26 de junho de 2021 7:13 por Da Redação
Texto de Mácleim Carneiro
Ao fruidor mais atento, um álbum gravado ao vivo sempre terá uma pitada de ousadia, pela possível vulnerabilidade que esse tipo de projeto encerra em si mesmo; sobretudo, se não houver um bom planejamento para a gravação. É claro que eventuais problemas na captação do som podem ser atenuados em estúdio, porém, essa premissa não é necessariamente absoluta. Ou seja, é lenda achar que tudo tem conserto na mixagem e edição. Além disso, se maquiar demais, perde-se a originalidade do ao vivo e periga beirar ao engodo do gato por lebre. Portanto, a partir dessas observações e de uma audição um pouco mais criteriosa, arrisco afirmar que Eduardo Proffa e os “Zélementos” foram suficientemente aguerridos ao lançarem o álbum Cinco Ponto Cinco, gravado ao vivo, em janeiro de 2020, em um restaurante do aquário, um pouco antes dessa terrível pandemia e suas consequências negacionistas e nefastas.
Sem dúvida, é um dos trabalhos mais honestos que ouvi recentemente! Honesto, pelo arrojo em expor o que o mainstrean pós-diletantismo não deixaria passar sem peneirar tanto que não sobrasse quase nada. Não pelo conteúdo em si, mas pelas questões técnicas que, certamente, não foi possível resolvê-las. Como o próprio Proffa já declarou, esse trabalho não foi pensado para se tornar um registro fonográfico. Por isso, o interessante é exatamente esse salto sem rede de proteção, esse peito aberto às avaliações mais criteriosas. Mesmo passando pelas competentes mãos do mago Dácio Messias e suas edições milagrosas. Porém, tem coisas, como é o caso da afinação, que não foi possível resolver totalmente, pois, certamente, o mar de vazamentos dos demais instrumentos, pelas condições de captação, deve ter inviabilizado a utilização daqueles pluguins milagrosos, capazes de afinar até a Xuxa.
Militância Cultural
Todavia, os Zélementos Alexandre Rodas (guitarra), Arnaud Borges (violão e vocais), Gama Júnior (flauta, percussão e vocais), Leo Costa (bateria) e Ykson Nascimento (contrabaixo) tocaram muito, organicamente, em criações e performances individuais, que deram sabor e frescor ao resultado final desse trabalho. Todos, são músicos absolutamente talentosos e agregaram imenso valor à proposta musical do Eduardo Proffa, cuja trajetória na cena caeté vem desde o tempo em que atuava no grupo Nó na Garganta e, posteriormente, na Confraria: Nós, Poetas. Aliás, ressalte-se aqui esse artista, que trafega do esporte às artes, sempre proativo, irrequieto, sem assumir a tal postura de avestruz, tão comum em nossa latitude. Pelo contrário, trata-se de uma persona admirável em sua militância cultural na aridez aquariana. Com esse álbum, ele assume a condição de protagonista de sua lavra musical e, como band líder, revelou-se dono de uma singularidade híbrida, entre o canto e a fala recitativa, alicerçado em uma postura rock and roll, embora, esse trabalho em si, de rock tenha pouco ou quase nada, exceto por uma das faixas e alguns signos pertinentes ao gênero.
O curioso é que, embora não enseje nenhuma novidade incondicional, posto que na música popular contemporânea isso já não mais acontece, Cinco Ponto Cinco é um álbum onde suas idiossincrasias não possibilitam emoldurá-lo. Portanto, está livre do quadradinho estabelecido pela mesmice mediana. Daí, abstrair-se, por exemplo, à influência valenciana em Cena 1 (Eduardo Proffa), música que abre o álbum, e ouvir um daqueles baiões estilizados em guitarras paulorafaelizadas, fará o grau de curiosidade aumentar gradativamente. Daí, as letras também contribuem para essa atmosfera do curioso pertinente ao não inusitado. No Sinal (Eduardo Proffa e Luciana Cavalcante), segunda faixa, temos um rol do que acontece “comercialmente” nos semáforos reveladores da Alagoas profunda e sua cruel realidade social. É mais um baião com alguns climas, que tentam ilustrar a variedade dos seres citados.
Coerência na diversidade
São 13 faixas camufladas em 12, que traçam a coerência de um repertório, o qual não se prende a um só gênero musical e vai do reggae ao samba funk. Como é o caso de O Mundo é Nosso (Eduardo Proffa e Maxswell Bastos), um dos pontos altos desse trabalho, pela tentativa em construir algo com um pouco mais de substância melódica. Vida-Maria (Eduardo Proffa e Élio Mariano), continua na praia do samba e surpreende com uma introdução bem bolada, começando com tamborim e contrabaixo, para logo entrarem flauta e guitarra, sem se entenderem com a afinação, é bem verdade.
E as coisas seguem sendo encaminhadas até chegarmos à faixa 9, Outra Metade (Eduardo Proffa, Pinenhas Furtado, Roberval Lemos e Ubiratan de Lima), uma canção um tanto dolente, que chama atenção para o fato de que Eduardo Proffa parece querer usar a mesma expressão interpretativa para qualquer gênero que explane. Daí, o que poderia ter uma atmosfera suave e interpretação muito mais melódica, coisa que os músicos tentam fazer, deixa a impressão de que a banda está indo para um lado e o Proffa para o outro. E os músicos, nesse caso, apontaram o lado certo.
O álbum é finalizado com a música Beiral (Eduardo Proffa), numa espécie de volta à pegada regional da abertura, como a dizer: desviamos, mas voltamos ao que fazemos melhor! Embora esse trabalho sugira inúmeras referências pretéritas, fico com o que escreveu o mestre Mani (Herman Torres), ao comentar sobre ele: “O som desses meninos, Eduardo Proffa e os Zélementos, me traz uma grande curiosidade”.