Por Luis Nassif, do Jornal GGN
A celebração dos 90 anos de Luiz Carlos Bresser Pereira, pela Fundação Getúlio Vargas de São Paulo, permitiu a confirmação de características fortes do homenageado: a enorme curiosidade intelectual, que o fez navegar por diversos temas além da vã economia; a generosidade ímpar; o temperamento cordato que jamais transformou adversários de idéias em inimigos, como costuma acontecer no meio acadêmico.
Foi uma sucessão de depoimentos consagradores, de discípulos, colegas, familiares, e até um depoimento fantástico do seu amigo mais antigo, Manuel Gonçalves Ferreira Filho, vice-governador de São Paulo na ditadura militar, ambos adversários radicais de ideias e amigos para toda a vida.
Na homenagem, foram mostrados trechos de críticas de cinema que fazia, aos 19 anos, no jornal O Tempo, de seu pai. Entre elas, uma crítica primorosa sobre John Ford, o maior dos cineastas americanos, e outra sobre o maior cineasta brasileiro da época, Alberto Cavalcanti, contrapondo seu estilo artesanal ao industrial de Hollywood.
Faltou um depoimento sobre um aspecto muito interessante na carreira de Bresser, seu grupo na Juventude Universitária Católica (JUC), que gerou um ativismo de centro-esquerda no seio de famílias tradicionais paulistas. Participavam do grupo Bresser, Fernão Bracher, Plínio de Arruda Sampaio, Jorge Cunha Lima e Lauro Bueno de Azevedo. Em pleno governo Goulart, muitos deles foram para Brasília acompanhar o Ministro da Educação Paulo de Tarso Santos – cujos seguidores tinham um cântico de guerra “Paulo, ó Paulo, vamos fazer revolução”.
Todos eles eram, de alguma forma, parentes, galhos da frondosa árvore das famílias quatrocentonas, o governador da ditadura, Paulo Egydio Martins, o líder da esquerda Plínio de Arruda Sampaio, o neto do Barão de PInhal, Fernão Bracher. E muitos permaneceram, até o fim, firmes no seu compromisso com um Brasil melhor, dos quais o maior representante foi o próprio Bresser.
Acompanhei Bresser desde meus primeiros passos como jornalista. Ele e Eduardo Suplicy eram os únicos articulistas na grande imprensa com visão crítica sobre a ditadura, Bresser se revelando o grande crítico do “milagre”.
Foi com Bresser que emplaquei minha primeira “Página Amarela” na Veja, em uma entrevista com ele e Carlos Estevam Martins sobre o papel da tecnocracia. Depois, encantou-se com o empreendedorismo público, os gestores públicos, prefeitos ou governadores, com gestões inovadoras.
Quando a inflação se tornou o maior tormento brasileiro, ao lado de Yoshiaki Nakano explorou a teoria da inflação inercial. Depois, aprofundou os estudos sobre os efeitos do câmbio na desindustrialização brasileira.
Mas a influência mais marcante foi do ISEB (Instituto Superior de Estudos Econômicos), que defendia um projeto de autonomia para o país, e foi fechado pela ditadura militar de 1964. O compromisso com o Brasil se tornou a bandeira que Bresser traz até hoje.
Tenho alguns episódios de convivência com Bresser, que mostram sua generosidade.
No final dos anos 80 tinha um programa na TV Gazeta e uma coluna na Folha. Fui demitido quando denunciei o então Consultor Geral da República Saulo Ramos. Quem passou pela velha mídia sabe que, quando a pessoa perde o espaço, somem os oportunistas que a bajulavam.
Algum tempo depois, Bresser tornou-se Ministro da Fazenda e marcou uma coletiva em sua casa, para a qual fui convidado. Cheguei atrasado. Ao lado dele, no entanto, havia uma cadeira vazia, me esperando.
Quando lancei o primeiro serviço de jornalismo digital, pelo Cirandão, da Embratel, o lançamento foi em um hotel para o qual foram convidados os proprietários da Dismac e da Gradiente (que fabricavam microcomputadores), os coronéis da SEI (Secretaria Especial de Informática) e o Ministro Bresser Pereira. Quando mostrei o serviço, através de um datashow alimentado por um notebook, Bresser ficou encantado com o notebook. E disse que tinha pedido para Fernando Milliet (presidente do Banco Central) trazer um, quando fosse para os Estados Unidos. Os coronéis da SEI viraram a cabeça de lado, como se não quisessem ouvir aquilo. Na época, era estritamente proibido trazer notebooks na bagagem.
Quando se tornou Ministro da Reforma Administrativa de Fernando Henrique Cardoso, seguiu a mesma metodologia de outros temas em que se interessou: aprofundou os estudos sobre modelos no exterior, criou figuras novas, como o gestor público e as Organizações Sociais e procurou descentralizar as políticas públicas, desfazendo a pesada herança de centralização do período militar.
Tenho sérias dúvidas sobre as OSs. Mas o problema principal foi a não constituição de uma agência de regulação e fiscalização.
Seu cuidado com as pessoas era tão grande que, nos anos 90, me telefonou recomendando uma psiquiatra, que também atendia a Abilio Diniz. Disse que minhas colunas na Folha mostravam que eu estava sob tensão – e estava mesmo, com o primeiro casamento no final.
Em retribuição, quando o gênio Yamandu Costa chegou em São Paulo, mal saído da adolescência, fiz um almoço sarau em casa, para o qual convidei Bresser. Tempos depois, ele me liga entusiasmado de Paris, dizendo que tinha acabado de sair de um show de Yamandu.