quinta-feira 23 de março de 2023

Poeta em extinção

21 de março de 2023 2:15 por Mácleim Carneiro

 

 

Poeta Sidney Wanderley.

Recentemente, recebi do poeta Sydney Wanderley uma mensagem, via WhatsApp (todas as mensagens dele são de voz, o poeta não é de gastar palavras escritas), onde ele dizia que estava nos Correios da Fernandes Lima enviando-me um exemplar do seu recém lançado livro, ‘Antes do Fim’. A partir desse comunicado, do bardo de Viçosa, a possibilidade da chegada do seu mais novo rebento começou a provocar uma ode de lembranças poéticas e nostálgicas, de um tempo onde era normal esperar correspondências, desejadas ou inesperadas. Veio-me logo à mente o samba-canção ‘Mensagem’, dos compositores Aldo Cabral e Cicero Nunes, lançada em 1946 por Isaurinha Garcia. Não muito diferente do que diz a canção, “Quanta verdade tristonha ou mentira risonha uma carta nos traz…”, encontro paralelos ao propósito do poeta, com o lançamento do ‘Antes do Fim’.

 

Se realmente o poeta estiver convicto do que fala, ao afirmar: “De alguns anos para cá, venho observando uma dificuldade cada vez maior para que a poesia nos bafeje. As metáforas estão me visitando cada vez com mais avareza e má vontade”, então, teremos nessa fala uma “verdade tristonha”, sobretudo, para alguém como eu, fã declarado da produção poética e literária de Sydney Wanderley. No entanto, logo na introdução do livro, Poeta Bissexto, encontraremos uma “mentira risonha”. Sydney Wanderley cita o noturno, desengonçado e pesado papagaio kakapo, que “não só esqueceu como se voa, mas igualmente não se lembra de que esqueceu como se voa.” Ao se comparar ao papagaio neozelandês, o poeta renega a persuasão, ao passo em que chega ao paroxismo das metáforas:

“Sou, hoje, esse desengonçado kakapo no reino mineral da poesia.”

 

Seguramente, sua lavra lhe contradiz e o desafia à razão, posto que, na primeira parte do livro, como relata o poeta, sua “fúria exterminadora” não foi capaz de nos punir com a possível ausência do poema ‘Perdas’:

 

Por uma maçã – reza a lenda –
perdemos em remoto dia o Paraíso.
Por outra maçã – reza outra lenda –
aprendemos com Newton a gravidade.
Entre maçãs e lenda agonizamos,
órfãos do Éden e da eternidade.

 

Existe um detalhe, sobretudo nos livros de poesia, que me é caro! Entendo que o fazer poético, em sua manifestação de beleza estética, deve começar pela capa do livro, pelo seu invólucro, num processo levitatorio ao fruidor, abrindo a senda para tudo aquilo que comove, sensibiliza e desperta sentimentos. Nesse sentido, o projeto gráfico do Fernando Rizzotto cumpre essa missão maravilhosamente azulado, onde menos é mais, por dentro e por fora, nos detalhes de puro bom gosto e delicadeza, revelando o simbolismo do irrefutável encantamento existente entre a lagarta e o seu porvir.

 

Dito isso, a poesia de Sydney Wanderley não carece de nenhuma tradução e muito menos de academicismos e suas ideias e atitudes especulativas, sem efeito prático. Carece menos ainda de pitaqueiros como eu! Ou seja, a poesia de Sydney Wanderley nos basta por si e se basta em si mesma! Que me perdoe o poeta, mas, custa-me crer no significado implícito ao título Antes do Fim, embora eu saiba que o papagaio kakapo, ou caçapo, como queiram, é uma ave em perigo crítico de extinção e poetas da grandeza de Sydney Wanderley, também.

 

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Histórias Pra Cantar

11 de março de 2023 5:46 por Mácleim Carneiro

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Na próxima terça-feira, dia 14/03, estará em todas as plataformas de streaming de música o álbum H’CORDAS, lançado pelo selo Batuta. Portanto, encontro-me diante da missão mais delicada e mais difícil no 082. Ou seja, não é exatamente confortável tecer comentários sobre o próprio rebento sem parecer cabotino, sem lamber a cria coletiva ou dourar a cauda do pavão em ocelos mirados ao próprio umbigo. Como não tenho um milímetro de distanciamento e isenção sobre esse trabalho, a única e honrosa saída me parece ser trazer aqui os textos que estão no encarte do álbum, no intuito de manter bem-informados os nossos14 leitores.

Assim sendo, na primeira página do encarte, temos o escrito ‘Histórias Pra Cantar’ esclarecendo que a primeira ideia conceitual era fazer um álbum utilizando apenas instrumentos de cordas, a partir das próprias cordas vocais. Essa ideia foi posta em prática só até a segunda página. Ocorre que, durante o processo de gravação, algumas canções demonstraram um apelo rítmico com tamanha intensidade, que pôs em xeque o conceito originário. Daí, trazer instrumentos percussivos para a cena do H’CORDAS tornou-se imprescindível! No entanto, a essência conceitual pretérita permaneceu acesa!

A experiência de gravarmos à distância, durante a pandemia, acabou sendo um salutar aprendizado e nos fez repensar clichês e dogmas técnicos, abrindo novos horizontes para outras possibilidades. Dessa forma, o resultado são canções alicerçadas na minha imensa gratidão à produção do Félix Baigon, à dedicação e talento de todos os músicos, artistas convidados, técnicos e colaboradores que, cada um em sua latitude, agregaram imensurável valor ao H’CORDAS. Agora, temos histórias pra cantar, construídas a tantas mãos!

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Lado A

História 1: ‘Leveza’ (Mácleim e Vera Garabini) é uma canção que foi feita, literalmente, a quatro mãos e no momento em que a letra me foi apresentada. Abrimos um vinho, adequei a iluminação ambiente, afinei o violão com a sexta em ré e a quinta em sol e começamos a montar o quebra-cabeças. Depois, Norberto Vinhas assinou o arranjo e deu encanto ao que nasceu nu.

História 2: Certa vez, assisti ao filme Quo Vadis, que tem uma cena na qual Nero aparece tocando sua lira, enquanto Roma é consumida em chamas. Fui dormir e os acordes da lira não saíram da minha cabeça. Na manhã seguinte, nasceu ‘Outra Canção’, onde Fernando Melo incendiou tudo, com violões mágicos.

História 3: ‘De Vera’, se chamava ‘Na Rede’, porém, a historinha que ela conta adequou-se perfeitamente ao que foi o início da minha relação com a minha companheira Vera Garabini. Daí, nada mais natural do que dedicar a ela esta canção, que o mestre Antonio Adolfo abençoou com a sua genialidade pianística.

História 4: ‘Distensão’ é uma canção que tem peculiaridades na letra, posto que foi alterada para melhor se adequar à forma de cantar da Irina Costa. Dessa maneira, a marchinha ganhou o charme especial do sotaque de uma Diva, e a sofisticação do arranjo para quarteto de cordas do grande Billy Magno.

História 5: Tem canções que já nascem imperativas, donas de suas vontades. ‘Nonsense’ foi assim! Ela dizia: só preciso de um contrabaixo groovado, seu Takamine surrado e mais nada. Daí, ninguém melhor do que o mestre Marcelo Mariano para arrasar total em sua performance e sensibilidade.

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Lado B

História 6: Ter lido ‘Canais e Lagoas’ (Octavio Brandão), foi fundamental para musicar o poema homônimo, do poeta Sidney Wanderley, pela abordagem tão familiar a quem, como eu, é da Zona da Mata canavieira e conhece bem o amargo do doce da cana, “como flores de fogo, como rubras rosas de dor.”

História 7: Em ‘Nisso Tem Luar’ (Mácleim e Pedro Cabral) tentei convencer ao poeta de que a repetição sistemática da frase, que dá título à canção, era um elemento importante na estrutura poética e também melódica. Depois, tudo ficou mais fácil e belo, com o arranjo para quarteto de cordas do Almir Medeiros.

História 8: ‘O Riso do Umbigo’ é uma canção que tem algo evidente. Porém, nela, existe a profundidade inerente a tudo o que é umbilical. Sobretudo, para um sujeito que adora rir de si mesmo. Por isso, a participação luminosa da Bruna Caram, reflete esse espírito de sorrir no que vai dizer, quando você for você.

História 9: ‘Feras’ estava adormecida há muito muito tempo, apesar do tema dessa canção ser atual ao nosso país excludente e cruel às minorias e os povos originários. Reaprendi sua harmonia e melodia, não alterei uma vírgula sequer, e ela se encaixou como uma peça definitiva e emblemática ao H’CORDAS.

História 10: O conceito original do H’CORDAS foi alterado em ‘Dicotomia’, que dividiu o todo em duas partes complementares. A partir dela, tivemos o privilégio de contar com a participação de dois grandes amigos: Carlos Bala e Fernando Nunes. Juntos, eles bancaram o groove swingado e riffs precisos.

História 11: ‘Amsterdam’ é uma cidade que eu sou fã. E, como tal, escrevi essa canção homônima, entre um canal e outro, lá mesmo, no final dos anos 1990. É a única regravação no H’CORDAS. Agora, ela ganhou trajes mais elegantes, com o intricado arranjo de cordas do meu querido irmão Eduardo Morelembaum.

História 12: Dizem que a cereja do bolo sempre fica para o fim. É o caso de ‘Paris Passou’ e suas cerejas imprescindíveis! Uma, a singela homenagem ao grande narrador esportivo alagoano Arivaldo Maia. A outra, o meu querido amigo Celso Viáfora, que protagoniza esse samba e lhe agrega imenso valor.

Se o tempo e o espaço têm forte relação com o número doze, pois o dia é dividido em dois períodos de doze horas, o ano tem doze meses, nossos relógios duas vezes doze horas e até os minutos são medidos em sessenta segundos (resultado de cinco vezes doze), então, por que não doze histórias em forma de canções? E o melhor, estará ao seu alcance em todas as plataformas de streaming, já na próxima terça-feira. Ficarei feliz em saber que o H’CORDAS teve o privilégio da sua audição!

SERVIÇO
H’CORDAS, Mácleim
Pré-save: http://tratore.ffm.to/hcordas
A partir do próximo dia 14 de março nas Plataformas: Spotify, Apple Music, Deezer, Amazon music, Tidal

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Rio Abaixo em Alto Grande

25 de fevereiro de 2023 12:16 por Mácleim Carneiro

 

Paulo Freire. Foto: filipiTV

 

Reza a lenda (e Paulo Freire também), que o diabo descia os rios tocando uma viola com afinação diferenciada e tão envolvente que fazia com que as mulheres fossem seduzidas ou mesmo enfeitiçadas. Elas se emocionavam tanto, que até choravam e seguiam o diabo onde ele fosse até sumir. Os violeiros, ao ouvirem o tocar e os devorteios do diabo, aprenderam a afinar seus instrumentos na mesma escala e também foram enfeitiçados pelo demo. Daí, em muitas regiões, o diabo é considerado o maior violeiro que já existiu. A crença explica a quantidade de histórias de violeiros que teriam feito pacto com ele para tocar bem. Entretanto, as crendices afirmam que o violeiro que faz esse tipo de pacto não vai para o inferno, já que todos no céu querem bons violeiros por lá.

Todos no céu e por aqui também, desde que seja um Paulo Freire, sobretudo, com o álbum ‘Alto Grande’, como se fora uma caixa mágica de encantamentos desse artista extraordinário e peculiar em sua obra e expressão. Com o seu “vai ouvindo, vai ouvindo” … ele vai nos encantando e até parece que também fez a simpatia da cobra-coral, ou rezou na Sexta-feira Santa nos túmulos de violeiros. Seja como for, o fato é que violeiros contadores de causos, como Paulo Freire, são simplesmente maravilhosos na arte de tocar suas violas e encantarem a quem os escuta.

O Causo e a Música

‘Alto Grande’ é um álbum que revela o violeiro Paulo Freire em seu mais perfeito amálgama entre o causo e a música. Como escritor de excelente cepa, ele criou belas histórias e narrativas que se encaixam como uma luva aos propósitos da viola e da canção. O álbum tem 12 faixas, que saltam de galho em galho, como uma patativa ou curió de repetição que não se repete. Assim, nos contempla com temas instrumentais, músicas tradicionais brasileiras e a deliciosa ‘Bom Dia’ (Swamir Júnior e Paulo Freire), já bastante conhecida nas vozes de Zizi Possi e Virgínia Rosa. E como todo disco singular e especial tem participações que agregam imenso valor, Paulo Freire trouxe, para esse trabalho, nomes importantes do nosso cancioneiro popular: Ana Salvagni  (voz), Maurício Pereira (voz), Levi Ramiro (voz e viola), Swamir Júnior (voz e viola de 7), Danilo Moraes (guitarras e vocal), Benjamim Taubkin (piano), Alexandre Ribeiro (clarinete), Tuco Freire (contrabaixo) e Adriano Busko (bateria e percussão).

Para que não confundamos Paulo Freire com o seu homônimo educador, outro orgulho brasileiro, Paulinho, como também é conhecido, é um ícone da viola brasileira! Tem uma vasta e bela obra gravada e escrita, resultado do seu importantíssimo trabalho de pesquisa. Por tudo isso, Paulo Freire é um violeiro contemporâneo, sempre em busca de novos caminhos estéticos e sonoros para sua obra. É um músico de início cosmopolita, que resolveu extrair no Brasil profundo e verdadeiro sua expressividade artística e pessoal. De acordo com ele, depois de ler Guimarães Rosa, foi morar no Vale do Urucuía, em Minas Gerais, onde conheceu seu mestre Manelim, que lhe ensinou os segredos e encantos do ponteado. Foi aí que Paulo Freire abraçou de vez a viola e emendou num causo só: a vida, a viola e a arte.

Músicas Imagéticas

E para mostrar que o diabo come no cocho das mãos e da viola de Paulo Freire, ele abre o álbum com o tema instrumental ‘Quatros do Urucuía’, um tema de domínio público, com adaptação de Paulo Freire. A próxima faixa é ‘Ferveu!’ (Paulo Freire), um belo exemplo de como amalgamar com perfeição canção e causo, tudo à maneira inimitável de Paulo Freire, com uma narrativa coloquial que só aqui e acolá permite um tantinho de melodia, na hora e nos compassos exatos e precisos. Temos ainda a dimensão de informações musicais do compositor de inúmeros recursos, que sabe utilizar levadas que seriam capazes de seduzir até o universo pop, se a elas fossem agregados elementos e sonoridades do gênero.

‘Alto Grande’ (Paulo Freire), que dá título ao álbum, é uma bela toada imagética, pois coloca o fruidor direto no mundo da lida do gado, seus aboios e afins, no toque da boiada estradão afora. Ana Salvagni faz uma participação especialíssima, pelo canto sempre maravilhoso e pelo fortalecimento de uma memória histórica, pois a letra conta a visão da mulher do vaqueiro enquanto espera o marido nas comitivas de gado, exatamente na região do Noroeste de Minas Gerais, chamada Alto Grande, onde as mulheres dos vaqueiros iam esperar seus maridos na volta da lida de tocar a boiada por esse mundão de meu Deus.

Preciosidades

E vamos seguindo em frente, pela estrada que nos aponta Paulo Freire. Esta, nunca será uma estrada reta, posto que sinuosa em cada encanto das curvas inesperadas, onde causos e músicas pavimentam o encantamento pelo discurso oral, poético e melódico, colocando-nos em situações inusitadas e sugeridas pelo compositor, como é o caso ou causo da faixa ‘É Meu’ (Paulo Freire), onde ele narra uma situação tão plausível e verossímil, de uma contrariedade ao lúdico e à leveza da vida, que só a mentalidade capitalista poderia tentar impor e usurpar para si. Daí, vamos para a próxima faixa ‘Bom Dia’ (Swamir Júnior e Paulo Freire), onde é revigorante e bacana de ouvir a interpretação dos compositores, para uma criação muitíssimo bem sucedida da lavra de ambos.

E quando menos se espera, no vai ouvindo, vai ouvindo…, já estamos no fim, na última e emocionante faixa ‘Causos do Angelino’ (Paulo Freire), ‘Enquanto o Trem Passava’ (Benjamim Taubkin) e ‘Tristezas do Jeca’ (Angelino de Oliveira), uma junção de três dos mais belos momentos do álbum, onde a literatura inspirada foi tecida pela sensibilidade e ornada pelo piano maravilhoso de Benjamim Taubkin e a viola ensolarada de Paulo Freire! E num pequeno devorteio, passamos antes pela bela ‘Manoelzão’ (Paulo Freire), um tema instrumental que eu diria ser floral, onde o clarinete de Alexandre Ribeiro se casou com as violas de Swamir Júnior e do compositor e seguiram poligamicamente felizes para sempre, como se eternamente tivessem sido prometidos uns para os outros.

‘Alto Grande’ é repleto de preciosidades! Dentre tantas, estão as fotos de Isabela Santore e João Chimentão, que transformaram o encarte em sensibilidade artística admirável! E é no encarte que encontraremos esse trecho escrito por Paulo Freire: “Procurei estar no lugar do baraio, no oco do oco, no sentimento da onça, na posse do mundo, guelém guelém.” Pois ele esteve sim e chegou em ‘Alto Grande’, que é onde estará para sempre no coração e na memória afetiva e estética de qualquer fruidor que se entregue a esse imprescindível e emocionante trabalho!

SERVIÇO
Alto Grande, Paulo Freire
Disco Físico: Esgotado
Plataformas digitais: Spotify

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A Ilha

20 de janeiro de 2023 4:02 por Mácleim Carneiro

 

Certa vez, fui ao cinema sugestionado pela revista Bravo, que dizia valer a pena assistir ao filme ‘A Ilha’, “pela projeção futurista de assuntos polêmicos da atualidade, como as questões éticas na clonagem humana”.

Eu sabia que o filme tinha a direção de Micchael Bay, diretor de Pearl Harbot e Armageddon. Porém, fiz questão de ignorar que era um filme americano, com carimbo hollywoodiano.

Começa o filme e as coisas parecem caminhar normalmente: cenários interessantes, explicações científicas plausíveis e racionais, capazes de situar com clareza o espectador na trama. Tudo acontecendo de forma confortavelmente cerebral.

De repente, antes mesmo da metade do filme, a carruagem virou abóbora e lá estava eu pensando alto: Que merda! Caí em outra cilada.

O filme havia se transformado, ou melhor, atropelado por perseguições enervantes de automóveis em alta velocidade, helicópteros e objetos voadores futuristas, tiros que nunca acertam os mocinhos e toda aquela babaquice das cenas surreais e seus efeitos mirabolantes.

Foi aí que a ficha caiu. Claro! Essa droga é Hollywood em sua essência.

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Dos Livro Que Li: A Revolução dos Bichos (George Orwell)

16 de janeiro de 2023 12:19 por Mácleim Carneiro

 

Quando o indiano/britânico George Orwell, que na verdade se chamava Eric Arthur Blair, escreveu ‘A Revolução dos Bichos’, entre os anos 1943 e 1944, apresentou o seu pensamento ideológico, por meio de uma bela fábula distópica, onde os bichos de uma fazenda promovem uma revolução, expulsam o dono, Sr. Jones, assumem o controle e criam uma “organização social”, que Orwell denominou de Animalismo e corresponderia ao Socialismo. Dessa maneira, os personagens protagonistas, todos animais, têm referências comportamentais assemelhadas aos líderes do regime da antiga União Soviética, contemporâneos de George Orwell.

Reza a lenda, que o autor teve a inspiração para sua obra quando se deu conta de que o ser humano é capaz de domar e comandar os animais só porque eles, apesar de mais fortes, não têm consciência de que estão sendo dominados. Portanto, nada mais contemporâneo e similar à relação estabelecida entre patrões e o proletariado, que jamais será justa, sobretudo, no capitalismo e alguns regimes políticos.

Psique Humana

Velho Major, o porco mentor da revolução, certamente encarna a figura de Karl Marx. Napoleão, outro porco, que se torna o líder e ditador, mimetiza muito bem a personalidade de Stalin. Bola de Neve, um porco do staff da fazenda, seria Trotsky. O cavalo Sansão é a triste representação dos trabalhadores comprometidos com o sistema, explorados, mal recompensados e sugados incansavelmente. As ovelhas, lembram o gado bolsonarista, são propagadoras do regime e massa de manobra ideológica. Mimosa, uma égua vaidosa, é a cara da burguesia brasileira em Miami e, paradoxalmente, só o burro Benjamim tem a compreensão de tudo, mas, taciturnamente, se mantem ao largo, como se proveito tem uma postura alienada.

Orwell dota-os com todos os componentes da psique humana: ódio, autoritarismo, opressão, exploração… Assim, lançou o seu olhar satírico sobre a realidade do seu tempo, baseado na reflexão sobre questões de liberdade e igualdade social. Como toda boa fábula, caberá ao leitor se deixar envolver ou não, posto que a realidade estará sempre submersa em metáforas e similaridades distópicas ou não. Porém, essa é uma tarefa muito mais pertencente ao autor e seu poder narrativo. Quando o autor é um George Orwell, a viagem e o deleite estarão garantidos a leitores como eu.

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As calçadas da minha rua

6 de janeiro de 2023 12:05 por Mácleim Carneiro

Certa vez, por mais de uma semana, não me saia do pensamento a imagem e o diálogo que tive com uma família que, literalmente, estava morando nas calçadas da minha rua. Era um casal de trabalhadores rurais e seus dois filhos menores: a menina tinha apenas quatro anos de idade e o menino, seis. A situação em que estavam vivendo os transformava numa espécie de outdoor vivo. Ou melhor, eles eram o marketing ultra real do compromisso social das elites, seus políticos engravatados e gestores perfumados, quase sempre mal-intencionados, nas mais altas instâncias do poder, excetuando-se as raríssimas exceções.

A história daqueles alagoanos – nas calçadas da minha rua –, na realidade é comum e banal. Não apenas pelos tristes fatos, que os levaram àquela condição, mas, sobretudo, pela frequência com que ainda se repetem, para milhares de famílias usurpadas nos seus direitos básicos de cidadania. Tão cruel quanto a essência dos fatos é a frieza e o descaso com que esses seres humanos são ignorados pelos demagogos instalados nababescamente em gabinetes refrigerados e, do conforto seguro dos seus luxuosos imóveis, longe das intempéries, livres da indiferença e acolhidos pela hipocrisia, dão as costas para o efeito colateral resultante da perversa avareza. Essa gente tem responsabilidade atávica na manutenção da desgraça daquela outra gente, que habitava as calçadas da minha rua. É essa mesma gente – dos gabinetes e carros de luxo –, que consegue dormir e sonhar tranquilamente, nos finos lençóis e travesseiros recheados de insensibilidade, acumulando riquezas na proporção exata em que aquela gente – das calçadas da minha rua – acumulava sofrimento e humilhação.

Poderosíssimo Cartel

Para mim, tudo ficou bem mais claro, quando percebi o significado da política profissional e o real objetivo dos seres que a exercem. Não tenho mais nenhuma dúvida poliânica, apesar da aparente radicalidade da minha percepção. Ou seja, a política partidária é um poderosíssimo cartel institucionalizado, que, nas democracias, consegue até o aval da sociedade, por meio do voto, oferecendo a falsa ilusão de que quem detém o controle é o povo. Porém, só até a página 2.

Aparentemente, a parte transparente desse poderoso cartel está dividida em partidos e, entre eles, se estabeleceu uma espécie de acordo tácito, para a alternância do poder. A Máfia, o Cartel de Medelín, a Al Qaeda e tantas outras organizações, explicitamente criminosas, são pinto diante do poderoso cartel engravatado. Até porque, trafegam, financiam e invariavelmente encontram abrigo no poderoso cartel institucionalizado. Infelizmente, para o povo, não há como escapar à influência perniciosa dessa periculosa organização. No entanto, ainda nos resta a possibilidade de, individualmente, dizermos não à estrutura atavicamente sedimentada.

Não! Não desejo vender a alma para entrar nesse “negócio”! Não! Não quero abrir mão de preceitos éticos e morais, para pertencer e usufruir das benesses do poderoso cartel! Não! Não vou fazer parte disso, para ter que viver em omissão! Não! Não aceito helotismo em minha vida! Por tanto, recuso-me a estar do lado podre da laranja, enquanto tal estrutura política permanecer um cartel. Claro, agindo assim, por mais paradoxal que seja, estarei politicamente e socialmente à margem. Portanto, existirá sempre a possibilidade sombria de, um dia, vir a ser mais um daqueles habitantes das calçadas da minha rua. Porém, prefiro esse risco a não me permitir ser quem eu sou.

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O Ano Novo Somos Nós

30 de dezembro de 2022 3:44 por Mácleim Carneiro

Pela lei natural das coisas e do calendário gregoriano, 2023 chegará velhinho em folha. Agora, pergunto eu: e daí?  Excetuando-se aquele exato momento da contagem regressiva, onde a euforia coletiva toma conta e parece que tudo vai mudar, como se fosse num passe de mágica, tudo permanecerá como dantes no planeta de Abrantes. O cachorro chato da minha vizinha continua latindo insistentemente, o Vasco não conseguirá ser campeão de nada, os passarinhos ainda acordam mais cedo do que eu, vem o dia, cai a noite e nada mudou, nem vai mudar, pelo menos, não com a intensidade borbulhante das expectativas regadas à champanhe.

 

Sim, temos um novo presidente e outra perspectiva política e social, que nos traz de volta a esperança de mudanças positivas, depois do desastre que foi o governo do energúmeno. No entanto, de que adianta saber que somos contemporâneos da tal sociedade pós-industrial e não estamos inseridos em suas vantagens? De que adianta, para um simples propositor como eu, que resolveu viver em Alagoas, a mudança da produção de bens para a produção de serviços, tão evidente no que se convencionou chamar de primeiro mundo? Ou, então, de que vale a crescente importância da classe dos profissionais liberais e técnicos, em relação à classe operária, se o nosso aquário é tosco e insiste em andar para trás? Ou, pior ainda, o que significa para os governantes, como diria Dahrendorf, o primado das ideias?

 

 Contramão da Modernidade

 

Pois bem, confesso que tenho curiosidade em saber qual seria a resposta para todas essas indagações. E olhe que esses conceitos citados foram identificados e teorizados já no final dos anos 1960. Portanto, voltando os olhos para o nosso aquário, percebo nitidamente o quanto estamos defasados. Por mais paradoxal que seja, com raríssimas exceções, andamos na contramão da modernidade, rumo a um crescente distanciamento das vantagens sociais oferecidas pela realidade pós-industrial. Há mais de 40 anos já se vislumbrava a possibilidade da supremacia produtiva do intelecto em detrimento do mecanicismo. Já se pensava a criação de uma tecnologia intelectual. Ou seja, máquinas inteligentes capazes de substituir o homem, não apenas nas funções que requerem esforço físico. E nós, o que fizemos? Continuamos cultivando e escravizando analfabetos, liderando os vergonhosos índices negativos do IDH e perdoando descaradamente, fisiologicamente, às imperdoáveis dívidas econômicas e sociais dos usineiros e, agora, dos CEOs e políticos cúmplices e coniventes com os crimes da Braskem.

 

Não é que eu seja um pessimista irremediável, não se trata disso, contudo, o meu ceticismo insiste em ser justificável. Mais uma vez, o tão esperado ano novo e sua gloriosa perspectiva de mudanças não será, por si só, capaz de mudar absolutamente nada. Como qualquer ano, 2023 ficará restrito à simbologia dos calendários, às intempéries, às previsões astrológicas e sensacionalistas, à luta pela perpetuação no poder da classe política dominante e, como único recurso capaz de uma escapatória, para algum tipo de mudança, nos resta tão a micro individualidade de cada um de nós.

 

Ainda bem, que algumas transformações pessoais são capazes de extrapolar o foro íntimo e gerar mudanças na sociedade. Quando essa capacidade individual se torna real, acende-se uma luz, encontra-se o caminho! Lembro-me do que escreveu o crítico literário Harold Blom: ”Buscar Deus fora do seu eu é cortejar os desastres do dogma, a corrupção institucional, a malfeitoria histórica e a crueldade”. Embora seja uma observação de cunho religioso, serve para o entendimento de que o Ano Novo não significa nada, a não ser que ele exista no eu de cada um. De outra forma, será apenas um número novo no velho calendário. Ou será o velho calendário com um número novo?

 

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Dos livros que li – As doenças do Brasil ((Valter Hugo Mãe)

23 de dezembro de 2022 1:46 por Mácleim Carneiro

 

Valter Hugo Mãe. www.fronteiras.com

 

Aos poucos vou tirando o atraso na leitura da obra do escritor português Valter Hugo Mãe. Dessa vez, ‘As Doenças do Brasil’, seu mais recente livro, lançado pela Biblioteca Azul, me proporcionou uma leitura bastante curiosa, intrigante e inesquecível. Não que o autor tenha mudado o seu estilo lírico e refinado, porém, Hugo Mãe utilizou uma nova linguagem, sem abrir mão de sua força descritiva, mas com uma pegada diferente, por exemplo, do excelente Homens Imprudentemente Poéticos.

Como o título sugere, embora personagens e a comunidade retratadas não existam, foi no Brasil, seus povos originários e os negros escravizados, que Hugo Mãe encontrou o arcabouço para tecer, à sua maneira e linguagem poeticamente rebuscada, uma narrativa repleta de originalidade e poeticidade, que nos induz ao inevitável paralelo à prosa de Guimarães Rosa. Harmonicamente, personagens e natureza se amalgamam e relativizam-se em nomes que simbolizam a origem, as interrogações existenciais e os conflitos de cada um. Assim, Honra, Boa de Espanto, Meio da Noite, Altura Verde, Pé de Urutago são abaetês protagonistas, em sintonia com expressões adjetivas como Feminina, Feios e Feras, numa construção linguística onde “nenhum vagar se salva de ser um pouco de ilusão.”

Fatos históricos, que caracterizam a enfermidade atávica do Brasil e seus sintomas recorrentes aos tempos atuais, são ressignificados liricamente por Hugo Mãe, sem, no entanto, perder o impacto psicológico do que ainda é cruel e bárbaro aos nossos povos originários e ao povo negro, escravizado pelo branco. Afinal, como o autor escreveu em suas considerações derradeiras, “sermos daqui ou dali não obedece ao lugar do corpo. A cultura naturaliza-nos de outro modo e é mestiça. É identidade de um pouco de cada coisa e quem é só de um lugar é pobre porque nenhum lugar é inteiro.” Hugo Mãe nos proporciona, nessa bela obra, uma leitura rica em trilhas, que nos conduzem às reflexões internas e perceptíveis ao sentido implícito à condição humana em suas entrelinhas.

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Utopias renovadas

2 de dezembro de 2022 6:25 por Mácleim Carneiro

 

 

Depois de merecidas férias, onde me permiti voltar ao Velho Continente e conhecer novos países, estou novamente na lida dos escritos, aqui no 082, com prazer renovado e deferência especial aos nossos 14 leitores. Então, a questão é: sobre o que escrever, diante de tantos e múltiplos temas e fatos ocorridos em pouco mais de um mês? Sobretudo, porque os meses de outubro e novembro não foram meses dentro do quadradinho, foram por demais efervescentes e singulares, para a vida do povo brasileiro e para os que, de longe, observam o Brasil em suas idiossincrasias políticas, ambientais, econômicas, culturais e etc.

Foram meses com grandes perdas artísticas e intelectuais, mas também de ganhos políticos. Novos rumos, no sentido da reconstrução de um país arrasado por quatro anos de desmontes e destruição, postos em prática por um governo de extrema-direita, que afinal se esvai rumo ao lixo da história, graças à base da pirâmide social brasileira. Portanto, temos de volta a esperança renovada, a crença em um tempo mais arejado, onde os ares democráticos serão respaldados pelas instituições e pela Constituição brasileira. Foi alvissareiro poder voltar ao Brasil sob essa nova perspectiva.

Trauma Colonial

Durante o segundo turno das eleições presidenciais, estávamos em Portugal e tínhamos o firme propósito de ampliar a nossa permanência na Europa, caso o resultado das eleições fosse outro, capaz de nos aprofundar no intragável, insuportável e fatídico recrudescimento do retrocesso democrático. Respiramos aliviados e comemoramos o fato de, ao menos, termos de volta a utopia e a única certeza de que as trevas não resistem à luz.

 

Porto

Seguramente, apesar do encanto arquitetônico, paisagístico e gastronômico, de regiões como o Algarve e cidades como Porto e Lisboa, dessa vez, tive a oportunidade de dialogar demoradamente com portugueses nativos. Acabei fazendo uma descoberta antagônica às minhas próprias referências e conceitos sobre Portugal. Descobri, por exemplo, o quanto o lusitano tem interesse pelas coisas e causas do Brasil, sobretudo, políticas. Por outro lado, percebi que não temos o mesmo interesse pelos fatos de Portugal. Se perguntarmos a qualquer brasileiro médio quem é o atual primeiro-ministro ou qual o regime político de Portugal, será fácil entendermos a dimensão do nosso trauma colonial.

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“Luzes para uma face no escuro”

21 de outubro de 2022 12:06 por Mácleim Carneiro

Em mais um texto substancioso da minha querida Ábia Marpin,A rede afroalagoana: as luzes para uma face no escuro”, publicado no suplemento Campus, encartado no semanário O Dia, nº 0140, ela ilumina os caminhos que, “numa espécie de extensão da invenção de Palmares”, aconteceu também a invenção de Zumbi.

Uma conquista, uma construção do movimento negro, que encontrou na gestão do Ronaldo Lessa, quando à frente do governo do Estado de Alagoas, um real interesse pela memória do líder negro.

E, assim, 8 ações efetivas tornaram-se realidade e vão desde a mudança do nome do aeroporto internacional e do palácio do governo, até a criação do Instituto Zumbi dos Palmares (IZP), ao qual tenho a honra de pertencer e ter entrado pela porta da frente, por meio de concurso público.

Aliás, a gestão do Ronaldo Lessa foi o único momento de avanços nas questões culturais desse Estado. Antes e depois, somos o que fomos e temos o que temos.

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PS: Nossos escritos estarão de volta em dezembro. Assim, os meus 14 leitores terão merecidas férias de mim por aqui. Voltaremos sob as luzes da mudança que queremos e merecemos para nosso país.

 

Big Bode

14 de outubro de 2022 11:35 por Da Redação

 

https://programadoresbrasil.com.br/

Ele malhava todos os dias e, mesmo com um sobrepesinho, era aluno aplicado nas escolas de balé do aquário. Visto de frente parecia um pirulito, porém, tinha que ser forte, para levantar a burguesia das bailarinas rechonchudas, nas pantomimas dos espetáculos de balé, no fim do ano. Além disso, frequentava a praia situada entre a Sereia e Riacho Doce, o que lhe garantia um bronzeado exclusivo, só possível com a combinação perfeita de mergulhos no mar e na água salobra do rio, que despeja sua solidez naquela praia.

Aliás, sair correndo do mar, driblando os banhistas calibrados, escalar a face leste da ponte, cruzar a rodovia em pleno tráfego de domingo e mergulhar no rio, pela face oeste da ponte, vestido apenas numa tanguinha com estampa de pele de zebra, era uma cena forte do material enviado para o reality da Rede Globo. Porém, nada disso adiantou. Contudo, ele sabia o que queria e tinha a arte e outras substâncias nas veias, merecia seus dias de fama.

Embora convicto do seu talento, ficou abalado com o fracasso na primeira tentativa. Tão abalado que não via mais sentido em continuar as aulas de interpretação teatral com a Preta Gil, nem as aulas de canto com o Otto. Entretanto, já pensa no próximo. Afinal, em um país como o nosso, essa praga não terá fim tão cedo e para o próximo ano já foram vendidas 8 cotas de patrocínio, cada uma ao preço de 100 milhões de reais.

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Propositor

7 de outubro de 2022 7:01 por Mácleim Carneiro

Essa sexta-feira, sete de outubro de 2022, é um dia no qual eu poderia até celebrar, caso me percebesse parte do seu efemérico significado. Porém, faz bastante tempo que não encontro mais cabimento nessa premissa. Exalto apenas aqueles que são os fiéis depositários dessa data. E não foi preciso muito esforço, nem qualquer sentimento de perda e muito menos qualquer viés de humildade hipócrita, para chegar a essa conclusão, estritamente pessoal e reflexiva. Eu, simplesmente, olhei para trás e observei os fatos friamente, sob um ponto de vista estritamente particular, conceitual e cronológico.

Daí, pareceu-me evidente que não faço parte dessa apolínea categoria. Não apenas pela magnitude implícita ao significado do Dia do Compositor, mas, sobretudo, pelo entendimento de que este é um mister onde criar, ser original, é preciso e faz toda diferença. Aliás, refiro-me ao verbo criar, tendo como referência, nos tempos atuais, o zero absoluto. Portanto, trata-se de uma tarefa impossível para mim, pois os que me precederam já criaram e já fizeram tudo. Destarte, restou-me tão somente reelaborar, ressignificar o que já foi inventado pelos grandes mestres basilares e alguns contemporâneos geniais, que pegaram o fio da meada e ampliaram as possibilidades alicerçadas pelos que lhes precederam.

Por isso, quando preencho a ficha de hospede em qualquer hotel, ou quando me é solicitado dizer qual a minha profissão primeira, escrevo/respondo “propositor”! Contudo, permanece em mim o mesmo sentimento de admiração e respeito aos que se percebem compositores e fazem desse dom algo sublime. Sendo assim, aos compositores e compositoras de ofício, parabéns em todos os tons, acordes e melodias!

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Fruição Brega

19 de dezembro de 2022 5:29 por Mácleim Carneiro

 

Mergulhando em águas passadas encontrei uma matéria veiculada na edição do dia 16 de julho de 2004, no caderno B do jornal Gazeta de Alagoas, que enfocava o segmento da “música brega”. Nela, chamava-se a atenção para os números que esse segmento delineava no mercado fonográfico, à época. Esclarecia que, segundo dados da Associação Brasileira dos Produtores de Discos, ABPD, o segmento brega representava 23% do total de discos vendidos no Brasil, perdendo apenas para o segmento pop, com 29%. Bem, de lá pra cá, a indústria fonográfica, nos moldes que conhecíamos, praticamente acabou, porém, o consumidor não. Sendo assim, vou viajar um pouco mais nessa bagaça.

 

Deixando de lado o ponto de vista estético, é possível encontrar alguns indicadores socioculturais, capazes de explicar o bom desempenho do segmento breganejo, por exemplo, no mercado atual. Pois bem, o mais cruel deles, sem dúvida, é a mediocridade. Esses segmentos musicais utilizam-se de uma linguagem simplória, nivelando por baixo qualquer tipo de reflexão. Na maioria dos casos, e de forma premeditada, trata-se de música produzida e direcionada ao público apenas com o propósito comercial, feita a partir de fórmulas, descartáveis como uma lata de refrigerante qualquer.

 

Incompatibilidade Particular

 

Ainda sob o foco da mediocridade, engana-se quem pensa que o tal “consumidor” é apenas aquele habitante da periferia, das comunidades, que não teve a oportunidade de acesso à educação de qualidade. Não é mais! Ele facilmente será encontrado no substrato de padrão econômico e social elevado que, por aferição, é brega sim senhor! Apesar da desenvoltura estética, para o cultivo ao corpo apolíneo, pouquíssimos são os que costumam estimular o cérebro para algum tipo de fruição artística mais elaborada e, menos ainda, para emoções sutis. De nada adianta boa escolaridade e ótima situação financeira. Aliás, este é um assunto que tem sua gênese lá no passado, lá na ditadura militar e seu legado maléfico.

 

É evidente que a minha opinião revela uma incompatibilidade particular com esse tipo de música e, se o assunto é música, detesto hipocrisia! Mesmo achando que música não precisa necessariamente ser levada a sério. Portanto, minha ótica é delineada sob a mira de uma lupa crítica, que se estabelece para avaliação, sobretudo, dos critérios musicais. Sei da minha “perspectiva de rã” e ainda bem que eu nunca pretendi ser detentor de nenhuma verdade. Porém, ainda consigo distinguir o que é e o que significa música bem elaborada, em forma e conteúdo, sem que para isso deixe de ser popular. Sociólogos e teóricos de plantão, livres dessa visão específica, podem remoer a ponto de concluírem que a música brega não merece o carimbo da hegemonização, imposta pela indústria do entretenimento. Embora existam coisas ainda mais nocivas, os artistas desse segmento e seus respectivos produtos são manipuláveis sim, descartáveis sim, e nada vai além do entretenimento alienante, às vezes, preconceituoso e machista, cujo único ponto merecedor de destaque é a possibilidade de alertarem para o nosso impactante grau de precariedade cultural, sobretudo, num Estado ainda líder em analfabetismo.

Uma Arte Duvidosa

Recentemente, li trechos do livro Tábula Rasa, escrito pelo psicólogo Steven Pinker, no qual ele defende a seguinte teoria:

“O nosso gosto estético foi configurado pela evolução, com a função primária de nos atrair para ambientes e parceiros sexuais desejáveis. Gostamos instintivamente da harmonia. Artistas que fazem uma arte chocante e reclamam da ‘incompreensão do público’ estão enganados. Eles é que não compreendem o funcionamento da mente humana.”

 

Pode até ser, vejo certo fundamento nessa afirmação. Porém, jamais se enquadraria ao contexto da enorme afinidade popularesca que a música brega detém em nosso aquário e no Brasil contemporâneo, como um todo. Sendo assim, pelo prisma do “sucesso”, música é uma arte duvidosa!

 

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Respeito; em Madagascar

19 de dezembro de 2022 5:29 por Mácleim Carneiro

 

Já andei ouvindo par aí se deve ser folclore ou cultura popular a denominação correta para a expressão artística do nosso povo. A meu ver, é pura masturbação intelectual, que acontece em tertúlias de quem não põe a mão na massa (como eu) e sabe muito bem que questões muito mais importantes e urgentes precisam ser pensadas e resolvidas nessa seara.

O dia 22, do mês passado, foi mais um Dia Mundial do Folclore. Mas, e daí? Tenho a impressão de que, se for feita uma avaliação histórica, pouca coisa deve ter mudado desde que em 1996 – também no Dia Mundial do Folclore –, assisti na TV a saudosa Maria Vitória, Mestra de Guerreiro, falando de suas agruras para manter viva uma das mais autênticas manifestações da nossa cultura popular. Ela dizia que todo paramento do seu Guerreiro era comprado com a sua minguada aposentadoria, e que ninguém lhe ajudava com uma fitinha colorida sequer. Se, pelo menos, ela tivesse uma aposentadoria do nababesco poder judiciário (tipo aquelas que os magistrados recebem como punição pelas falcatruas cometidas no exercício da função), vá lá, estaria reclamando de barriga cheia. Infelizmente, Mestra Vitória já partiu fora do combinado, porém, os mestres e mestras, que ainda estão na lida, vivem à míngua e sendo explorados. De pires nas mãos, tornam-se presas fáceis e são ferramentas de grande utilidade para demagogia política que, não é de hoje, detectou o quanto essas pessoas são vulneráveis, por possuírem em si a pureza e a transparência do clamor contido no propósito da alma: exercer a arte que lhes foi transmitida. São manipuláveis, apesar da força arrebatadora do trupe, nos ritmos marcados por instrumentos não sofisticados. São indefesos, apesar dos cantos e loas vigorosos, nas vozes ásperas e expressionistas daqueles que, de berço, trazem a cultura popular pululando em suas veias.

Credores Meritórios

A penúria deles pode estar perversamente conectada ao nosso bem-estar. Por isso, chamem como quiser: assistencialismo, paternalismo, seja lá o que for; o fato é que os poucos mestres e mestras contemplados pela Lei de Registro do Patrimônio Vivo (Lei dos Mestres) são mais do que credores meritórios, são dignos de algo ainda mais substancial e tão necessário quanto o respeito. Isso me faz lembrar um fato que aconteceu comigo e pode ilustrar com clareza o que deveria ser regra, para os nossos artistas do folclore ou cultura popular, como queiram.

Estávamos em turnê pela Europa, quando tive a oportunidade de assistir a uma apresentação do grupo folclórico de Madagascar, Feo-Gasy. Após o show, fui convidado para jantar com eles e aproveitei para pedir o autógrafo de cada um, no disco que eu havia comprado. Um por um foi perguntando meu nome e autografando, nas respectivas páginas em que havia suas fotografias, no encarte do disco. Quando, finalmente, cheguei ao líder do grupo, Rakoto Frah, um velhinho que, suponho, tinha mais de 80 anos, ele não perguntou meu nome e apenas fez um rabisco, em forma de zig-zag horizontal. Intrigado com aquilo, perguntei a outro componente do grupo se realmente era assim a assinatura dele. Ele então me respondeu que não era uma assinatura, pois Rakoto Frah era analfabeto. Na seqüência, pegou sua carteira porta-cédula, retirou uma nota, dinheiro de Madagascar, e me mostrou. Na cédula estava impresso o rosto de Rakoto Frah, um mestre da cultura popular em Madagascar.

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Presente do Rei

Ilustração de Dom João VI

Exatamente no dia 16 de setembro, do ano passado, publiquei aqui o meu ponto de vista sobre o que resultou da Emancipação Política de Alagoas. Ao reler o escrito ‘Dia de Praia’, percebi que as coisas não mudam mesmo, a não ser pelos novos índices vergonhosos, ratificando que a não ruptura com o nosso passado colonial, com a elitização do poder político e a falta de educação descente para o nosso povo, não nos permite avanços e nem consciência política e social. Eis a construção igualitária que nos foi legada e imposta, nos atrelando ao início da nossa gênese emancipatória, pelo o que de pior poderia resultar.

Por isso, como a maioria dos alagoanos não deve saber mesmo, essa efeméride soma agora 205 anos de establishment. O simbolismo da data já diz tudo. Principalmente, quando descobrimos ser irrefutável o fato de que ao sermos emancipados por Dom João VI, e desde então eximidos da tutela de Pernambuco, estamos até hoje reféns das maldades e estripulias políticas da elite alagoana, seus postulantes e asseclas.

As eleições majoritárias estão aí, batendo a nossa porta, e sempre haverá alternativas capazes de aliviar um pouco o estigma desse fardo atávico, que nos foi legado como herança maldita. Sou daqueles que ainda crê no exercício do voto sensato, como um importante instrumento de cidadania e mudança, sem fisiologismo ou ardores ideológicos e passionais. As cartas estão na mesa e não vale trapacear com o nosso povo.

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Sem prorrogação

9 de setembro de 2022 11:42 por Mácleim Carneiro

Moacyr Barbosa no gramado do Maracanã. Crédito: El País.

Mesmo sem eu ser um acumulador consciente, volta e meia é preciso desentulhar coisas acumuladas ao longo do tempo. Recentemente, nesse processo fengshuiano, encontrei uma prova feita no meu tempo de estudante de jornalismo, para a matéria Cinema, ministrada pelo querido e saudoso professor Elinaldo Barros, do qual tive imenso prazer e sorte em ter sido seu aluno, em aulas memoráveis sobre a sétima arte.

A minha nota na prova foi um dez, porém, o comentário do mestre é que foi tudo. Escreveu ele: “Gostei da viagem” (foto). Pelo o que eu deduzi, ao ler a prova depois de tanto tempo, assistimos o filme Barbosa, do cineasta Jorge Furtado, para depois comentá-lo. Ousarei transcrever a minha “viagem”, como classificou o querido professor Elinaldo.

“Em 1950 eu tinha oito anos antes de nascer. Embora, ao nascer, tenha nascido campeão do mundo, nasci ainda sob o signo da frustração, da humilhação e da derrota que ‘Barbosa’, o filme, e Barbosa, o goleiro da seleção brasileira, engendraram, antes de mim, para toda uma nação.

Mácleim Carneiro

Silenciar sobre o enredo de 1950 nunca foi possível e nunca será, pois o silêncio esgotou-se, engoliu a si mesmo e foi engolido pelos milhares de cada um, que foram a alma de um país gigante que, naquela tarde, coube inteiro dentro de outro gigante chamado Maracanã.

No filme de Jorge Furtado, o passado e o futuro se encontram pela ficção. Na alma do torcedor brasileiro, esperança e frustração se encontram e se renovam pelas possibilidades que o filme propõe. A quem cabe a culpa na crença inabalável do que pode acontecer? Essa reflexão, proposta por ‘Barbosa’, o filme, poderia ter perpassado Barbosa, o goleiro, ao apito final do sonho de 1950. Contudo, qual de cada um de nós, brasileiros, poderia responder ou defender essa penalidade máxima? Barbosa, Jorge Furtado, professor Elinaldo, eu, você, brasileiros e uruguaios, não temos mais prorrogação nem prerrogativa.”

Fim!

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Crédito: Ludopedio.org.br

 

Maricenne Costa, A Cantora de Voz Colorida

2 de setembro de 2022 12:07 por Mácleim Carneiro

 

Na imensa maioria das vezes, os livros sempre me revelam algo que eu desconhecia até então. Pode ser um fato, um acontecimento histórico, teorias mirabolantes, pontos de vista exclusivos e singulares, enfim, uma infinidade de possibilidades ao conhecimento e aprendizado. Porém, quando se trata de uma biografia, sobre uma personagem que eu deveria conhecê-la, pois construiu sua carreira e sua obra no universo artístico, no qual eu também trafego, então, o fato de desconhecê-la foi mais do que uma revelação da minha ignorância, foi de uma incompreensão inédita, porém, reflexiva e esclarecedora. Só por essas possibilidades, o recém lançado livro ‘MARICENNE COSTA, A Cantora de Voz Colorida’, escrito a quatro mãos por Elizabeth Sene-Costa – irmã caçula da biografada – e pela jornalista e escritora Vitale de Castro Laís, com pitadas generosas dos depoimentos transcritos da própria Maricenne Costa, já valeria a pena e tornou-se um imensurável achado para mim.

O livro, que me foi enviado pelo querido Beto Previero e reforçada a sua importância pelo não menos querido Moisés Santana (ambos, personagens citados e atuantes nessa obra biográfica), foi como uma grande janela que se abriu à minha ausência de conhecimento sobre a vida, trajetória artística e obra de uma grande cantora brasileira, uma das pioneiras da Bossa Nova e pioneiríssima ao gravar Chico Buarque pela primeira vez, num compacto simples lançado em 1964, com a canção ‘Marcha Para Um Dia de Sol’.

Biografia Imprescindível

Ao ler sua biografia, soube que Maricenne Costa começou muito jovem, ganhando o concurso A Voz de Ouro ABC, da extinta TV Tupi, no início da década de 1960. Rapidamente, tornou-se conhecida em todo o Brasil, à época, pela sua voz afinadíssima e límpida, como uma fonte pura e translúcida, que despertava admiração e provocou o comentário do mestre João Gilberto: “Que mensagem linda tem a sua voz, ela tem cores…”

‘MARICENNE COSTA, A Cantora de Voz Colorida’ também é um livro iconográfico, posto que repleto de fotografias, recortes de jornais e inúmeras capas de discos lançados pela artista, que também foi atriz de teatro muitíssimo bem-sucedida. Além disso, o livro traz depoimentos significativos de pessoas que foram importantes e acompanharam de perto a carreira e trajetória de Maricenne Costa. De tudo isso foi feito ‘MARICENNE COSTA, A Cantora de Voz Colorida’, uma biografia imprescindível à história da música popular brasileira, além de uma deliciosa leitura, repleta de aprendizados e lição de vida, para os dias frios do mês de agosto de uma era nada comum.

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Senhora dos Prazeres

26 de agosto de 2022 5:28 por Redação

Reprodução

Neste mês de agosto celebra-se o Dia de Nossa Senhora dos Prazeres, padroeira de Maceió. A imagem da santa apareceu pela primeira vez sobre uma fonte em Alcântara (Portugal), na Quinta dos Condes da Ilha. Desde então, essa fonte foi chamada de santa, porque sua água passou a curar várias enfermidades. Nossa Senhora dos Prazeres é a mesma Nossa Senhora das Sete Alegrias, devoção de origem franciscana.

A imagem é representada tendo em suas mãos o menino Jesus e em volta de seus pés sete cabeças aladas de anjos, simbolizando suas sete grandes alegrias. As maiores alegrias, ou os maiores prazeres de Nossa Senhora, foram enumerados por um noviço franciscano e são os seguintes: a anunciação do anjo; a visita à sua prima Isabel; o nascimento de Jesus; a visita dos Reis Magos; o encontro de Jesus no templo; a ressurreição de Jesus e, finalmente, a sua coroação no céu.

Já deu para perceber que acabo de poupar uma visita ao Google. Pois bem, prazerosamente compartilhando os meus recentes conhecimentos, saberemos que no Brasil, além de Maceió, Nossa Senhora dos Prazeres é padroeira de Lages (SC), do Estado do Espírito Santo e do Santuário de Nossa Senhora da Penha (Vila Velha). Existem igrejas dedicadas a ela em Minas Gerais (Diamantina e Lavras Novas) e em São Paulo (Piracicaba). Porém, o templo mais famoso fica aqui pertinho, do nosso lado, em Recife, nos Montes Guararapes.

Ano Propício

Fiz questão de fazer esse rápido histórico, para tentar embasar uma teoria que me parece pertinente, ao saber que Maceió não é a única cidade privilegiada em ter Nossa Senhora dos Prazeres como padroeira. Assim, como conclusão imediata, suponho que Nossa Senhora tem muitos outros compromissos e deve pairar bastante atarefada. Portanto, há de querer que os viventes desempenhem com mais zelo e sentido comunitário as suas funções de cidadania. Por isso – tão ou mais importante do que preces e demonstrações de fé –, bom mesmo seria se nos dispuséssemos a auxiliá-la no zelo pelo o nosso aquário.

Aliás, este ano é bem propício para isso. Podemos começar tendo clareza na escolha do nosso futuro, sob a égide dos políticos e governantes, sempre tão servis e prestimosos na TV. Além disso, que tal uma postura cidadã, em prol da coletividade e, sobretudo, uma efetiva colaboração para que a nossa cidade seja melhor, mais fraterna, com mais justiça social, enfim, uma cidade digna de sua padroeira?

São sete os prazeres e alegrias de Nossa Senhora dos Prazeres. Sete, também, poderia ser o número de atitudes positivas que cada um de nós deveria ter para que Maceió volte a sorrir – usando o velho e surrado bordão. Para mim, seria muito simples exemplificá-las. Eu não teria nenhum grau de dificuldade. Contudo, provavelmente, não significariam nada para qualquer outra pessoa, a não ser eu mesmo. Atitudes transformadoras são de foro íntimo, são concebidas na individualidade da consciência pessoal e, quando consistentes, podem sensibilizar uma coletividade. Como disse Maurice Duguit (filósofo francês), “as transformações do mundo são feitas a partir de uma minoria determinada, não de uma maioria conformada”. Cada indivíduo deve ser capaz de saber quais as transformações pessoais que, repito, podem fazer jus à padroeira que temos.

Acho que tudo não passaria de retórica, se agora mesmo eu não começasse a prática da minha argumentação. Para isso, aproprio-me de uma nova consciência, porque sei que é o primeiro passo para novas atitudes. Aproprio-me da poesia, porque sei do que a poesia é capaz. E, também, sei que: “Rainha de terra e mar / Senhora do azul do céu / Iara da Mundaú / Sereia das enseadas / Mãe d’água de Maceió / Sua graça é dos prazeres.” *

* Trecho da poesia Senhora dos Prazeres, de Ronaldo de Andrade

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Era de peixes

19 de agosto de 2022 11:20 por Mácleim Carneiro

Fonte: IG Saúde

Estão cada vez mais raras homenagens sem hipocrisia, sem usofruto político, retornos econômicos e segundas intenções. No caso dele, não. Não mesmo! Tratava-se de uma singela homenagem que um colega de ofício, um amigo, iria lhe prestar. Por isso mesmo a homenagem era digna de toda a sua atenção e respeito. O próprio amigo o havia avisado, com bastante antecedência, que uma de suas músicas estaria no repertório do show e contava com a presença do ilustre compositor. Tudo, absolutamente tudo, poderia acontecer: menos sua ausência ao show e, por tabela, à homenagem.

Habitar um reino, ser o king absoluto, tem lá suas vantagens e desvantagens também. As vantagens são inúmeras, ainda mais quando a latitude deste reino o situa à beira-mar e equidistante do centro neurótico do aquário e do acarajé da Dona Bau. As desvantagens, paradoxalmente, também são as mesmas. Principalmente, pela distância do reino em relação à periferia, ou seja, qualquer outro ponto do planeta. Assim, o King Sauaçuy, o homenageado, precisaria sair cedo, com a antecedência necessária para não perder o compromisso.

Molhadinha e Suculenta

Uma vez fora do reino, nada mais seria previsível, tudo poderia acontecer. Portanto, aquela bela Arabaiana (sei que é um peixe, mas, nos permita a liberdade “poética”), ainda com um brilho nos olhos, lustrosa, molhadinha e suculenta, se mostrou irresistível à cognição imperiosa da cadeia alimentícia, que falou mais alto. Mesmo contra toda dificuldade logística, que aquele approach poderia acarretar; pimba; foi gula à primeira vista.

Daí, já bem acompanhado pela Arabaiana, o King chegou ao local do show sem atraso e sem a desconfortável possibilidade de, enquanto platéia, ser a única testemunha da sua própria homenagem. Embora cada vez mais restrita, ele sabia que essa possibilidade poderia acontecer. Afinal, o show era de um artista local, habitante do aquário que, naquela noite, uma quinta-feira, tinha a concorrência de outros “colegas” dividindo o que já lhe era escasso.

Elegantemente vestida, num modelito de folhas de jornal, mais pós do que qualquer criação pós-pós da Fashion Week, digna da primeira página do Caderno B, do jornal Gazeta de Alagoas e seus modernosos jornalistas, a Arabaiana, discretamente aconchegada em seus braços, tentou honrar o compromisso do King. Tudo envão. Preconceituosamente, não escapou aos olhos e olfato do porteiro do teatro e foi barrada. O King poderia entrar. Ela, não!

Freezer Vip

Passado o constrangimento inicial, a solução encontrada foi conduzir a Arabaiana para, digamos assim, um clima mais propício. Contrariado, mas cedendo aos apelos da direção da casa, o King permitiu que sua acompanhante fosse confortavelmente instalada no bar do teatro, dentro de um freezer. Afinal, aos que perguntassem por ela, ele simplesmente poderia responder: está na ‘frisa’ ao lado…

O show começou, a homenagem foi prestada, mas o King se mostrava impaciente e frequentemente saia do Teatro de Arena. Tal comportamento gerou curiosidade e certos comentários de alguns amigos, tipo: “ele deve estar com incontinência urinaria”, dizia um, “coisas da idade”, dizia outro. O que ninguém sabia era que, ao deixar sua acompanhante no freezer vip, o barman o avisara que encerraria o expediente antes do final do show. Por isso, sua preocupação e saídas intercaladas rumo ao bar.

O fato é que os deuses aquáticos regam certo por linhas áridas. Parecia que tudo estava escrito no zodíaco, pelo signo de peixes, claro. Assim, sincronizadamente, no início da última música do show, o King voltou para o seu lugar na platéia. Dessa vez, sorridente e com um semblante de alívio, tendo sua acompanhante a tiracolo. Exatamente no momento em que Basílio Seh atacava de ‘Carapeba’, música de Luiz Gonzaga – “ei lá vem esquenta muié / é som, é gente, é vida, é pó…” –, como se fora uma homenagem, um encontro pescado para uma emocionada Arabaiana e seu feliz acompanhante. Enfim, como escreveu Mia Couto, “a pessoa amada nunca se encontra, ela se constrói numa paciente obra a dois.”

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Dia do Apêndice

12 de agosto de 2022 2:47 por Mácleim Carneiro

 

Resisto aos reclames da mídia para os dias comemorativos de apelos sentimentais, que só se concretizam, de fato, por meio da prenda. O Dia dos Pais é um deles. Aliás, resisto, mas acabo caindo na arapuca e fazendo igualzinho a todo mundo. É claro que eu sempre tive um ótimo motivo para ficar vulnerável aos tais apelos, para o segundo domingo de agosto.  E era por causa dele que, desde que me dei conta da minha frágil autossuficiência, eu desfrutava a possibilidade de, ano após ano, ter o privilégio da dialética criada pela dúvida e seu conceito antagônico.

A batalha era desencadeada dias antes do dia D, e sempre acabava com a derrota do raciocínio pragmático para o apelo comércio-sentimental, desembocando sistematicamente na seguinte questão: o que comprar de presente para o meu pai? A dificuldade não residia apenas na escolha do objeto. Tudo começava quando eu dava o pontapé inicial, no que parecia ser um processo investigatório, e tentava saber da minha mãe e da minha irmã o que é que ele gostaria de receber de presente. Elas nunca sabiam! Isso me deixava perplexo e ainda mais confuso, pois não sei de onde tirei a idéia de que elas tinham que saber disso.

Fiel da Balança

 

Talvez, por sorte ou ironia, não sou pai biológico. Portanto, tenho uma visão unilateral dessa data. Partindo do ponto de vista de ser apenas filho, clichês tipo: “para mim, dia dos pais são todos os dias”, faziam sentido e reforçavam a minha rejeição à questão comercial, que explora o sentimentalismo sugerido nessas efemérides. O jogo do toma-lá-dá-cá, imposto pelo consumismo, transforma datas como estas em focos mercadológicos que, ao menos, de quebra, proporcionam dividendos afetivos, os quais sempre foram suficientes para determinar o fiel da balança para mim.

Do ponto de vista do pai homenageado, pela ótica da experiência, não sou a pessoa mais indicada para arriscar qualquer comentário. Porém, pela intromissão do palpite, imagino que deve ser um bom momento para refletir sobre a dádiva recebida, se merecida ou não. Embora nossa estrutura social, apesar das mudanças, ainda tenha bases sólidas no patriarcado bíblico, se eu fosse pai, me perceberia apenas como um apêndice, com toda ou nenhuma complexidade que resume tal conceito.

Compreensão do Óbvio

 

E antes que a revolta paterna caia sobre mim, quero deixar bem claro que um apêndice, embora apêndice, é de importância fundamental e não secundária, como citam os dicionários. Um apêndice atua como facilitador e auxiliar das possibilidades, é acréscimo e instrumento que podemos contar com ele todas às vezes que necessário for, atua como gancho forte o suficiente para suportar e cumprir sua missão e, numa visão mecânico-sociológica, uma vez externo, é apoio e ponto de orientação.

Quem nunca se viu diante de uma xícara fumegante e percebeu o quanto é fundamental contar com a asa? Portanto, resumo minha reflexão na compreensão do óbvio: fui um sujeito de sorte! Tive um Pai que possibilitou o conteúdo ser sorvido pela importância do que, apenas aos olhos, aparentava ser exterior. Já são 5 anos sem a sua presença física, portanto, partilho este sentimento com todos que, assim como eu, tiveram ou têm a felicidade de ter o porquê para comemorar esse dia.

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