4 de dezembro de 2020 11:23 por Luciana Caetano
Tenho lido nas redes sociais a assertiva de que não existe petismo no Brasil, mas luta de classes. Em tese, se há explorados e exploradores e ambos são dotados de consciência de classe, a luta está posta. Todavia, se os explorados se deixaram alienar pela falácia da prosperidade ou por qualquer outra, uma das forças foi neutralizada, restando apenas o domínio de classe. Para compreender melhor esse movimento no Brasil, busquemos os fatos.
A vitória de Luiz Inácio da Silva, há 18 anos, foi gestada pela luta de classes, alçando ao cargo de maior relevância do país um representante genuíno da classe trabalhadora, oriundo da região mais pobre do Brasil. Muitos dos atuais eleitores nem eram nascidos e outros ainda usavam fraldas. Foi uma explosão de esperança, orgulho e alegria para a classe trabalhadora. Essas lembranças nos emocionam até hoje.
Miremos o retrovisor da história:
Em 20 anos (1998-2018), o número de deputados federais evangélicos aumentou 183%, passando de 29 para 82. Movimento semelhante deve ter ocorrido nos estados subnacionais, posto que, entre 2000 e 2010, o número de evangélicos cresceu entre 30% e 50% nas unidades federativas, segundo artigo publicado na Revista FAPESP, de autoria de Christina Queiroz (dez/2019).
Os parlamentares evangélicos, majoritariamente, filiados a partidos de direita e extrema direita, possuem grande capilaridade em todo território nacional e dispõem dos veículos de comunicação de massa. Essa estrutura foi imprescindível ao crescimento silencioso da religião como força política no campo ultraconservador, assetando na vulnerabilidade socioeconômica de regiões periféricas, implantando o domínio de classe através do medo, da culpa e da promessa de prosperidade, armas infalíveis no processo de alienação.
Retornando às eleições de 2002, Lula venceu José Serra (PSDB) com 61,27% dos votos válidos em 26 das 27 unidades federativas (só perdeu em Alagoas). Nas eleições municipais de 2000, o PSDB elegeu 990 prefeitos e o MDB, 1.263. Três eleições depois (2012), o PSDB havia perdido 277 prefeituras e o MDB (coadjuvante no Palácio do Planalto) havia perdido 224, enquanto o PT havia conquistado 463 novas, passando de 189 para 652 prefeituras, no mesmo período. Essa ousadia custou muito caro ao PT, partido representante da classe tradicionalmente explorada que desbancava os dois principais partidos representantes da classe empresarial e das velhas oligarquias.
A capilaridade do MDB e do PSDB nunca foi restrita aos poderes executivo e legislativo, nas três esferas de governo. Ambos têm grande inserção nas instituições públicas, notadamente, do poder judiciário, além do controle sobre o sistema de comunicação privado. Estava em curso o golpe com uma sofisticada articulação interna e infiltração norte-americana, padrão que se repete em toda a América Latina, ao longo de muitas décadas, a exemplo de Venezuela, Bolívia, Equador, Honduras, Haiti e tantos outros países caribenhos e latino-americanos.
Em resposta ao resultado das eleições de 2012, vem a primeira reação com as manifestações de 2013. Aparentemente incompreensíveis, já traziam sinalizações do que viria na sequência, culminando com o golpe contra Dilma e a prisão de Luiz Inácio Lula da Silva, motivado por convicções políticas do poder judiciário, embora sem provas materiais. A articulação do MDB e do PSDB só favoreceu ao PSL e à aberração política do século 21, Jair Bolsonaro. O duplo golpe foi assentado na narrativa de corrupção, produzindo um desgaste político que custou ao PT a perda de 469 prefeituras em duas eleições, caindo para 183 prefeituras em 2020. Como PSDB e MDB acumulavam mais denúncias que o denunciado, sofreram maior efeito colateral nas urnas, embora quase nada do sistema judicial. Entre 2012 e 2020, MDB perdeu mais 255 prefeituras e PSDB, mais 193. De 2000 a 2020, juntos, os dois partidos perderam 949 prefeituras, embora continuem sendo os dois partidos com maior representação municipal.
O PT havia enfrentado dois peixes grandes, marcados por todos os vícios e truques da velha política brasileira. Além de ter reduzido o domínio das duas maiores agremiações partidárias do campo conservador, teve a ousadia de alterar o curso no neoliberalismo no maior país da América Latina, incluindo os de baixa renda no orçamento federal, ampliando a cobertura de saúde e educação no setor público, reduzindo desigualdade social e projetando o Brasil no mundo: através de políticas públicas, conseguiu tirar o país do mapa da fome, enfrentou a crise financeira internacional de 2008 e cumpriu com folga todas as metas ambientais pactuadas nas convenções internacionais. Era muita ousadia para um nordestino sem título de doutor, representante da classe trabalhadora.
O ataque ao Partido dos Trabalhadores foi guiado por um sentimento de derrota acumulado pelos representantes do grande capital e das velhas oligarquias do país, sem reação dos socialmente vulneráveis, neutralizados pelo cartel da comunicação e pelas igrejas evangélicas que se multiplicaram nos bairros periféricos como erva daninha. O antipetismo foi criado nesse caldeirão de entretenimento e fé, a partir das fake News, que vieram e seguem fazendo grande estrago no campo progressista, com poucas reações do lado de cá.
A partir dessa reflexão, recorro aos jovens Marx e Engels que, no Manifesto Comunista, clamavam: “TRABALHADORES DE TODOS OS PAÍSES, UNI-VOS”. É hora de salvar a consciência de classe, única arma capaz de vencer esse estado medonho de alienação.
Luciana Caetano
Economista e Professora FEAC/UFAL