29 de julho de 2020 5:00 por Thania Valença
A operação que a Polícia Civil executou na manhã desta quarta-feira, 29, prendendo advogados investigados por repassar informações sigilosas a acusados em crimes, é o fio condutor que pode levar à descoberta de um esquema criminoso envolvendo defensores públicos estaduais. Se a investigação, coordenada pelo delegado Thiago Prado, tiver sequência, a Polícia Civil pode desmantelar um esquema revelador de relações promíscuas e ilegais entre advogados e defensores públicos.
O centro do esquema está no município de Arapiraca, onde a PC realizou a operação. Segundo denúncia de um advogado levada à seccional alagoana da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/AL), é lá que as informações sigilosas que constam de processos criminais em andamento no Sistema de Consultas do Tribunal de Justiça de Alagoas (TJ/AL) são acessadas, estranhamente com o uso de senhas de defensores públicos.
Denominada Backdoor (porta dos fundos, na tradução para o português), a investigação, iniciada a partir de acessos suspeitos detectados pelo Poder Judiciário, mostra que a ação prejudicou o cumprimento de medidas judiciais sigilosas, como interceptações telefônicas e mandados de prisão. Acessando processos, os advogados ficavam sabendo dos passos de investigações, informavam aos réus e estes conseguiam escapar da polícia, além de destruírem provas dos crimes cometidos.
Segundo o delegado Thiado Prado, foram ao todo 91 acessos ao Sistema de Automação da Justiça (SAJ), com as senhas de três defensores públicos estaduais. Uma das senhas estava cadastrada no nome de um ex-assessor da Defensoria Pública Estadual.
Entretanto, nenhum dos defensores públicos cuja senha foi utilizada teve o nome incluído na investigação da PCAL, que atua com autorização da 2ª Vara Criminal da Capital.
“Fomos surpreendidos por não ter um único defensor citado na operação. Se as senhas são deles, como não aparecem?” – indaga o advogado Sílvio Arruda, da Diretoria de Prerrogativas da OAB/AL, que acompanhou o cumprimento dos decretos de prisão, busca e apreensão contra três advogados, na manhã de hoje, em Arapiraca.
O presidente do Tribunal de Justiça de Alagoas, desembargador Tutmés Ayran definiu como “absolutamente graves e inaceitáveis” a ação irregular no SAJ. O magistrado ressalta que os acessos indevidos não provocaram alteração no conteúdo dos processos em andamento.
Na verdade, o sistema do Tribunal não foi invadido, já que os acusados têm senha de acesso. É nesse ponto que a investigação chega aos defensores. De nível mais avançado, a senha deles permite checar informações de processos sigilosos, diligências e até precatórios relacionados a casos de outros estados. O que a Polícia Civil precisa esclarecer é como essas senhas chegaram aos advogados.
Outro lado
Por meio da assessoria, a Defensoria Pública estadual apontou ex-estagiários como suspeitos da irregularidade. Segundo a DPE/AL, os advogados presos sob suspeita de prejudicar o cumprimento de mandados judiciais atuaram como estagiários na instituição nos anos de 2016 e 2018.
A Defensoria esclarece ainda que em outubro do ano passado foi informada pela Polícia Civil da suspeita de que senhas da instituição estavam sendo utilizadas indevidamente. Imediatamente, e no mais absoluto sigilo, passou a colaborar com a investigação, e revisou a segurança do seu sistema, principalmente o acesso a processos sigilosos.
Conforme a nota, um dos advogados suspeitos foi estagiário da Defensoria Pública até junho de 2018 (há mais de 2 anos); o outro estagiário chegou a exercer cargo em comissão por dois meses, sendo exonerado em julho de 2016 (há mais de 4 anos).
“A Defensoria Pública condena e repudia, veementemente, as práticas dos supostos ilícitos e informa que continuará colaborando com as autoridades policiais na investigação”, completa a nota.