22 de fevereiro de 2022 11:01 por Da Redação
Cercada de dúvidas e tendo a legitimidade questionada por moradores, a consulta pública promovida pela Braskem para apresentação do plano de ações sociourbanísticas destinadas aos bairros destruídos pelo megacrime ambiental que a empresa provocou em Maceió ocorre nesta quarta (23) e quinta-feira (24). Entre os questionamentos está o fato de que a empresa Diagonal, escolhida pela própria mineradora, recebeu R$ 198 milhões pela elaboração do projeto.
Também segundo um grupo de moradores e comerciantes, o que determinou como se daria a atuação da autora do crime nesse processo foi o acordo socioambiental, firmado em 30 de dezembro de 2020 entre a Braskem e o Ministério Público Federal com anuência do MP Estadual e Defensorias Públicas Federal e Estadual.
“Sem participação dos governos do estado ou do município ou representação da sociedade, o acordo vem sendo fortemente questionado especialmente no tocante aos passo poderes concedidos à mineradora e à ausência dos órgãos de Estado de Maceió e de Alagoas”, relatam.
O advogado e ex-procurador-geral da Prefeitura de Maceió, Cláudio Vieira, afirma que a ausência da Prefeitura e do Governo do Estado é “absolutamente estranha e inaceitável” nesse caso.
“Ainda que esses entes não tenham sido chamados ao processo deveriam, de motu próprio, ingressar na Ação”, pondera, “já que é seu dever defender interesses do povo e da cidade, como os patrimônios histórico, turístico, geográfico e paisagístico”.
Inércia do poder público torna problema “irresoluto”
Neste sentido, a inércia dos gestores alagoanos foi fator essencial para o problema tornar-se irresoluto. Já sobre a participação popular, Vieira acredita haver soluções que “deveriam ter sido buscadas”. Para o advogado, o acordo terminou por reduzir os órgãos públicos a meros “assistentes executores das ações da mineradora”.
O acordo dividiu a reparação dos danos causados à capital alagoana em três setores: ambiental, sociourbanístico — que será alvo de discussão na escuta pública desta semana — e de mobilidade urbana, delegando à Braskem sua elaboração, gestão, acompanhamento e auditagem. Na opinião de Vieira, “não pode ser considerada legítima essa atribuição de poderes”. “É no mínimo inaceitável. Vem-me à lembrança aquela história que se conta sobre entregar a macaco os cuidados por plantação de bananas”, compara. O advogado credita tal configuração ao desinteresse, “ou conveniência”, dos entes públicos. “A incógnita da equação é o motivo da leniência e apatia das autoridades”.
Em função da permissividade com que o caso vem se desenrolando, as ações relativas à esfera ambiental apresentam uma série de controvérsias. Iniciadas há duas semanas, com o projeto de estabilização e drenagem da Encosta do Mutange, tudo indica que o investimento milionário será inócuo.
Isso porque a região onde os trabalhos estão sendo feitos tende, comprovadamente, a ruir nos próximos anos devido à subsidência, segundo estudo científico publicado pela revista britânica Nature e previsões do engenheiro geotécnico e professor universitário Abel Galindo. Além disso, quaisquer licenças foram solicitadas ao poder público, contrariando as imposições constitucionais atribuídas a obras do gênero e atropelando a autoridade do Governo do Estado, da Prefeitura e da União.
Empresa “ganha tempo” com processo que se arrasta
A conduta arbitrária das mineradoras, que atuaram na exploração do sal-gema, no entanto, não se deu a partir da formatação do tal acordo, está presente desde a implantação da planta industrial da empresa dentro de Maceió. Ao longo de décadas de operação, a olhos vistos dos poderes públicos, dezenas de acidentes químicos causaram prejuízos absolutamente irreparáveis e irreversíveis, conforme relatou o jornalista Joaldo Cavalcante em seu livro “Salgema, do erro à tragédia” fazendo centenas de vítimas, além de danos com gravidade similar que, ainda hoje, ameaçam cerca de 150 mil pessoas que moram, estudam e trabalham no perímetro da empresa.
Assim, sem qualquer rastro de discussão sobre a transferência da planta industrial da Braskem, a multinacional ganha tempo para seguir criando narrativas enganosas e irrealizáveis, nas quais forja sua suposta “responsabilidade social e ambiental”.
Nesse contexto, as ações sociourbanísticas prometem obedecer à mesma lógica arbitrária que conduz o trabalho da mineradora até aqui, desconsiderando os poderes constituídos do Estado Democrático de Direito e a população. A Diagonal, empresa para a qual foi pago um valor estranhamente alto, iniciou, há seis meses, as pesquisas que irão subsidiar o diagnóstico de danos. Por enquanto, esse processo segue às escuras, sem qualquer informação pública a respeito das ações empreendidas.
O método de seleção dos participantes para a escuta pública que se inicia amanhã — um processo eivado de irregularidades — sequer tem aparência democrática, mas esta é uma pauta para ser debatida em profundidade nos próximos dias.