31 de março de 2022 1:07 por Da Redação
BLOGUE DE HOMERO FONSECA Jornalista, jornalista. Escritor menor. Leitor maior.
Trabalho vem do latim tripalium, instrumento de tortura. Todo o esplendor da antiga civilização grega se deve ao fato de o trabalho ser relegado unicamente aos escravos, cabendo aos cidadãos o ócio criativo que adubou o terreno para o desenvolvimento da filosofia, da oratória, do teatro, dos desportos, da arquitetura e disso que chamam democracia.
Sob as monarquias, a “carteira de identidade” da aristocracia eram as mãos finas — calos eram para os servos. E as castas superiores indianas somente puderam se dedicar com tanto afinco às práticas sexuais variadas — a ponto de produzirem o manual Kama Sutra — porque tinham tempo de sobra e bot sobra nisso.
Faz parte da natureza humana poupar e armazenar energia. O resto é doutrinação.
Foi com o desenvolvimento do capitalismo e a ascensão da burguesia que o trabalho passou a ser algo dignificante. O burguês precisava trabalhar para tocar seus negócios, ao contrário da aristocracia, cuja riqueza vinha da terra. A ideologia do trabalho como algo louvável e até sagrado foi imposta, via religião, às classes trabalhadoras — com a diferença que elas, como não eram proprietárias de capital, deviam se esfalfar laborando até 16/20 horas por dia para conseguir alimentar a família. Não fossem as lutas trabalhistas e essa jornada ainda estaria em vigor. Seu retorno é o sonho dos neoliberais.
Paul Lafargue, jornalista e genro de Karl Marx, e o filósofo britânico Bertrand Russel defenderam expressamente o direito ao ócio, demonstrando como a redução da jornada diminui a taxa de desemprego e aumenta o nível de felicidade do proletariado, ou seja, da maioria da humanidade. Seus textos são conhecidos e neste curto espaço não dá para esmiuçá-los. Procurem lê-los.
É a gana de explorar os pobres que gerou a intensa propaganda contra o far niente. Daí o opróbio contido nas palavras “vagabundo” e “vadio” (e as leis contra a vadiagem), vomitadas a toda hora contra os pobres pelos que se beneficiam do trabalho alheio e pagam o mínimo possível por ele.
A preguiça, camaradas, é a mãe da tecnologia e, por extensão, de aspectos fundamentais da civilização como a conhecemos hoje. Não fosse a lei do menor esforço e o bicho humano não teria inventado a alavanca (e daí o guindaste), nem a roda (e daí o carro). Nem o telegrama e o telefone (tudo pra não precisar andar com os próprios pés ou se locomover para falar com o outro). Não existiria o computador (para fazer as contas). Nem a internet (e as redes sociais) para ninguém suar nas ruas.