Por Mauricio Angelo, do Observatório da Mineração
Nada disso é propriamente uma novidade, mas no dia em que a maior operação contra a cúpula do ex-governo de Jair Bolsonaro tomou as ruas, cabe lembrar. As marcas do garimpo ilegal inundam o roteiro do golpe de Estado fracassado que Bolsonaro e sua claque de generais egressos da ditadura tentaram aplicar. Assim como o garimpo foi aliado de primeira e última hora, um sócio permanente alçado ao alto escalão de Brasília durante todos os 4 anos de Jair Bolsonaro.
Valdemar Costa Neto, o presidente do PL, partido de Bolsonaro e do vice, o general Braga Netto, foi preso com uma pepita de ouro em casa. Perícia preliminar apontou, claro, que a origem da pepita tem tudo para ser do garimpo (e rapidamente acabam de confirmar que sim, é). O próximo passo será a Polícia Federal tentar identificar, por análise química, a origem exata do ouro. Não será muito difícil.
Como mostrou o De Olho nos Ruralistas em 2022, Costa Neto foi dono de mineradora e é sócio do coordenador do movimento “Garimpo é Legal”, um desses grupos que surgiu para fazer lobby pró-garimpo e é encabeçado por Rodrigo Cataratas, notório “empresário” envolvido em diversas investigações.
Não é um mero acaso, um fato menor, uma dessas coincidências da vida.
O dinheiro farto do garimpo ilegal foi um eixo estruturante da “gestão” de Jair Bolsonaro, da cúpula militar que foi nomeada para influenciar e minar órgãos como a Funai, o Ibama, o ICMBio e todos os sócios do bolsonarismo que lucraram bilhões no período 2019-2022 e seguem lucrando. Tudo isso foi investigado, apurado e demonstrado fartamente em dezenas de matérias do Observatório da Mineração.
Este roteiro também está resumido no relatório especial “Dinamite pura: como a política mineral do governo Bolsonaro armou uma bomba climática e anti-indígena“, lançado em março de 2023 em parceria com o Sinal de Fumaça.
Os fatos da operação da PF se somam ao histórico cristalino e inegável das digitais do garimpo como parceiro de negócios do governo Bolsonaro e influenciador direto e indireto no roteiro do golpe de Estado que Bolsonaro e a escória da ditadura militar tratou de berrar durante os 4 anos que esteve no poder.
Empresários do garimpo financiaram os atos terroristas de 8 de janeiro de 2023. George Washington, acusado de tentar explodir um caminhão com querosene no aeroporto de Brasília no fim de 2022, foi recebido pelo deputado Joaquim Passarinho (PL-PA), ferrenho defensor do garimpo, um mês antes da tentativa de atentado.
Empresários do Pará, Rondônia e Mato Grosso ligados ao agronegócio e ao garimpo financiaram parte dos golpistas. Pecuaristas, garimpeiros e políticos usaram as redes sociais para convocar seguidores de Bolsonaro ao golpismo.
Hamilton Mourão, ex-vice presidente, eleito senador pelo Rio Grande do Sul, foi às tribunas convocar mais um levante contra a democracia. Não por acaso, Mourão, que era supostamente responsável pela Amazônia, é muitíssimo próximo de diversos empresários da cúpula do garimpo ilegal e fez questão de receber todos eles em Brasília, como este Observatório da Mineração mostrou em janeiro de 2021.
Em março de 2021, matéria especial mostrou que Jair Bolsonaro e Marcelo Xavier, da Funai, se reuniram com lideranças indígenas para pressioná-las a apoiar o PL 191, incentivaram lideranças de diversos povos a aprovar o garimpo e o agronegócio em terras indígenas e apoiaram a criação de uma “cooperativa” que seria “modelo” para o garimpo em TI’s.
O MapBiomas mostrou que o garimpo ilegal em terras indígenas aumentou impressionantes 632% de 2010 a 2021. É no período do governo de Jair Bolsonaro, porém, que a situação se agravou drasticamente.
Pastores pediam propinas em barras de ouro para influenciar políticas no Ministério da Educação. Garimpeiros do Pará foram transportados em aviões da FAB para se reunir com o ex-ministro Ricardo Salles, hoje deputado federal, em Brasília. Ações de fiscalização começaram a vazar sistematicamente para favorecer garimpeiros ilegais, como mostrei no UOL em 2021. Enquanto os Yanomamis pediam ajuda, inclusive em reuniões presenciais na capital federal, o governo Bolsonaro agia para liberar de vez a mineração em terras indígenas.
Jair Bolsonaro, que se orgulha de ter “sangue garimpeiro”, que foi garimpar na Bahia ainda em seus tempos de Exército e que conta que seu pai esteve em Serra Pelada, cumpriu promessas de campanha: não demarcar nem um centímetro de terra indígena, “dar uma foiçada” no pescoço da Funai, escalada para perseguir lideranças indígenas, e colocar o MME, o Ministério do Meio Ambiente e a Agência Nacional de Mineração a serviço de garimpeiros.
As digitais do bolsonarismo acompanham as digitais do crime organizado.
O que as investigações sobre os atentados terroristas de 8 de janeiro de 2023 e toda a trama golpista armada por Jair Bolsonaro e sua cúpula começam a mostrar são novos fatos, provas e evidências que já estavam escancaradas para todos.
Que cheguem até o último responsável, cúmplice e sócio.
O eterno círculo de anistia, conciliação e compadrio, característica estruturante do poder, da política e da história brasileira, nos legou desastres incalculáveis, violações em massa de direitos humanos, genocídios, ecocídios e possibilitou que a escória da ditadura voltasse ao poder, que a extrema-direita se reorganizasse e que siga com inúmeros representantes no Congresso, no judiciário e no empresariado.
Interromper esses vícios de origem é passo essencial para um país que se pretenda minimamente razoável, menos desigual e possível de se viver.