18 de janeiro de 2021 2:44 por Da Redação
O orçamento do governo federal para 2021 projetado para o setor de infraestrutura pela equipe econômica, comandada pelo ministro da Economia, o banqueiro Paulo Guedes é o menor dos últimos 15 anos. O corte pode colapsar não apenas projetos futuros como não ter dinheiro, sequer, para a manutenção básica de diversos setores como rodovias, portos, habitação e saneamento básico, entre outros.
Para obras de infraestrutura estão previstos apenas R$ 28,6 bilhões, neste ano. Em 2020, o investimento também ficou muito aquém do necessário, com apenas 0,5% do Produto Interno Bruto (PIB), afirmou o economista Claudio Frischtak, especialista em infraestrutura ouvido pelo jornal O Estado de São Paulo.
O montante é muito menor do que foi investido nos governos petistas de Lula e Dilma, que teve uma média de 3% do PIB, divididos entre o setor público (com maior participação) e o privado. Nesses períodos, houve um auge de geração de empregos no Brasil, afirma o professor de economia da Unicamp, Marcelo Manzano.
“O Brasil investe muito pouco em infraestrutura. Nos governos Lula e Dilma chegamos a 3%, por que encontraram tudo destruído pelo governo de Fernando Henrique Cardoso [FHC]. Quando os investimentos em infraestrutura do país estavam mantendo uma média razoável e refletindo em mais vagas de emprego, veio o golpe de 2016, e desde lá o país vem investindo menos de 2% do PIB”, conta o professor da Unicamp.
Enquanto o governo de Jair Bolsonaro sucateia estradas, rodovias, portos, aeroportos, entre outras atividades importantes para a geração de emprego, a Pasta da Defesa terá um reajuste, em relação a 2020, de 4,7%, totalizando R$ 110,7 bilhões para as despesas primárias dos militares. O valor está na projeção do orçamento enviado ao Congresso Nacional, em agosto de 2020, mas que ainda não foi votado.
Para Edson Silva, assessor da Federação Nacional dos Urbanitários (FNU) e especialista em saneamento, o investimento necessário em infraestrutura em 2021 é de 4,15%, do PIB, mas o governo não enxerga e reduz o orçamento, impactando no aumento do desemprego, na quebradeira de indústrias e na fuga de investimentos do país.
“A lógica que norteia o governo Bolsonaro é de fortalecer os militares e enfraquecer outras politicas públicas. Isto fica provado nas quedas orçamentárias de 2021. Os investimentos públicos e privados foram de 1,87% do PIB (R$133 bilhões) e este ano será um recorde de baixa”, lamenta o especialista.
Somente para o Ministério do Desenvolvimento Regional , que cuida das políticas de mobilização, o orçamento é de apenas R$ 8,9 bilhões – um queda de 6%”, afirma Edson Silva.
Investimentos públicos são necessários para geração de emprego e renda
A mesma lógica que a falta de investimentos em infraestrutura pode aprofundar a crise econômica, tem o professor da Unicamp, Marcelo Manzano. Para ele, a decisão do governo Bolsonaro em não investir em infraestrutura é gravíssima, um erro estratégico que afeta várias dimensões.
“Se considerarmos países em desenvolvimento, como o Brasil, em que é preciso fazer ainda muita obra para o bem estar da população e, para que a economia cresça, o investimento ideal gira em torno de 5% do PIB”, diz Manzano.
O economista explica ainda que “boa parte deste índice vem de investimento público, o restante do privado. O investimento público é fundamental para puxar e estruturar eixos do investimento privado. Por exemplo, quando o governo investe em ramais ferroviários, o setor privado entra com ações complementares, como estações e rede elétrica nos locais que serão atendidos pelo novo ramal ferroviário. Há uma complementaridade muito grande”.
Manzano defende uma linha econômica contrária aos “Chicago Boys” como são chamados os integrantes da equipe econômica do Brasil. O apelido teve origem no Chile quando profissionais formados na instituição americana que fizeram parte da equipe econômica da ditadura de Augusto Pinochet, voltaram àquele país implantando a cartilha neoliberal econômica dos EUA.
“Países melhores economicamente investem de 8 a 9% do PIB, como é o caso da China e Índia. Alguns países africanos e mesmo na América Latina, como o Peru, em anos anteriores [2014/2015] também investiram muito em infraestrutura.
Razões para a manutenção de investimentos públicos na crise econômica
Manzano lista uma série de repercussões positivas na economia e no bem estar da população brasileira, se o governo federal decidisse por mais investimentos públicos, em vez de manter a política do teto de gastos, que prevê investimentos, no máximo, pelo índice da inflação.
Uma delas é a repercussão positiva, já que investir em infraestrutura é investir no bem estar da população que usufrui de corredores de ônibus, linhas de metrô. Esse bem estar vem acompanhado de geração de bens públicos gratuitos, que permitem as pessoas economizarem. Se há um bom transporte público, não há necessidade de comprar carros, se há boa saúde não há necessidade de pagar plano médico.
“A pessoa deixa de gastar na compra desses serviços, como seguro de saúde e escola privada. Investimento público afeta, principalmente, os mais pobres de maneira eficaz. Mesmo que essas pessoas estejam sem renda ou perderam rendimentos para a inflação, ao não perder esses serviços gratuitos, é ótimo para a sociedade, sobra dinheiro pro trabalhador”, diz.
Outro aspecto é que o investimento público reduz o chamado “custo Brasil”, motivo alegado pela montadora Ford para deixar o país. Segundo Manzano, quando o governo investe em melhores estradas e portos para escoar mercadorias, haverá um efeito positivo para as empresas que reduziram seus custos na manutenção e consertos de caminhões, que atravessam,muitas vezes, estradas esburacadas pelo país.
“Esse efeito sobre a produtividade geral da economia brasileira também é muito sério porque se não tivermos dinheiro suficiente nem para a manutenção das estradas, eleva o custo de produção das empresas. Além de não construir, a falta de investimento destrói o que existia”.
Por outro lado, o investimento em infraestrutura é de longa maturação. São projetos como o caso da transposição do Rio Francisco, do rodoanael, que levam alguns anos de implantação, mas tem a qualidade de garantir demandas a outros setores.
“O setor produtor de cimento sabe que por conta de obras haverá demanda por concreto nos próximos anos e onde será feito. Isto é fundamental para que ele invista numa nova máquina, numa planta de produção, na compra de caminhões para transporte. É uma série de cadeias produtivas que se beneficiam gerando empregos. É um efeito multiplicador sobre as demais atividades produtivas, que se sentem mais seguras, sabendo que haverá demanda para os seus produtos”, afirma Manzano.
Investir em habitação é gerar empregos
Um aspecto importante, segundo o professor da Unicamp, é o investimento em habitação. Nos governos Lula e Dilma, os investimentos no programa Minha Casa, Minha Vida, trouxeram não apenas mais empregos como benefícios para as famílias brasileiras.
“O básico para um trabalhador é ter um endereço. Muita gente não consegue fazer um crédito e ter uma conta em banco, por que não consegue sequer ter uma conta de celular, água e luz que comprove que ele tem um endereço fixo, de que será encontrado caso a instituição financeira precise fazer um contato”, explica o professor.
O investimento em habitação é um dos que mais geram emprego e renda, com vantagens de empregar trabalhadores e trabalhadoras de diferentes qualificações, do engenheiro ao técnico e ao pedreiro com baixa qualificação profissional.
Mas, para isso é preciso haver crédito dado pelos bancos públicos como BNDES, Caixa, Banco do Brasil e Banco do Nordeste. No entanto, mais uma vez, a equipe econômica de Paulo Guedes, vê o banco público como concorrente direito dos bancos privados, apesar deles não darem o financiamento necessário, pela demora em recuperar o capital investido, acredita Manzano.
“O BNDES foi desmontado por Temer e Bolsonaro que consideram a concorrência do banco público desleal com os bancos privados. Mas nenhuma outra instituição financeira privada tomou o lugar do BNDES, que cumpria um papel fundamental ao investir em infraestrutura. Hoje o banco só financia projetos de privatização das estatais, se tornou um agente de financiamento da privatização, como no governo FHC”, critica o economista.
BNDES deixa de financiar saneamento público
A estratégia do BNDES em financiar a privatização de serviços públicos também é criticada pelo assessor da FNU, Edson Silva. Segundo ele, o setor do saneamento público e universal vem sendo atacado com propostas de privatização de empresas estaduais, por todo o país, seja por meio de implantação das Parcerias de Políticas Público-Privadas (PPPs), seja por meio dos leilões de parte das companhias estaduais.
“A região metropolitana de Maceió vai ser operada pela BRK Ambiental, depois do leilão feito no ano passado. O Mato Grosso está fazendo uma PPP de esgotamento sanitário para todo o estado. O Rio de Janeiro está em estado avançado de concessão para a iniciativa privada de vários municípios, com base na Lei nº 14.026 , que cria blocos regionais para serem leiloados ao setor privado, Há um crescente processo de privatização do saneamento”, diz Edson.
“A lógica deste governo é a de que o setor privado vai aportar recursos, o que temos dúvida por que o setor privado não vai trazer dinheiro novo, vai se utilizar de recursos públicos do BNDES e Caixa que poderiam estar sendo oferecidos para o próprio setor público”, critica o especialista em saneamento.
Evolução dos investimentos em saneamento em R$ bilhões:
Fonte: Página da CUT