sexta-feira 29 de março de 2024

Antídoto Circular

26 de março de 2024 11:18 por Mácleim Carneiro

Divulgação

Qual a grande diferença da música instrumental em relação, digamos assim, à convencional, à música com letra e cantada? Sob determinado ponto de vista, aparentemente, seria o paradoxo da naturalidade objetiva, pois a música instrumental não precisa da intermediação das palavras, nem para o bem nem para o mal. Então, por que, na maioria das vezes, ela parece ser tão incompreensível ao gosto do ouvinte leigo aos meandros de uma música mais elaborada?

A audição do álbum instrumental, ‘Circular’, do baterista alagoano Carlos Ezequiel, nos permite espargir uma luz conveniente e aprazível na direção de uma melhor compreensão dessas questões interrogativas. Sabemos que o maior e mais receptivo mercado para a música instrumental ainda é o dos Estados Unidos, mas o músico brasileiro, na hora de produzir e gravar os seus trabalhos, nunca deu muita bola para essa realidade mercadológica. Vai em frente e realiza, mesmo que ainda seja para poucos e bons apreciadores do refinamento musical em texturas e climas sensoriais.

Lampejos Apolíneos

Circulando com Carlos Ezequiel neste trabalho, estão músicos que dialogam na mesma sintonia, embora com sotaques linguísticos e musicais diferentes. Aliás, dialogar na mesma sintonia é uma característica da música instrumental, sobremaneira. Não há colóquio musical sem afinação na interação dos protagonistas, o que os coloca no mesmo patamar e evita abismos e diferenças intransponíveis. Por isso, ‘Circular’ conta com o talento de músicos como o norueguês Lage Lund (guitarra), o americano David Binney (sax), e os brasileiros Gui Duvignau (contrabaixo acústico) e Gustavo Bugni (piano). Eles gravaram todas as faixas do álbum em duas sessões ao vivo, sem overdub, sem emendas. Todos eles na mesma sala, de uma só vez, como recomenda os melhores manuais jazzísticos, tipo: um, dois, três; valendo! Essa atmosfera está presente em cada faixa e é perceptível em nuances e dinâmicas, deslocamentos e métricas, conceitos e polirritmias próprias ao espírito criativo, onde a individualidade acontece a serviço do todo e o todo se rende ao prazer da individualidade improvisatória nos lampejos apolíneos.

Carlos Ezequiel

O baterista alagoano, desde cedo, quando em 1996 foi estudar na Berkeley College, já estava decidido a interagir com outras possibilidades musicais e assumir uma carreira como compositor, tendo em vista a perspectiva de atuar não apenas como sideman. Ele sabia, por exemplo, que Charles Parker, na década de quarenta, já gravava com grupos cubanos. Que o Vitor Assis Brasil tocava elementos jazzísticos em música brasileira e ninguém podia dizer que aquilo não era música brasileira. Ou ainda, que o Villa-Lobos fez Bachianas Brasileiras, e não tem nada mais mesclado do que juntar Bach com a cultura nacional. Carlos Ezequiel, ou simplesmente Carlinhos, como é carinhosamente conhecido, foi em busca do que acreditava. Ele viu, vivenciou e hoje consegue se expressar por esse viés. ‘Circular’ tem muito dessa linguagem, de um hibridismo universal proposital e consciente!

Polirritmia Circular

A faixa quatro, ‘Circular’ (Carlos Ezequiel), que não por acaso dá título ao álbum, é perfeita como exemplo prático da riqueza de detalhes híbridos, implícitos a ela. O tema é um velho e bom baião em 2/4, porém, o groove se desloca circularmente. Daí o título do baião e do álbum! Com isso, como acontece na música africana, abaixo do Saara, o tema vai trocando o ponto de partida nos três tempos do baião, do primeiro ataque para o segundo e depois para o terceiro. Daí volta tudo, criando um deslocamento, uma polirritmia circular. Sem dúvida, isso a torna um tanto complexa, não por uma questão de dificuldade técnica na execução, mas porque altera a maneira de organizar a música, o que obriga aos músicos saírem da zona de conforto a que estão acostumados.

Das oito faixas de Circular, cinco são de Carlos Ezequiel e três do pianista Gustavo Bugni. Fica evidente que o cerne dos temas, de um e de outro, são distintos, mas preservam uma identidade lógica, que os aproxima em prol da unidade do álbum; o que leva a supor que ambos têm a noção de perspectiva. Ou seja, àquela noção de saber de onde viemos e de saber que caminhos escolher, se soubermos àqueles que os outros trilharam. Circular é um antídoto fortíssimo, uma vacina para este país musical, que a cada dia se torna um país mais surdo, porque as pessoas parecem ouvir mais a mesma música, e assim ouvem menos música na verdade.

No +, MÚSICABOAEMSUAVIDA!!!

Serviço
Circular, Carlos Ezequiel
Plataformas digitais: Spotify, Deezer, iTunes

 

SARRAFO ALTÍSSIMO

22 de março de 2024 2:18 por Da Redação

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O pequeno e acolhedor jardim de um sobrado, localizado pertinho da “praça do Rex”, na Pajuçara, rapidamente tornou-se o ponto de referência para fruição de música substantiva no aquário.

Essa tarefa coube ao Clube do Jazz e à sensibilidade empresarial e artística da Eveline, criadora do Café do Sobrado.

Essa última quinta-feira foi mais uma daquelas noites onde pude sair de casa convicto de que iria alimentar a alma, com mais uma performance impecável do Clube do Jazz e do convidado especial, o grande trompetista brasileiro Joatan Nascimento.

Um músico, quando atinge a plenitude da sua expressão musical, sobe o sarrafo na altura do que nos proporcionou o mestre (também no sentido literal) Joatan Nascimento, àquela noite.

A começar pelo repertório jobiniano (só para os que têm musculatura musical), Joatan encantou, com um fôlego juvenil e embocadura perfeita, para o domínio e técnica singular do fluguel e trompete, em improvisos fantásticos, criativos em melodias, fraseados de leveza e dinâmicas precisas, que eternizavam segundos, minutos e momentos.

Obrigado aos mestres (foto), que ratificam a espiritualidade e transcendência da música que toca a alma.

Foi uma noite especial e inesquecível!

No +, MÚSICABOAEMSUAVIDA!!????????????

Beira-mar femininamente profunda

11 de março de 2024 12:55 por Da Redação

Divulgação

Às vezes, a capa de um álbum é tão sugestiva, que o conteúdo guardado por ela, literalmente, salta aos olhos. Outras vezes, são tão enigmáticas as possibilidades, que o conteúdo se torna uma incógnita e, por isso mesmo, tão atrativo quanto à primeira possibilidade. No caso específico, o álbum Cantos à Beira-mar – a poesia de Maria Firmina dos Reis na música de Socorro Lira – é o 12º álbum de uma compositora, poeta, cantora e produtora musical paraibana, que atua num circuito cultural de um Brasil profundo, sem maquiagens, de relações e ações verdadeiras. Portanto, amodal. Pois bem, a arte da capa é de um simbolismo poético, que se revela por inteiro: uma imagem de mulher em negativo preto, que logo será ratificada ao aprofundarmo-nos aos pilares da obra, como a sussurrar ao ouvido de outra mulher, que sabemos ser Socorro Lira, poemas e poesias que arejam e fecundam a criatividade da artista paraibana, num sopro fértil do passado. Portanto, na semana em que se comemora o Dia Internacional da Mulher, a nossa coluna Depois do Play não poderia ter melhor e mais significativo álbum a ser analisado.

Mas quem são essas personagens, que fornecem a estrutura basilar para esse belo trabalho, que, por ser belo e verdadeiro, é por demais brasileiro e não será encontrado na mídia e nos veículos difusores da música hegemonicamente oca? A primeira, Maria Firmina dos Reis (1822-1917), foi uma escritora e poeta negra, que nasceu há dois séculos, no Maranhão, cujo centenário de sua morte aconteceu em 2017. Ela é considerada a primeira romancista brasileira, pois, dez anos antes de Castro Alves ter lançado o seu romance Navio Negreiro (1869), ela lançou o romance antiescravista Úrsula, em 1859. Ela também foi professora e faleceu aos 95 anos em Guimarães, no interior do Maranhão.

Socorro Lira, assim como Maria Firmina, é nordestina. Nasceu no sertão da Paraíba, na zona rural de Brejo do Cruz. É, sobretudo, uma ativista cultural e, como tal, criou o Projeto Memória Musical da Paraíba – PMMP. O que lhe possibilitou trabalhar com artistas e grupos de cultura popular naquele Estado, registrando manifestações populares em quatro CDs e um documentário. Outro projeto que ela criou e toca desde 2014, é o Prêmio Grão de Música, onde assina a direção artística. Além disso, Socorro Lira mantém uma agenda regular de shows pelo Brasil e já se apresentou em vários países dos continentes europeu, africano, asiático e latino-americano. Portanto, é mais uma artista brasileira que ratifica o que escreveu Aldir Blanc, em Querelas do Brasil: “O Brazil não conhece o Brasil.”

Projeto de Fôlego

O álbum Cantos à Beira-Mar é o resultado expandido do que é o EP denominado Seu Nome. Nele, a compositora acrescentou mais seis temas inéditos e ampliou sua homenagem à poeta maranhense, amalgamando mais música e feminilidade às artes e à poesia que nos chega de um tempo tão distante. Porém, o embasamento dessas obras é muito maior e mais ousado! Tudo começou em outubro de 2017, lá em João Pessoa, num encontro de mulheres da literatura, o ‘Mulherio das Letras’, onde a homenageada do evento era Maria Firmina dos Reis. Lá, Socorro Lira recebeu a proposta de musicar poemas de Firmina. A compositora aceitou o pedido e assim surgiu uma compilação de quatro canções que deram origem ao EP.

Ocorre que o resultado da iniciativa agradou bastante! Daí, nasceu o AvivaVOZ, mais um projeto de mulheres fortes, criativas e propositivas. Resultado: em 14 meses, Socorro musicou 102 poemas de dez mulheres poetas, que publicaram entre os séculos 18 e 20, no Brasil. Cantos à Beira-mar – que teve tiragem de apenas 500 exemplares físicos – foi o pontapé inicial desse material.

Socorro Lira. Divulgação

Feitas as devidas referências e necessárias apresentações, vejo que sobrou pouquíssimo espaço para o álbum em si, mas farei uma espécie de arremate resumido, com algumas considerações sobre ele. Primeiro, quando Socorro Lira se posiciona, nas redes sociais, como defensora de causas democráticas e das lutas femininas, ela ratifica em ação, por exemplo, na ficha técnica desse álbum. E, assim, traz participações femininas importantíssimas e competentes. Claro, a começar pela poesia de Maria Firmina, passando pela pesquisa das escritoras Maria Valéria Rezende e Susana Ventura, a arte da capa de Bernardita Uhart, até chegar às musicistas Ana Eliza Colomar (flauta e violoncelo), Clara Bastos (contrabaixo acústico) e Cássia Maria (percussão).

Protagonismo e Singeleza

Sem abrir mão do seu fiel escudeiro de longas datas, o violonista e compositor pernambucano Jorge Ribbas, que assina todos os arranjos e, certamente, foi o responsável pela arregimentação e pelos convidados especiais Ricardo Vignini (guitarra slide), Júlio Caldas (baixolão e cavaquinho) e Álvaro Couto (acordeon), todos com participações expressivas, que agregaram imenso valor a esse trabalho. Assim, Socorro Lira teceu um álbum de absoluta singeleza, onde, sabiamente, as melodias contemporâneas e o linguajar da verve poética de um século distante, foram priorizados, como deveriam ser, e tornaram-se protagonistas absolutos, com a cumplicidade efetiva dos arranjos, que proporcionaram a simplicidade economicamente necessária à construção dessa obra imprescindível à cultura nacional, por vezes tão invisível!

O álbum encerra com um baião, que nos remete a uma nostalgia não vivida, quiçá, do século 19, mas, que não impede sua desenvoltura melódica e rítmica totalmente contemporânea. Antes, passa por uma milonga dos pampas de Veríssimo, porém, tudo começa com um bolero de profundo cismar e pungente aflição, de doce langor, um tanto solene no volver envolvente, anunciando que algo bom começou e está ao nosso alcance, para deguste da nossa fruição! E tem samba, reggae, canção, fado, valsa e loa de maracatu. E há um mundo de motivos para conhecermos a musicalidade esculpida pela compositora, na pedra fundamental da poesia secular de Maria Firmina. “Porque a história é cíclica e o que tem consistência permanece. Porque ela fala de sua época como pouca gente falou, a partir do lugar de mulher, negra, sem posses, quando a escravização do povo negro ainda era legalizada neste país.” Sintetiza, maravilhosamente bem, Socorro Lira!

NO +, MÚSICABOAEMSUAVIDA!!!

Serviço 
Cantos à Beira-mar, Socorro Lira
Disco físico: à venda pelo site WWW.socorrolira.com.br/loja
Plataformas digitais: YouTube, Spotify, Deezer e etc.

 

 

Revolução feminina

8 de março de 2024 9:33 por Mácleim Carneiro

portalmulheramazonica.com.br/

Ratifico, para mim mesmo e todas as mulheres do grupo, neste dia tão simbólico, o meu ponto de vista de que a mulher moderna não é resultado da evolução feminina e sim da revolução feminina.

Evoluídas sempre foram!

A diferença é que a mulher contemporânea tem conquistado os espaços necessários à sua capacidade intelectual e humana.

Em última análise, somos nós, os caras-pálidas, que deveríamos estar atentos aos benefícios desta revolução, para que, genuflexos, possamos agradecer e comemorar esse dia tão singular e meritório.

Parabéns é pouco; é efêmero!

Gratidão é mais justo, imprescindível e carece ser eterna.

No +, MÚSICABOAEMSUASVIDAS!!????⚘️⚘️⚘️⚘️

Nem oito nem oitenta

15 de fevereiro de 2024 4:37 por Mácleim Carneiro

Foto: Reprodução/Instagram

O 8º lugar da Beija-flor foi expressivo, também, como quebra de paradigma do número 8, que no Tarô significa equilíbrio.

Como todos sabem, o alcaide Jotaglacê enterrou 8 milhões dos maceioenses no Carnaval do Rio de Janeiro desse ano. É muito dinheiro para o pífio desequilíbrio do resultado final.

Aliás, o número 8 representa ainda duas forças: a energia que vem da terra e sobe para o universo e a energia que desce para ser descarregada na terra.

No desfile da Beija-flor, percebia-se, claramente, uma ala branca de energias negativas.

No +, MÚSICABOAEMSUAVIDA!!!

Óh quarta-feira ingrata

14 de fevereiro de 2024 10:53 por Mácleim Carneiro

César Rodrigues

Da última vez que falei com o Leonardo Arecippo, ele estava na fase das pesquisas, para escrever um livro sobre os antigos festivais universitários de música.

Desde então, e já faz um tempo, não sei se ele concluiu esse importante trabalho.

Porém, o Facebook, em suas lembranças, me trouxe, por exemplo, essa imagem (foto), onde estão ao fundo o Felix Baigon, o Zé Barros, agachado, e, em primeiro plano, o saudoso César Rodrigues, grande vencedor de festivais, com seu timbre de voz poderoso e afinado.

Eram os anos 1980 e as páginas encardidas dos jornais registram um tempo que ficou para trás.

No +, MÚSICA BOA EM SUA VIDA!????????????

Maclein e Nelsinho no III Festival Universitário de Música

Som na Faixa

25 de janeiro de 2024 9:30 por Mácleim Carneiro

Reprodução

Com quase dois anos de atraso assisti a minissérie ‘Som na Faixa’ (originalmente, The Playlist), baseada no livro Spotty Untold, dos jornalistas Sven Carlsson e Jonas Leijonhufvud, cujo tema é a criação da principal plataforma de streaming Spotify.

Sim, é um relato de ficção, porém, fundamentado em fatos reais, onde os suecos Daniel Ek e Martin Lorentzon são as personagens principais, que decidiram revolucionar a indústria musical, lá no começo dos anos 2000, e criaram mais um truste, mais um braço do cartel da indústria musical.

Aparentemente, tudo o que aparece na tela tem a ver com o que de fato ocorreu na vida real.

Porém, o capítulo final foi dedicado à fictícia cantora Bobbi T, interpretada pela atriz e cantora sueca Janice Wakander, no papel de porta-voz de artistas como eu.

Para não me alongar e sem querer dar spoiler, a minissérie revela, detalhadamente, o que os fatos confirmam: o Spotify acabou fazendo um acerto com as grandes gravadoras, para resolver a questão da propriedade do uso dos fonogramas, dos royalties, onde todos eles acabaram ganhando, menos, mais uma vez, os artistas e produtores das obras.

Ou seja, o tal “novo modelo de negócio” contempla os mesmos de sempre, menos os músicos que, dessa vez, passaram a perder ainda mais do que antes.

Sem dúvidas, indico aos meus colegas da música, com algumas ressalvas e a clareza de que essa história está muito longe de um desfecho a nosso favor.

No +, MÚSICABOAEMSUAVIDA!!! ????????????

Nigromantes caetés

20 de janeiro de 2024 8:13 por Mácleim Carneiro

 

Divulgação

 

Resenhar o trabalho instrumental de três dos mais hábeis músicos aquarianos, significa que a Depois do Play começa o ano com o pé direito. Refiro-me ao EP ‘Música Ginga Brasileira’, da banda alagoana Nigros, que, embora tenha sido gravado entre os anos de 2022 e 2023, só em fevereiro será lançado pelo selo Poliphonia. Porém, eles já deram uma palinha do que vem por aí, quando subiram para as plataformas do streaming musical o single da faixa ‘Isca de Malícia’, em novembro do ano passado, durante as comemorações do mês da Consciência Negra.

Do latim nigru, como elemento de formação que exprime a palavra negro, o trio formado por Dinho Zampier (teclado e sintetizador), Ykson Nascimento (baixo) e Rudson França (bateria), foi buscar o nexo e a identidade pertinentes ao nome da banda, repleto de simbolismos e significados, que traduzem muito bem a música feita e proposta por eles nesse trabalho. Curiosamente, Nigro também é o nome de uma marca de panelas que, metaforicamente, teria todo sentido e utilidade, diante da mistura de sabores proposta pelo trio, que perpassa a musicalidade do berço africano, com seus batuques orgânicos e ancestrais, até chegar aos gêneros mais elaborados, como referências da música negra do Brasil e de alhures.

Power Trio

Em nossa latitude aquariana, são poucas, raras e boas as incursões e ousadias pelo universo da música instrumental. Entretanto, o resultado dos álbuns instrumentais, lançados no aquário, é altamente satisfatório. Mesmo que os rastros sejam curtos, conseguem ser marcantes o suficiente para iluminar os caminhos dos que se propõem a segui-los por esse gênero tão singular! Certamente, Dinho Zampier, que além de assinar os teclados e programações, assina a produção muitíssimo bem resolvida desse trabalho, sabe dos caminhos e atalhos e de como um power trio (formato de banda de rock popularizado na década de 1960) pode soar poderoso por si só ou em camadas.

Portanto, ele soube como ninguém escolher, para estreia fonográfica da Nigros, convidados que agregaram imenso valor à sonoridade da banda. Especialmente, pelo calor swingado de um naipe de metais, formado por Natan Oliveira (trompete e pífano), Ely do Sax (sax tenor), Jota Edson (trombone) e Siqueira Lima (trompete). Além disso, a já famosa e frutífera parceria entre Dinho Zampier e Cris Braun foi ratificada na faixa ‘Cafuné’ (D. Zampier), onde Cris faz os vocalizes e, quando o samba se faz mais samba, ela é exclamativa e manda o alerta: “segura o cafuné”!

Polirritmia

Sou daqueles que entendem: tudo o que nasce a partir de um conceito já tem meio caminho andado. Portanto, o EP ‘Música Ginga Brasileira’, seguramente, nasceu a partir de um belíssimo e intenso conceito: música negra alagoana/brasileira, feita por músicos negros caetés. Começando pelo conceito do que seja um EP, apenas seis faixas são ofertadas para o nosso deleite. ‘Banzo’ (D. Zampier) abre os trabalhos e faz jus ao significado da palavra, que lhe dá título. Ela tem uma tristeza melancólica em sua argumentação melódica e rítmica, arrematada pelo trompete de Natan Oliveira, inspiradíssimo no que já nos revelara Miles Davis. Na sequência, ‘Da Janela Pro Quintal’ (Ykson Nascimento e D. Zampier), o groove do contrabaixo de Ykson Nascimento é quem guia o trio pelos caminhos que, mais uma vez, são iluminados pelos improvisos do teclado de Zampier e do trompete, com surdina, de Natan Oliveira.

Em ‘Isca de Malícia’ (D. Zampier), aparece pela primeira vez o naipe de metais, alternando cama e melodia, dando o clima e a sensação de que a Black Rio passou por aqui e a Pantera Cor de Rosa (pelo fraseado sintetizado do teclado) seguiu sambando e funkeando até o fim do tema. Como que para anunciar que já estamos próximos ao replay da audição, ‘Afrobykson’ (Ykson Nascimento), além da nomenclatura autoral do baixista, brinca com a divisão e provoca uma interessante polirritmia, que arruma a casa para a curta e sincopada melodia do pífano de Natan Oliveira. Nossa oitiva chega ao fim, com a sexta e última faixa ‘Muvuca à Olivetti’ (D. Zampier). Por certo, uma bela e dengosa homenagem ao grande e saudoso maestro, arranjador, tecladista e produtor musical Lincoln Olivetti, onde o pífano dialoga com os metais e com as sonoridades propostas pelos teclados de Zampier.

Eu até poderia encerrar essa resenha de supetão, sem fade out, como terminam a maioria das faixas do EP ‘Música Ginga Brasileira’. Porém, antes, é preciso dizer que não tenho dúvidas de que esse trabalho marca a estreia e o porvir de uma jornada exitosa de três músicos talentosos, que se uniram em Nigros, para nos brindar com esse belo trabalho e ratificar que as ideias estão soltas pelo ar!

SERVIÇO
Música Ginga Brasileira, Nigros
Link para o single Isca de Malícia:
https://open.spotify.com/album/2bUwQmbdylccAIKx3qwtSq

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Dos livros que li – Tudo é Rio (Carla Madeira)

 

Não resisti ao canto da sereia e logo que terminei a leitura do Véspera, o terceiro romance da escritora mineira Carla Madeira, mergulhei fundo no seu primeiro sucesso editorial, o romance Tudo é Rio, lançado em 2014. Agora, só falta A Natureza da Mordida, publicado em 2018, mas esse é outro assunto.

Quando digo que mergulhei fundo, é porque, metaforicamente, foi como um mergulho em apneia, daqueles que você demora o máximo de tempo possível contemplando as belezas submersas e só volta à tona quando é imperativo respirar. Aí, você respira, enche os pulmões de ar e mergulha novamente, ávido para retornar às belezas e mistérios de um mundo habitado por personagens intrigantes e por uma realidade ilusória e magnética.

Triângulo Amoroso

Pois bem, bastaram-me dois desses mergulhos, para que eu desse cabo da leitura de mais um envolvente romance dessa escritora que, certamente, já tem o seu lugar garantido entre os autores de musculatura da literatura brasileira contemporânea. Esse é um daqueles livros que você pode indicar sem medo de causar qualquer tipo de decepção ou desencanto. Por isso, concordo plenamente com o que escreveu Martha Medeiros, em uma das orelhas do livro, referindo-se à habilidade da autora em “conduzir a trama para longe do lugar-comum e dominar o erotismo – ela narra o explícito sem ser vulgar, ela perturba e fascina, é atrevida e lírica”.

A trama, gira em torno do triângulo amoroso entre marido, mulher e uma prostituta, com variantes e férteis percepções individuais e coletivas, onde cada personagem revela faces e facetas desconhecidas, porém, previsíveis no escopo das aptidões e idiossincrasias humanas. Todavia, o que mais me encanta nesse belo romance é a inquestionável capacidade do refinamento da síntese poética, que volta e meia se revela no urdimento da prosa da autora.

Encanta-me frases assim: “Não disse nada, apenas ganhou a rua tentando caber no mundo”. Ou, ainda: “O perdão não muda o passado. O passado é eterno”. Por isso, depois de conhecer a obra de Carla Madeira, meu passado não carece de perdão, pois coube-me o mundo.

No +, MÚSICABOAEMSUAVIDA!!!

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Dos livro que li – Véspera (Carla Madeira)

Carla Madeira é uma autora mineira, que largou um curso de matemática e se formou em jornalismo e publicidade. Véspera é o seu terceiro livro, lançado em 2021, após o considerável sucesso do primeiro tudo É Rio (2014) e o não menos exitoso A Natureza da Mordida, lançado em 2018.

 

Véspera, é um romance envolvente, daqueles em que o leitor vai sendo enredado pela habilidade narrativa da autora e pela construção minuciosa das personagens. As 278 páginas são facilmente consumidas, pelo vai e vem do núcleo dos personagens, que se revezam brilhantemente em capítulos distintos. Esse tipo de estrutura funciona muitíssimo bem, posto que conduzida por uma escritora do naipe de Carla Madeira, uma artífice das palavras, que sabe capturar o leitor, como as redes capturam o peixe em alto mar.

 

Logo nos primeiros capítulos, a autora demonstra toda sua criatividade, usando as personagens bíblicas, Caim e Abel, como referências no desenrolar da trama, na qual, o pai, para se vingar da esposa, registra em cartório os nomes bíblicos para os filhos gêmeos, frutos de uma precária união matrimonial. A carga emocional que todos carregam, a partir da escolha do pai, para os nomes das crianças, tenciona o romance do começo ao fim.

 

Os vários núcleos de personagens se conectam entre si e fazem o todo da trama ser criativo, inteligente, envolvente e muito bem urdido. A certa altura do romance, a autora coloca em cena o abandono de uma criança de apenas seis anos de idade, deixada pela própria mãe na calçada de uma grande avenida. Esta, por sua vez, é casada com Abel, um dos gêmeos. Aliás, o que não falta nessa turma toda são problemas psicológicos, que delineiam a criação dos personagens.

 

Porém, engana-se quem pensar que Véspera é um romance duro, seco e frio. A prosa poética de Carla Madeira fica evidente no trato refinado das palavras e nas frases bem elaboradas e precisas. ”Tenho pra mim que o grande talento dele é a curiosidade, além do senso de humor, que é de longe a melhor inteligência que se pode ter.” Ou quando escreve: “A confirmação de uma suspeita é sempre um excesso de realidade”. Nesse caso, para mim, a suspeita sobre Véspera tornou-se uma deliciosa realidade!

No +, MÚSICABOAEMSUAVIDA!!!

Retroexpectativa

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Desde meados de 2021, quando começamos a publicar a coluna Depois do Play, que ao final de cada ano fazemos um rápido balanço, um tipo de retrospectiva, uma espécie de prestação de contas aos nossos 14 leitores. Portanto, ao findar este ano bastante significativo, no qual tivemos um abjeto atentado à nossa democracia, mas pulamos essa fogueira e voltamos a respirar ares de liberdade e desenvolvimento democrático, social e econômico, onde a produção musical brasileira tomou novo fôlego e nos brindou com alguns álbuns arrebatadores! Não poderíamos deixar de ter o nosso retrovisor particular, para que a Depois do Play, a partir dos rastros dessa caminhada em 2023, continue firme no propósito de olhar adiante, sem perder de vista nossas referências pretéritas.

Por conseguinte, como a nossa publicação é quinzenal e tem a precisão do cocorocó de um galo de terreiro anunciando um novo amanhecer, tivemos 24 resenhas publicadas ao longo de todo esse ano de 2023. Assim, os nossos 14 leitores tiveram a possibilidade de conhecer os lançamentos de artistas e compositores, que são fora da curva e não se encaixam no quadradinho mediocrizante dos canais de TV aberta, bem como no mar de mesmices que assolam o streaming e se reproduzem como gremlins, vendendo aos incautos acríticos água com açúcar, como se fosse licor.

Exceção Para Mim Mesmo

Dessa maneira, a cada mês foram publicadas no mínimo duas resenhas sobre álbuns de artistas locais e de algures. De tal modo que, em janeiro, tivemos os álbuns ‘Bossatômica’, lançado pela banda alagoana Divina Supernova e o álbum instrumental ‘Som Das Cordas’, do violonista alagoano, de Pão de Açúcar, Wilbert Fialho. Fevereiro, continuou numa pegada híbrida, com os álbuns ‘Dinho Nogueira e Zé Barbeiro Ao Vivo em Paris’, um trabalho instrumental do grande violonista alagoano Zé Barbeiro, radicado em São Paulo há bastante tempo, além do belíssimo álbum ‘Alto Grande’, do violeiro e escritor paulista Paulo Freire, em seu mais perfeito amálgama entre o causo e a música.

Passada a folia, em março tivemos uma exceção aberta para mim mesmo. Por isso, transcrevi os escritos do encarte do meu mais recente álbum, ‘H’cordas’, lançado naquele mês. Depois, tivemos o interessantíssimo álbum instrumental ‘Dorsal’, do jovem guitarrista pernambucano Ítalo Sales. Em abril, trouxemos o álbum homônimo ‘Almateia Duo’, criado pelo compositor e pianista carioca Ricardo Duna Sjöstedt e pela cantora e compositora Ana Cecilia Mamede. Apresentamos, também, o guitarrista, compositor, arranjador e autor de livros didáticos Fernando Corrêa, com o seu álbum instrumental e homônimo.

Resiliência

Em maio, ocorreu uma pequena pausa. Feriamos e demos um pulo fora do país e um refresco aos nossos 14 leitores. Porém, durante as quadras juninas, voltamos com a corda toda e foram três publicações na Depois do Play. A primeira, sobre o primeiro álbum de jazz produzido em latitude aquariana, o excelente ‘The Magic Hour’, do já extinto grupo Brasil Modern Jazz Quarteto. Depois, abrimos mais uma exceção, para uma homenagem póstuma ao nosso saudoso e querido Carlos Moura, com o texto ‘Estrela Cor de Areia’, onde dizíamos que, agora, o meu querido amigo tornou-se uma estrela cor de areia! Por fim, fechamos o mês de junho com a resenha sobre o maravilhoso álbum ‘Aluê’, que podemos dizer ser o primeiro disco brasileiro do grande percussionista Airto Moreira.

Seguimos resilientes em nosso propósito, para que em julho apresentássemos o interessantíssimo álbum da banda alagoana Herocoice, que se intitula ‘Trabalho Novo’. Depois, tivemos a banda Mopho, com o seu quarto álbum ‘Brejo’, lançado em 2017. Tivemos ainda o álbum instrumental ‘Cavaquinho Azul’, com a imaginação criativa do músico, compositor e cavaquinista Salomão Miranda. Ultrapassada a metade do ano, o mês dos gostos e desgostos foi pródigo, nas resenhas dos álbuns ‘Zé’, do artista paulistano Zé Eduardo, cheio de alagoanidade em conceitos, arranjos e seis músicos nutridos pela sustança do sururu, e o álbum ‘A Cor do Céu Mudou’, da banda Dharma, um tipo de filho temporão da banda de rock alagoana.

Estímulo Único

Setembro foi o mês no qual passaram por aqui o belíssimo álbum ‘Bossa 65’, cujo subtítulo é Celebrating Carlos Lyra and Roberto Menescal, mais uma pérola do mestre Antonio Adolfo! Também tivemos a resenha sobre cem outras resenhas, que foram escritas por cem outros autores e foram compiladas em um único volume, cujo título é bem específico: ‘1979 – O Ano Que Ressignificou a MPB’. Já na reta final do corrente ano, duas bandas alagoanas preencheram o mês de outubro: o terceiro registro do power trio Necro, com o álbum ‘Adiante’, e o interessantíssimo álbum ‘Frectivo’, da alagoaníssima Xique Baratinho. O mês de novembro foi camarada e nos concedeu tempo e espaço para três resenhas: o álbum ‘UNA – Zéli Silva Convida’, do contrabaixista Zéli Silva, recheado de convidados singulares; o álbum ‘Tesouros’, lançado pela cantora paulista Renata Finotti, e a resenha do álbum homônimo ao show ‘Aqui Alagoas’, do mestre Ibys Maceioh. Finalmente, dezembro chegou e para encerrar com claves de sol, fá e dó, tivemos a resenha sobre o genial álbum ‘Duo + Dois’, comemorativo dos 40 anos de carreira do Duofel.

Na verdade, quero mesmo é agradecer aos que junto comigo fazem a Depois do Play e fortalecem em mim a certeza de que ninguém é nada sozinho! Por isso, quero agradecer à minha tia e revisora Josete Carneiro, à minha companheira Vera Garabini, que sempre faz a primeira leitura das resenhas, ao jornal O Dia, nas pessoas gentis de Iracema Ferro e Deraldo Francisco, aos talentosos artistas e ao Beto Privieiro e Moisés Santana (Tambores Comunicação), que me abastecem de matéria-prima. Porém, e sobretudo, quero agradecer aos nossos 14 leitores, razão maior e estímulo único e necessário para continuarmos nessa labuta. A todos e todas, um próspero e auspicioso ano novo, com muito mais.

MÚSICABOAEMSUASVIDAS!!!

 

Música perde Carlos Lyra

16 de dezembro de 2023 1:39 por Mácleim Carneiro

Foto: Divulgação

Entendo que acaba de nos deixar um ícone da música brasileira, um compositor de inúmeras pérolas do nosso cancioneiro, que foi um dos pilares da bossa nova e que, certamente, era merecedor de muito mais reconhecimento em vida.

90 anos é tempo suficiente para que um artista, um compositor como ele, tivesse tido todas as homenagens retribuitivas à sua obra e seu legado.

O Antônio Adolfo, em seu último álbum, prestou uma belíssima homenagem ao Carlos Lyra, e sempre afirma a importância que ele teve em sua carreira, quando atuou com ele lá no início, no Beco das Garrafas.

Contudo, como afirmava o Tom Jobim, o Brasil não ama seus artistas…

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Meu sindicato preferido

14 de dezembro de 2023 12:26 por Mácleim Carneiro

Reprodução

Recentemente, um amigo me enviou essa foto do meu registro no Sindicato dos Músicos Profissionais do Município do Rio de Janeiro.

De acordo com a ficha de filiação, em 1986, eu era Cantor Popular e Tocador de Violão.

De fato, fui mesmo e ralei bastante, porque não queimei etapas, não pulei degraus.

Paralelamente, essa foto me faz lembrar quando me formei em jornalismo e não tive o menor interesse em me sindicalizar, pois sempre achei muitíssimo estranho, por quase 30 anos, o Sindicato dos Jornalistas de Alagoas aceitar um prêmio jornalístico patrocinado pela Braskem e ser conivente com os fatos escabrosos que aconteciam na planta da fábrica da mineradora e andar de mãos dadas com uma empresa criminosa, que se mostrava como tal desde a sua implantação.

Portanto, ter sido sindicalizado como músico profissional e agora receber essa relíquia particular, me faz refletir que é muito bom ter pertencido ao sindicato de uma classe que, até por ofício, jamais se calará.

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A Ibys o que é de Ibys

Quando surge uma boa ideia e esta é posta em prática, o que resulta é sempre algo positivo. Especialmente, quando tal ideia for relativa ao universo musical e suas possibilidades de encantamento. Com uma ideia na cabeça e muita disposição nas mãos, a produtora Weldja Miranda foi à luta e no Dia Internacional da Mulher, em 2018, homenageou as mulheres, na figura da grande personalidade do rádio alagoano, Floracy Cavalcante. Para tanto, Weldja pensou e produziu um show que também foi uma homenagem e reconhecimento a um dos mais importantes compositores da cena caeté. Um artista íntegro e resiliente em sua proposta musical, merecedor, sem senões, do foco e releitura que a sua música obteve nas vozes das mais expressivas e significativas cantoras da nossa cena, que deram tônus e uma nova perspectiva à obra do incansável Ibys Maceioh.

E assim, aconteceu o show Aqui Alagoas, que, por sua vez, deu origem ao disco homônimo, o qual será o nosso tema de agora. Antes, porém, vale pontuar sobre o mestre Ibys e sua trajetória de mais de quarenta anos “correndo trecho”, como o próprio costuma se referir a propósito de sua carreira artística. Particularmente, Ibys Maceioh sempre foi sinônimo de exímio violonista, com harmonias de difícil execução, repletas de ninhos de aranhas e pestanas complicadas, coisa de quem, à época em que o conheci, era professor do CLAM (Centro Livre de Aprendizagem Musical), a famosa escola de música do Zimbo Trio, em São Paulo. Anos mais tarde, eu, também, correndo trecho, não era raro nos encontrarmos nos ônibus da Viação Cometa, indo do Rio para São Paulo ou vice e versa.

Merecida Homenagem

Ibys é um artista sensível, que corriqueiramente usa a palavra “feliz” em quase tudo que escreve e fala. Um ser que tem sempre um sorriso pronto para o desarme de qualquer cara feia, apesar das adversidades e inúmeras barreiras no mister de sua sina e expressão de vida. Adocicado pelos canaviais do Litoral Norte, mais precisamente da terra de Calabar, sua Porto Calvo de origem, Valmiro Pedro da Costa tornou-se Ibys Maceioh por opção, por entender em nosso aquário algo icônico, que lhe conferiria representatividade, mesmo que a recíproca nunca tenha sido verdadeira e nem na mesma proporção da sua escolha. O fato é que só após todos esses anos de fidelidade a tal identidade escolhida, e por iniciativa particular e nunca institucional, lhe foi feita esta justíssima homenagem. Ainda bem, que aconteceu em vida e antes tarde do que nunca! E foi mesmo uma bela e merecida homenagem, abraçada de canto e alma por dez intérpretes maravilhosas e oito músicos extraordinários.

Ibys Maceió

Wilma Miranda, Leureny Barbosa, Elaine Kundera, Ana Gal, Mel Nascimento, Ismair Martins, Fernanda Guimarães, Lara Melo, Nara Cordeiro e Irina Costa, acompanhadas pelos músicos Allysson Paz (bateria), Félix Baigon (contrabaixo), Willbert Fialho (violão), China Cunha (percussão), Everaldo Borges (sax e flauta), Jiuliano Gomes (piano e teclados), com as participações especiais de Thiago da Sanfona e Siqueira Lima (trompete), oxigenaram e deram nova expressão e cor à obra de um exímio compositor, cuja especialidade transita entre sambas, boleros, blues e xotes, tudo harmonicamente urdido por belos arranjos funcionais e uma direção musical precisa do mestre Félix Baigon, que já se tornou sinônimo de qualidade e eficiência nos palcos aquarianos.

Manequins da Ribalta

O álbum Aqui Alagoas é o resultado de uma parte do que foi o show homônimo. Um registro de maneira resumida, pois são apenas dez faixas – uma para cada intérprete – escolhidas do repertório de vinte músicas, que compuseram o setlist do show. Este não é um disco feito para constar em prateleiras da livre concorrência de mercado. Não foi feito para isso! Este trabalho funciona mais como um assentamento do que foi realizado em determinado momento e circunstância específica. Não caberia aqui uma avaliação criteriosa e muito menos técnica. Do contrário, correríamos o risco de ter um contraponto tal, que poderia até embaçar a riqueza musical e as peculiaridades do que de fato interessa neste trabalho.

Portanto, fico com o que é relevante e salta aos ouvidos pela diversidade do que encontramos no recorte da obra do Ibys Maceioh e das interpretações performáticas e singulares, que as divas do canto generosamente assinaram para sempre neste trabalho. Sendo assim, desde a abertura do álbum, com a Wilma Miranda cantando ‘Eu Sou o Show’, em um arranjo com assinatura jazzística do Félix Baigon, até a última faixa ‘Aqui Alagoas’, em um arranjo não muito feliz, cantada pela Mel Nascimento, temos um desfile de alta-costura musical, com belíssimas manequins da ribalta, em performances inspiradas e algumas surpresas interessantes, como, por exemplo, Irina Costa cantando o xote ‘Terminada a Tempestade’, com tempero à Gomes de Sá no bacalhau do zabumba.

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Serviço 
Aqui Alagoas, Ibys Maceioh
Plataformas digitais: Apple Music, Spotify, Deezer

 

 

 

 

 

 

 

Dos livros que li – HAI – QUASE (Fernando Sérgio Lyra e Sidney Wanderlei)

6 de dezembro de 2023 9:18 por Mácleim Carneiro

 

Capa dura, quase um livro de bolso, grandioso em suas proporções estéticas ao manejo e estilísticas à leitura, beleza visual e fruição. Vinte e um anos após sua primeira edição, o livro Hai – Quase, essa felicíssima parceria entre os poetas Fernando Sérgio Lyra e Sidney Wanderley (que também comungam a fartura de ípsilones) voltou adulto e vestido para matar. Como se não bastasse a meta linguagem de si mesmo, onde a poesia vai muito além da forma, as belíssimas fotos monocromáticas de Juarez Cavalcante, as fotos coloridas do acervo histórico de Sidney Wanderley e o sóbrio e elegante projeto gráfico e diagramação de Fernando Rizzoto, conferem à essa edição uma maturidade e equilíbrio irretocáveis, se não pensados, ao menos executados com primazia.

O encantamento acontece fluído, página após página, e o “Quase” não se estabelece, posto que o pleno se faz guia, preenchendo os espaços imaginários até onde nem espaços há. Aliás, a apresentação é dupla, pelos moldes acadêmicos e poéticos dos escritos primorosos dos poetas e mestres Hildeberto Barbosa Filho e Fernando Fiúza, paraibano e alagoano, respectivamente, que não deixam margens para qualquer comentário impertinente de leitores afoitos e atrevidos como eu.

Como um jantar de fino trato, onde acontece a entrada, o prato principal e a sobremesa, regado a sabores apetitosos, distintos e complementares, ao final, Sidney Wanderley nos brinda com deliciosas crônicas iconograficamente ilustradas, tudo em porções francesas, que não saciam, mas contentam plenamente, na medida de um porvir. Sem me atrever a mais nenhum comentário, fico com o que escreveu o poeta Fernando Fiúza: “Hai – Quase é um livro leve e azul”.

bert!

 

Ao Tapajós o que é de César

31 de outubro de 2023 4:36 por Da Redação

Paulinho Tapajós (Foto: Fernando Moraes/Folhapress)

Em 2013, no Caderno B, do jornal Gazeta de Alagoas de uma terça-feira, a matéria de capa foi sobre o americano Lou Reed.

E, lá, no referido caderno, numa tirinha espremida num cantinho da página 2, como obituário, estava um dos mais importantes compositores brasileiros, Paulinho Tapajós.

Com todo respeito ao Lou Reed, porém, com mais respeito ainda ao Paulinho Tapajós (foto), a que atribuir tamanha discrepância em detrimento ao que é genuíno e brasileiro?

1- Ao nosso aculturamento, pelo imperialismo da cultura norte-americana, aliás, como fica evidente agora, com essa coisa de hallooween, assumindo assim a nossa condição de subserviência cultural.

2- À ignorância e desinformação dos jornalistas (também em nível nacional) sobre quem foi e qual a importância da contribuição do Paulinho Tapajós à cultura brasileira.

3- Finalmente, à preguiça da editoria e dos jornalistas, que, simplesmente, preferem reproduzir matérias de agências de notícias a ter que botar a mão na massa, como foi o caso.

Não importa! Em qualquer das opções, foi deprimente.

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Plenitude Musical

21 de outubro de 2023 4:06 por Mácleim Carneiro

 

Ricardo Silveira. https://www.instrumentalsescbrasil.org.br

 

Uma das coisas boas de estar de volta ao aquário, é a possibilidade de assistir aos shows promovidos pelo projeto ‘Jazz Panorama ao Vivo’.

Sua vigésima quarta edição aconteceu na última quarta-feira, no Teatro de Arena, e teve como convidado especial o guitarrista carioca Ricardo Silveira, que, pelo seu vastíssimo currículo, inclusive internacional, dispensa apresentações.

O show foi aberto pelo também guitarrista alagoano Ricardo Lopes, que, gentilmente, estendeu o tapete para o seu xará carioca.

Foi, de fato, uma noite muitíssimo especial, onde Ricardo Silveira (acompanhado dos músicos do Clube do Jazz, Allyson Paz, Félix Baigon e Robson Cavalcante), do alto de sua maturidade musical e técnica apurada, apresentou a música como verdadeira expressão de arte, organicamente executada, com alma, precisão e impressionante domínio do seu instrumento de trabalho. Privilégio dos que atingiram a tão difícil e sonhada plenitude musical.

Aliás, privilégio, também, dos que lá estiveram em sintonia com o que nos foi ofertado.

 

Temas conhecidos, como ‘Portal da Cor’ , uma parceria com Milton Nascimento, ‘Beira do Mar’, da época do icônico álbum High Life, e outros mais recentes, como o impressionante e hipnotizante ‘Tango Carioca’, ratificaram a dimensão e o patamar no qual se encontra o músico Ricardo Silveira e, sobretudo, o compositor.

 

Há que se ressaltar a performance dos músicos do Clube do Jazz, acima citados, que, claramente, facilitaram o conforto do convidado especial àquela noite.

Enfim, foi um espetáculo onde os Deuses apolíneos se fizeram presentes, retificando que a magia acontece quando a música é tratada e posta com o devido respeito e carinho, tão em falta ultimamente, mas que lhe é de direito irrefutável.

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Ricardo Silveira e Feliz Baigon. Foto: Cortesia

 

É Hoje!

18 de outubro de 2023 4:47 por Mácleim Carneiro

 

O Jazz Panorama ao Vivo está de volta ao palco do Teatro de Arena Sérgio Cardoso, hoje, 18 de outubro, a partir das 20h.

Nesta edição, a atração principal é o guitarrista carioca Ricardo Silveira, que tocará acompanhado pelo Clube do Jazz Maceió.

A abertura do espetáculo contará com o guitarrista alagoano Ricardo Lopes, que trará ao público composições de seu novo álbum.

Certamente, haverá um diálogo de Ricardo para Ricardo, amplificado e elevado ao quadrado das guitarras.

Portanto, imperdível! Nos veremos lá!

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Em qualquer mundo

2 de outubro de 2023 9:20 por Mácleim Carneiro

 

Ana Gal. Foto: Vera Garabini

O projeto Primavera no Sobrado, que teve o Clube do Jazz Maceió apresentando Cris Braun, Leureny, Dandara Ruffer, Fernanda Guimarães e a Ana Gal (foto) encerrando-o com todas as chaves do mais valioso mineral terrestre ou dos reinos apolíneos, aconteceu durante todo o mês de setembro, no Café do Sobrado, graças à sensibilidade e bom gosto musical da Eveline, que tem mantido as portas abertas para um tipo de música pouco vista e ouvida por aí.

Falo da música rica e bela em todos os elementos e fundamentos Evelineque qualificam e robustecem a percepção de que podemos passar longe da mediocridade. Em projetos como esse, ela resiste bravamente, apesar da crescente e constante tentativa em silenciá-la. Tal prática, tem se tornado usual nos diversos níveis de gestão pública, passando pela homogeneidade das plataformas de streaming e redes sociais, até chegar aos veículos da mídia hegemônica e mercadológica.

Porém, o que presenciei e vivenciei no Café do Sobrado foi de uma luminosidade e harmonia tais, que pude até vislumbrar um sopro de esperança na tal luz do fim do túnel e, sobretudo, pressentir que tanta qualidade e sensibilidade musical nunca estarão sozinhas, pois sempre haverá um público correspondente e a altura do que lhe é ofertado.

Everaldo Borges, Felix Baigon, Ana Gal, Alyson Paz, Dinho Zampier. Foto: Fernando Andrade

Alyson Paz, Dinho Zampier, Everaldo Borges, Félix Baigon (bem rotulado pela Eveline, como ‘locomotiva do jazz’) e a maravilhosa Ana Gal (foto2) entregaram muito em performance e repertório, que me senti privilegiado e orgulhoso por estar ali. A música e o desempenho de seus protagonistas foram tão mágicos e oníricos, que até imaginei estar no Carnegie Hall ou qualquer outra grande sala de espetáculos desse planeta, afeitas e afins da música por excelência.

Ana Gal, nos criativos duetos com cada um dos músicos, esbanjando técnicas vocais e musicalidade extrema, ou no show de skats, como só as mais belas divas do jazz sabem fazer, ou ainda pela dramaticidade interpretativa e emocional, que ela soube tecer em Esquinas, dando a esse belo blues do Djavan uma interpretação comovente e inesquecível, ratificou-me a certeza de que está pronta e lapidada para brilhar em qualquer mundo ou lugar. Então, que venham novas primaveras, por aqui e alhures!

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O que diria Van Gogh?

Um tanto desconfiado, fui à exposição Van Gogh Live 8K (foto), em um dos shoppings do aquário, que os organizadores denominaram de Exposição Imersiva, como se ao fruidor toda obra de arte não o fosse. Fui, desconfiado, porque achei que nada poderia superar a experiência de quando visitei o museu Van Gogh, em Amsterdam. Por fora, de arquitetura arrojada e modernista (foi inaugurado em 1972), por dentro, reúne a maior coleção de obras do artista e de alguns contemporâneos seus, todos impressionistas.

O fato é que a obra do holandês genial sempre será impressionante, seja lá de que maneira for apresentada. De fato, a exposição está muito bem-montada e é muitíssimo interessante, com exceção de dois fatos, que me chamaram atenção. Aliás, um deles foi bastante incômodo, para mim. Primeiro, as réplicas de alguns quadros de Van Gogh estão expostas sob vidros transparentes, nos quais estão escritos textos (foto 2). Dessa forma, nem a leitura dos textos é totalmente agradável e nem os detalhes das telas podem ser apreciados na íntegra. Do meu ponto de vista, acontece uma dualidade visual e cognitiva de interferência mútua.

Porém, a coisa mais constrangedora e nada a ver da exposição, foi o fato de, ao sairmos da sala mais lúdica e imersiva, onde as projeções em 8K e a música envolvente de Bach, Debussy, Pink Floyd, Ravel, bem como a narração harmoniosa da grande Fernanda Montenegro, ativarem a certeza de que valeu a pena estar ali, damos de cara com a tal cadeira do prefeito Jotaglacê, instalada onde fica a loja com produtos customizados. Portanto, ainda dentro do espaço da exposição, como um todo.

Imagino que pode ter sido até proposital, no sentido de provocar espanto e alguma reflexão, pelo choque inevitável, entre a genialidade de um Van Gogh e mediocridade oca e provinciana de um alcaide “instagramável”.

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