21 de abril de 2021 1:50 por Thania Valença
Por Thânia Valença
Mais do que uma polêmica entre profissionais e entidades da Educação e o prefeito João Henrique Caldas (PSB), o JHC, a adesão da Prefeitura de Maceió ao Programa Nacional das Escolas Cívico-militares (Pecim), do Ministério da Educação (MEC), está se transformando numa queda de braço entre o secretário Elder Patrick Maia Alves e a subsecretária Emília Caldas Farias Leão. Os dois têm posição opostas sobre a transformação de escolas municipais em escolas militares, proposta do governo Bolsonaro.
Sociólogo e professor-doutor da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), o secretário Elder Patrick Maia sabe o significado dessa mudança de método de ensino, e tem claro o quanto representa de antidemocrática. A seu favor, ele conta com a manifestação do Centro de Educação (Cedu), da própria Ufal, cujo colegiado publicamente condenou a adesão.
Em nota, o Cedu definiu como inconcebível “que a gestão das escolas públicas abandone a construção democrática da eleição de diretores, e a gestão participativa por meio dos Conselhos Escolares, que congregam representantes da comunidade”. Responsável pela formação inicial e continuada de educadores, o órgão condenou a proposta de que pessoas “sem a formação adequada assumam a gestão de escolas públicas municipais”.
Mais do que isso, o Centro de Educação da Ufal ressalta que é uma engodo insistir na ideia de que os problemas da educação pública brasileira podem ser solucionados com a rígida disciplina militar. Esse modelo, acrescenta, “reforça o preconceito contra as comunidades pobres e periféricas, em geral muito mal assistidas por políticas sociais, e especialmente vítimas da violência e da criminalidade. Militarizar as escolas para reprimir a juventude da periferia não é solução, e gera mais exclusão social, principalmente nas populações em situação de vulnerabilidade social”.
Prefeito JHC e secretária-adjunta defendem modelo considerado antidemocrático
Do outro lado da luta está o prefeito JHC e sua prima, a secretária-adjunta de Educação, Emília Caldas. Segundo dirigentes do Sindicato dos Trabalhadores em Educação de Alagoas (Sinteal), a adjunta tem dado demonstrações de que o Programa Nacional das Escolas Cívico-militares (Pecim) será implantado em Maceió, a despeito das posições contrárias.
Em reunião com dirigentes do Sindicato, Emília Caldas teria inclusive desafiado professores das escolas selecionadas. Relatos encaminhados ao dirigentes da entidade de classe dos trabalhadores da Educação revelam que a secretária-adjunta deixou claro que quem não aceitar a militarização pode procurar outra escola, revela o Sinteal.
O que se tem de fato, até agora sobre essa questão é que, em janeiro deste ano, a Prefeitura aderiu preliminarmente ao Programa, mas ainda não atendeu às exigências do Ministério da Educação. Há quem diga que não estão definidas sequer quais as duas escolas escolhidas.Indefinição
Procurado pela reportagem do 082noticias, o chefe de Gabinete do prefeito JHC, Marcelo Fernando, disse que não há ainda posição nem sobre os critérios para definir quais as escolas, nem datas para realização da consulta aos professores e demais trabalhadores da Educação, aos pais e aos estudantes sobre o programa de militarização do ensino.
Informando que não foi criada sequer uma comissão de estudos, e ressaltando que a adesão preliminar não garante automaticamente a implantação do modelo militar, o chefe de Gabinete explicou que é preciso estudar o projeto e sua viabilidade, bem como garantir o livre exercício do contraditório, a discussão de ideias e a exposição de argumentos pelos pais, alunos, professores e técnicos.
Segundo Marcelo Fernando, serão necessários estudos, análises e também preparação das escolas que vierem a ser selecionadas. “Além disso, precisamos do envolvimento e diálogo entre todos os envolvidos, professores, pais e alunos. Nada será feito de forma impositiva, tudo será feito baseado no diálogo democrático”, informa a Prefeitura.
Programa de militarização das escolas enfrenta resistências
Apesar desse discurso, as declarações contrárias à decisão do prefeito só aumentam. São várias manifestações de repúdio à adesão ao programa.
Se oficializar a adesão do município ao modelo cívico-militar, o prefeito JHC terá que transferir a gestão didático-pedagógica, educacional e administrativa ao Exército e à Polícia Militar de Alagoas. Essa é a discordância das entidades de representação dos educadores, da Universidade Federal de Alagoas e de especialistas, que já condenaram a adesão, mesmo que preliminar, ao programa do governo Bolsonaro.
Uma das unidades da rede pública municipal seria a Escola Municipal Professor Antídio Vieira, no bairro do Trapiche, cujos professores repudiaram totalmente a mudança de metodologia. Desde a citação do nome da escola, eles estão mobilizados num esforço coletivo para impedir a adesão. Após reunião com a comunidade, o Conselho Escolar da Antídio Vieira oficializou junto à Semed, ao Conselho Municipal de Educação e ao Sinteal sua posição contrária ao Pecim.
A outra unidade citada como indicação do prefeito JHC para o programa de militarização seria a Escola Municipal Padre Pinho, no bairro de Cruz das Almas. A presidente do Sinteal, professora Maria Consuelo, revela ter recebido relato de profissionais dessa unidade de que a própria Secretaria Municipal de Educação (Semed) comunicou a eles, em reunião no final de março último, que as escolas Padre Pinho e Antídio Vieira serão transformadas em escolas militares.
Vozes contrárias
Um dos idealizadores do projeto gestão democrática em Maceió, o professor Kleber Bezerra, da Escola Antídio Vieira, é uma das vozes que se levantam contra a adesão da Semed ao Pecim. “Os professores rejeitam a implantação das Escolas Cívico-Militares pela forma como essa decisão foi tomada, sem discussão com a comunidade, de cima para baixo. E rejeitam também pelo conteúdo, pois tal projeto, de perfil ultraconservador, faz parte das estratégias negacionistas, obscurantistas e reacionárias no contexto da guerra cultural tão presente em nosso tempo”, disse ele, em entrevista ao site rcpalagoas.com.br.
O professor Kléber ressalta que os educadores estão empenhados na defesa da gestão democrática, numa escola inclusiva e alegre, laica e com liberdade de ensinar e aprender.
Ele revela que, no período de 28 a 30 próximo, os professores vão participar de um seminário organizado por diversas entidades, para definição de iniciativas e lutas comuns.
Por sua vez, o Sinteal reafirma sua posição radicalmente contrária à implantação do ensino “cívico-militar” em escolas da rede pública municipal. A direção da entidade se reuniu no começo deste mês com o secretário municipal de Educação de Maceió, Elder Patrick Maia, tendo ouvido dele que “não há nada definido quanto a este assunto”.
“Nossos alunos deveriam estar numa escola democrática, que formem cidadãos sujeitos dos seus direitos, que possam colocar suas opiniões e seus argumentos, e não um ensino que tenta silenciar os alunos. A linha da escola militar não permite isso, o que pode acabar incentivando inclusive uma evasão de alunos. Infelizmente, sabemos o caminho dos jovens que ficam fora da escola. Eles se perdem para o mundo da criminalidade, cujo fim é o presídio ou, até mesmo, a morte. É isso o que queremos para melhorar a educação do nosso país?”, indaga a presidenta do Sinteal, Maria Consuelo Correia, condenando essa metodologia.
Segundo ela, o Sinteal está atento a todos os encaminhamentos sobre a proposta de militarização de escolas públicas.
A Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) repudiou o Decreto nº 10.004/2019, que criou o Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares – Pecim. Em nota, a CNTE afirma que esse programa fere a gestão democrática das escolas públicas. “A Confederação defende que o ensino militar se limite aos colégios militares que já existem no país e denuncia o processo de militarização crescente das escolas públicas, alertando a sociedade brasileira para o risco de não termos profissionais de educação devidamente qualificados para o processo de ensino-aprendizagem que uma educação de qualidade requer e exige”.
Vale ressaltar ainda a posição do Centro de Educação da Universidade Federal de Alagoas, que considera um engodo enaltecer o modelo de escolas militares, que recebem financiamento maior do que o das escolas públicas comuns e atendem estudantes previamente selecionados.
“O ensino militar deve estar voltado àqueles e àquelas que escolhem essa carreira. Sua legislação é diferenciada e suas finalidades são bem específicas e, por isso, não podem ser confundidas com as finalidades da Educação Básica comum a todos e todas cidadãos e cidadãs brasileiros/as. Este modelo, sob o discurso da ordem e da disciplina, é trazido por um governo que corta as verbas da Educação Básica e Superior, as verbas da Ciência, as verbas da Saúde, as verbas das Políticas Sociais. Um governo que destrói a Escola e os Direitos”, diz a nota do Cedu.
O texto vai além, lembrando que o país tem uma lei – o Plano Nacional de Educação – cujas metas e diretrizes o governo Bolsonaro abandonou, deixando de consolidar uma política de Estado, fundamentada nos direitos da cidadania.
Ao manifestar posição contrária à adesão da Secretaria Municipal de Educação de Maceió ao “Programa Nacional das Escolas Cívico-militares”, o Cedu/Ufal considera “fundamental a restituição do orçamento da Educação, para garantir um efetivo regime de colaboração da União com os Estados e Municípios, a valorização dos profissionais, a infraestrutura das escolas, para consolidar condições de aprendizagem de crianças, jovens e adultos.
Projeto Nacional
O propósito do governo federal é implantar 216 Escolas Cívico-Militares em todo o país, até 2023, 54 delas agora em 2021.
Até o dia 5 de fevereiro último, quando terminou o prazo para os municípios interessados aderirem ao Pecim, 16 estados confirmaram participação. Foram eles Acre, Amapá, Ceará, Distrito Federal, Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Pará, Paraíba, Paraná, Rio Grande do Sul, Rondônia, Santa Catarina, São Paulo e Tocantins.
O objetivo do Pecim é implantar na rede pública, em parceria com o Ministério da Defesa, “um modelo de escola de alto nível como projeto nacional, com base nos padrões de ensino e modelos pedagógicos empregados nos colégios militares”. Segundo o MEC, a seleção dos alunos se baseia em critérios como vulnerabilidade socioeconômica e desempenho abaixo da média estadual no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb).
As escolas devem estar localizadas na capital do estado ou na respectiva região metropolitana; tem que oferecer as etapas Ensino Fundamental II e/ou Médio e, preferencialmente, atender de 500 a 1.000 alunos, nos dois turnos.
Para especialistas em educação o Programa Nacional tem um modelo de gestão mais burocrático e menos pedagógico.