite. ‘Banzo’ (D. Zampier) abre os trabalhos e faz jus ao significado da palavra, que lhe dá título. Ela tem uma tristeza melancólica em sua argumentação melódica e rítmica, arrematada pelo trompete de Natan Oliveira, inspiradíssimo no que já nos revelara Miles Davis. Na sequência, ‘Da Janela Pro Quintal’ (Ykson Nascimento e D. Zampier), o groove do contrabaixo de Ykson Nascimento é quem guia o trio pelos caminhos que, mais uma vez, são iluminados pelos improvisos do teclado de Zampier e do trompete, com surdina, de Natan Oliveira.

Em ‘Isca de Malícia’ (D. Zampier), aparece pela primeira vez o naipe de metais, alternando cama e melodia, dando o clima e a sensação de que a Black Rio passou por aqui e a Pantera Cor de Rosa (pelo fraseado sintetizado do teclado) seguiu sambando e funkeando até o fim do tema. Como que para anunciar que já estamos próximos ao replay da audição, ‘Afrobykson’ (Ykson Nascimento), além da nomenclatura autoral do baixista, brinca com a divisão e provoca uma interessante polirritmia, que arruma a casa para a curta e sincopada melodia do pífano de Natan Oliveira. Nossa oitiva chega ao fim, com a sexta e última faixa ‘Muvuca à Olivetti’ (D. Zampier). Por certo, uma bela e dengosa homenagem ao grande e saudoso maestro, arranjador, tecladista e produtor musical Lincoln Olivetti, onde o pífano dialoga com os metais e com as sonoridades propostas pelos teclados de Zampier.

Eu até poderia encerrar essa resenha de supetão, sem fade out, como terminam a maioria das faixas do EP ‘Música Ginga Brasileira’. Porém, antes, é preciso dizer que não tenho dúvidas de que esse trabalho marca a estreia e o porvir de uma jornada exitosa de três músicos talentosos, que se uniram em Nigros, para nos brindar com esse belo trabalho e ratificar que as ideias estão soltas pelo ar!

SERVIÇO
Música Ginga Brasileira, Nigros
Link para o single Isca de Malícia:
https://open.spotify.com/album/2bUwQmbdylccAIKx3qwtSq

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Dos livros que li – Tudo é Rio (Carla Madeira)

 

Não resisti ao canto da sereia e logo que terminei a leitura do Véspera, o terceiro romance da escritora mineira Carla Madeira, mergulhei fundo no seu primeiro sucesso editorial, o romance Tudo é Rio, lançado em 2014. Agora, só falta A Natureza da Mordida, publicado em 2018, mas esse é outro assunto.

Quando digo que mergulhei fundo, é porque, metaforicamente, foi como um mergulho em apneia, daqueles que você demora o máximo de tempo possível contemplando as belezas submersas e só volta à tona quando é imperativo respirar. Aí, você respira, enche os pulmões de ar e mergulha novamente, ávido para retornar às belezas e mistérios de um mundo habitado por personagens intrigantes e por uma realidade ilusória e magnética.

Triângulo Amoroso

Pois bem, bastaram-me dois desses mergulhos, para que eu desse cabo da leitura de mais um envolvente romance dessa escritora que, certamente, já tem o seu lugar garantido entre os autores de musculatura da literatura brasileira contemporânea. Esse é um daqueles livros que você pode indicar sem medo de causar qualquer tipo de decepção ou desencanto. Por isso, concordo plenamente com o que escreveu Martha Medeiros, em uma das orelhas do livro, referindo-se à habilidade da autora em “conduzir a trama para longe do lugar-comum e dominar o erotismo – ela narra o explícito sem ser vulgar, ela perturba e fascina, é atrevida e lírica”.

A trama, gira em torno do triângulo amoroso entre marido, mulher e uma prostituta, com variantes e férteis percepções individuais e coletivas, onde cada personagem revela faces e facetas desconhecidas, porém, previsíveis no escopo das aptidões e idiossincrasias humanas. Todavia, o que mais me encanta nesse belo romance é a inquestionável capacidade do refinamento da síntese poética, que volta e meia se revela no urdimento da prosa da autora.

Encanta-me frases assim: “Não disse nada, apenas ganhou a rua tentando caber no mundo”. Ou, ainda: “O perdão não muda o passado. O passado é eterno”. Por isso, depois de conhecer a obra de Carla Madeira, meu passado não carece de perdão, pois coube-me o mundo.

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Dos livro que li – Véspera (Carla Madeira)

Carla Madeira é uma autora mineira, que largou um curso de matemática e se formou em jornalismo e publicidade. Véspera é o seu terceiro livro, lançado em 2021, após o considerável sucesso do primeiro tudo É Rio (2014) e o não menos exitoso A Natureza da Mordida, lançado em 2018.

 

Véspera, é um romance envolvente, daqueles em que o leitor vai sendo enredado pela habilidade narrativa da autora e pela construção minuciosa das personagens. As 278 páginas são facilmente consumidas, pelo vai e vem do núcleo dos personagens, que se revezam brilhantemente em capítulos distintos. Esse tipo de estrutura funciona muitíssimo bem, posto que conduzida por uma escritora do naipe de Carla Madeira, uma artífice das palavras, que sabe capturar o leitor, como as redes capturam o peixe em alto mar.

 

Logo nos primeiros capítulos, a autora demonstra toda sua criatividade, usando as personagens bíblicas, Caim e Abel, como referências no desenrolar da trama, na qual, o pai, para se vingar da esposa, registra em cartório os nomes bíblicos para os filhos gêmeos, frutos de uma precária união matrimonial. A carga emocional que todos carregam, a partir da escolha do pai, para os nomes das crianças, tenciona o romance do começo ao fim.

 

Os vários núcleos de personagens se conectam entre si e fazem o todo da trama ser criativo, inteligente, envolvente e muito bem urdido. A certa altura do romance, a autora coloca em cena o abandono de uma criança de apenas seis anos de idade, deixada pela própria mãe na calçada de uma grande avenida. Esta, por sua vez, é casada com Abel, um dos gêmeos. Aliás, o que não falta nessa turma toda são problemas psicológicos, que delineiam a criação dos personagens.

 

Porém, engana-se quem pensar que Véspera é um romance duro, seco e frio. A prosa poética de Carla Madeira fica evidente no trato refinado das palavras e nas frases bem elaboradas e precisas. ”Tenho pra mim que o grande talento dele é a curiosidade, além do senso de humor, que é de longe a melhor inteligência que se pode ter.” Ou quando escreve: “A confirmação de uma suspeita é sempre um excesso de realidade”. Nesse caso, para mim, a suspeita sobre Véspera tornou-se uma deliciosa realidade!

No +, MÚSICABOAEMSUAVIDA!!!

Retroexpectativa

Divulgação

Desde meados de 2021, quando começamos a publicar a coluna Depois do Play, que ao final de cada ano fazemos um rápido balanço, um tipo de retrospectiva, uma espécie de prestação de contas aos nossos 14 leitores. Portanto, ao findar este ano bastante significativo, no qual tivemos um abjeto atentado à nossa democracia, mas pulamos essa fogueira e voltamos a respirar ares de liberdade e desenvolvimento democrático, social e econômico, onde a produção musical brasileira tomou novo fôlego e nos brindou com alguns álbuns arrebatadores! Não poderíamos deixar de ter o nosso retrovisor particular, para que a Depois do Play, a partir dos rastros dessa caminhada em 2023, continue firme no propósito de olhar adiante, sem perder de vista nossas referências pretéritas.

Por conseguinte, como a nossa publicação é quinzenal e tem a precisão do cocorocó de um galo de terreiro anunciando um novo amanhecer, tivemos 24 resenhas publicadas ao longo de todo esse ano de 2023. Assim, os nossos 14 leitores tiveram a possibilidade de conhecer os lançamentos de artistas e compositores, que são fora da curva e não se encaixam no quadradinho mediocrizante dos canais de TV aberta, bem como no mar de mesmices que assolam o streaming e se reproduzem como gremlins, vendendo aos incautos acríticos água com açúcar, como se fosse licor.

Exceção Para Mim Mesmo

Dessa maneira, a cada mês foram publicadas no mínimo duas resenhas sobre álbuns de artistas locais e de algures. De tal modo que, em janeiro, tivemos os álbuns ‘Bossatômica’, lançado pela banda alagoana Divina Supernova e o álbum instrumental ‘Som Das Cordas’, do violonista alagoano, de Pão de Açúcar, Wilbert Fialho. Fevereiro, continuou numa pegada híbrida, com os álbuns ‘Dinho Nogueira e Zé Barbeiro Ao Vivo em Paris’, um trabalho instrumental do grande violonista alagoano Zé Barbeiro, radicado em São Paulo há bastante tempo, além do belíssimo álbum ‘Alto Grande’, do violeiro e escritor paulista Paulo Freire, em seu mais perfeito amálgama entre o causo e a música.

Passada a folia, em março tivemos uma exceção aberta para mim mesmo. Por isso, transcrevi os escritos do encarte do meu mais recente álbum, ‘H’cordas’, lançado naquele mês. Depois, tivemos o interessantíssimo álbum instrumental ‘Dorsal’, do jovem guitarrista pernambucano Ítalo Sales. Em abril, trouxemos o álbum homônimo ‘Almateia Duo’, criado pelo compositor e pianista carioca Ricardo Duna Sjöstedt e pela cantora e compositora Ana Cecilia Mamede. Apresentamos, também, o guitarrista, compositor, arranjador e autor de livros didáticos Fernando Corrêa, com o seu álbum instrumental e homônimo.

Resiliência

Em maio, ocorreu uma pequena pausa. Feriamos e demos um pulo fora do país e um refresco aos nossos 14 leitores. Porém, durante as quadras juninas, voltamos com a corda toda e foram três publicações na Depois do Play. A primeira, sobre o primeiro álbum de jazz produzido em latitude aquariana, o excelente ‘The Magic Hour’, do já extinto grupo Brasil Modern Jazz Quarteto. Depois, abrimos mais uma exceção, para uma homenagem póstuma ao nosso saudoso e querido Carlos Moura, com o texto ‘Estrela Cor de Areia’, onde dizíamos que, agora, o meu querido amigo tornou-se uma estrela cor de areia! Por fim, fechamos o mês de junho com a resenha sobre o maravilhoso álbum ‘Aluê’, que podemos dizer ser o primeiro disco brasileiro do grande percussionista Airto Moreira.

Seguimos resilientes em nosso propósito, para que em julho apresentássemos o interessantíssimo álbum da banda alagoana Herocoice, que se intitula ‘Trabalho Novo’. Depois, tivemos a banda Mopho, com o seu quarto álbum ‘Brejo’, lançado em 2017. Tivemos ainda o álbum instrumental ‘Cavaquinho Azul’, com a imaginação criativa do músico, compositor e cavaquinista Salomão Miranda. Ultrapassada a metade do ano, o mês dos gostos e desgostos foi pródigo, nas resenhas dos álbuns ‘Zé’, do artista paulistano Zé Eduardo, cheio de alagoanidade em conceitos, arranjos e seis músicos nutridos pela sustança do sururu, e o álbum ‘A Cor do Céu Mudou’, da banda Dharma, um tipo de filho temporão da banda de rock alagoana.

Estímulo Único

Setembro foi o mês no qual passaram por aqui o belíssimo álbum ‘Bossa 65’, cujo subtítulo é Celebrating Carlos Lyra and Roberto Menescal, mais uma pérola do mestre Antonio Adolfo! Também tivemos a resenha sobre cem outras resenhas, que foram escritas por cem outros autores e foram compiladas em um único volume, cujo título é bem específico: ‘1979 – O Ano Que Ressignificou a MPB’. Já na reta final do corrente ano, duas bandas alagoanas preencheram o mês de outubro: o terceiro registro do power trio Necro, com o álbum ‘Adiante’, e o interessantíssimo álbum ‘Frectivo’, da alagoaníssima Xique Baratinho. O mês de novembro foi camarada e nos concedeu tempo e espaço para três resenhas: o álbum ‘UNA – Zéli Silva Convida’, do contrabaixista Zéli Silva, recheado de convidados singulares; o álbum ‘Tesouros’, lançado pela cantora paulista Renata Finotti, e a resenha do álbum homônimo ao show ‘Aqui Alagoas’, do mestre Ibys Maceioh. Finalmente, dezembro chegou e para encerrar com claves de sol, fá e dó, tivemos a resenha sobre o genial álbum ‘Duo + Dois’, comemorativo dos 40 anos de carreira do Duofel.

Na verdade, quero mesmo é agradecer aos que junto comigo fazem a Depois do Play e fortalecem em mim a certeza de que ninguém é nada sozinho! Por isso, quero agradecer à minha tia e revisora Josete Carneiro, à minha companheira Vera Garabini, que sempre faz a primeira leitura das resenhas, ao jornal O Dia, nas pessoas gentis de Iracema Ferro e Deraldo Francisco, aos talentosos artistas e ao Beto Privieiro e Moisés Santana (Tambores Comunicação), que me abastecem de matéria-prima. Porém, e sobretudo, quero agradecer aos nossos 14 leitores, razão maior e estímulo único e necessário para continuarmos nessa labuta. A todos e todas, um próspero e auspicioso ano novo, com muito mais.

MÚSICABOAEMSUASVIDAS!!!