segunda-feira 23 de dezembro de 2024

Lula Conversa com TIME Sobre Ucrânia, Bolsonaro e a Frágil Democracia Brasileira

4 de maio de 2022 3:56 por Redação

Reprodução

Por Ciara Nugent

A volta de Luiz Inácio Lula da Silva à linha de frente da política foi uma bomba para o Brasil. Em abril de 2021 o Supremo Tribunal Federal anulou uma série de condenações por corrupção que excluíram o ex-presidente petista das eleições presidenciais de 2018. O tribunal afirmou que a parcialidade do juiz responsável pelo caso comprometeu o direito de Lula – como o ex-presidente é mundialmente conhecido – a um julgamento justo. A decisão preparou o terreno para um duelo entre Lula e o atual presidente de extrema-direita Jair Bolsonaro nas eleições de outubro de 2022.

Lula, que lançará oficialmente sua pré-candidatura no dia 7 de maio, promete levar o Brasil de volta aos bons tempos da sua Presidência (2003-2010), que ele encerrou com taxa de aprovação de 83%. Isso implicaria reavivar uma economia debilitada, salvar uma democracia ameaçada e recuperar uma nação marcada pela segunda maior taxa mundial de mortalidade ligada à Covid-19 e por dois anos de gestão caótica da pandemia. Até o momento, as promessas estão surtindo efeito: Lula aparece nas pesquisas com 45% das intenções de voto, contra 31% de Bolsonaro. Porém, esta diferença está diminuindo.

TIME sentou para conversar com Lula no fim de março, na sede do Partido dos Trabalhadores (PT) em São Paulo, para falar sobre o tempo que ele passou na prisão, sobre a guerra na Ucrânia e para saber se seus planos para o Brasil estão baseados em algo além da nostalgia. Essa transcrição foi condensada e editada para maior clareza.

Quando o Supremo Tribunal Federal restaurou seus direitos políticos no ano passado, você já estava, segundo a mídia brasileira, se preparando para uma vida mais tranquila, fora da política. Você decidiu imediatamente voltar à política quando isso aconteceu?

Eu na verdade nunca desisti da política. A política está em cada célula minha, a política está no meu sangue, está na minha cabeça. Porque o problema não é a política simplesmente, o problema é a causa que te leva à política. E eu tenho uma causa.

Quando deixei a Presidência em 2010, efetivamente eu não pensava mais em ser candidato à Presidência da República. Entretanto, o que eu estou vendo, doze anos depois, é que tudo aquilo que foi política para beneficiar o povo pobre— todas as políticas de inclusão social, o que nós fizemos para melhorar a qualidade das universidades, das escolas técnicas, melhorar a qualidade do salário, melhorar a qualidade do emprego—, tudo isso foi destruído, desmontado. Porque as pessoas que começaram a ocupar o governo depois que deram o golpe na presidenta Dilma [Rousseff] eram pessoas que tinham o objetivo de destruir todas as conquistas que o povo brasileiro tinha obtido desde 1943.

Há uma expectativa de que eu volte a presidir o país porque as pessoas têm boas lembranças do tempo em que eu fui presidente. As pessoas trabalhavam, as pessoas tinham aumento de salário, os reajustes salariais eram acima da inflação. Então eu penso que as pessoas têm saudades disso e as pessoas querem isso melhorado.

A situação do Brasil hoje—a polarização política, a economia, o panorama internacional—é muito diferente do que quando você ganhou a Presidência pela primeira vez. Não vai ser mais difícil governar desta vez?

O futebol americano tem um jogador, que aliás é casado com uma brasileira que é modelo, e que é o melhor jogador do mundo há muito tempo. A cada jogo que ele faz, a torcida fica exigindo que ele jogue melhor do que no jogo anterior. No caso da Presidência é a mesma coisa. Só tem sentido eu estar candidato à Presidência da república porque eu acredito que eu sou capaz de fazer mais e fazer melhor do que eu já fiz.

Eu tenho clareza de que eu posso resolver os problemas [do Brasil]. Eu tenho a certeza de que esses problemas só serão resolvidos quando os pobres estiverem participando da economia, quando os pobres estiverem participando do orçamento, quando os pobres estiverem trabalhando, quando os pobres estiverem comendo. Isso só é possível se você tiver um governo que tenha compromisso com as pessoas mais pobres.

Muitas pessoas no Brasil dizem que houve muitas encarnações do Lula, especificamente em política econômica. Qual Lula temos hoje?

Eu sou o único candidato com quem as pessoas não deveriam ter essa preocupação, porque eu já fui presidente duas vezes. E a gente não discute política econômica antes de ganhar as eleições. Primeiro você precisa ganhar para depois saber com quem você vai compor e o que você vai fazer. Quem tiver dúvida sobre mim olhe o que aconteceu nesse país quando eu fui presidente da República: o crescimento do mercado. O Brasil tinha dois IPOs. No meu governo fizemos 250 IPOs. O Brasil devia 30 bilhões, o Brasil passou a ser credor do FMI, porque emprestamos 15 bilhões. O Brasil não tinha um dólar de reserva internacional, o Brasil tem hoje 370 bilhões de dólares de reserva internacional. […] Então as pessoas precisam ter em conta o seguinte: ao invés de perguntar o que é que eu vou fazer, olhe o que eu fiz.

Na primeira Presidência, o petróleo, entre outros produtos, impulsionaram muito esse sucesso. Agora, com a crise climática, estamos tentando usar menos combustíveis fósseis. O candidato à Presidência na Colômbia, Gustavo Petro, propôs um bloco antipetróleo em que os países deixariam imediatamente de explorar o petróleo. Você quer se unir a este bloco?

Veja, eu acho que o Petro tem o direito de fazer todas as propostas que ele quiser fazer. Mas no caso do Brasil é irreal. No caso do mundo é irreal. Você ainda precisa do petróleo por um tempo, você não consegue…

Porém a ideia é continuar extraindo o petróleo que já descobriram, mas deixar de explorar. Você quer deixar de explorar?

Enquanto você não tiver energia alternativa, você vai utilizar a energia que você tem. Isso vale para o Brasil e vale para o mundo inteiro. Veja a dependência da nossa querida Alemanha agora. Angela Merkel tomou a decisão de fechar todas as usinas nucleares, não contava com a guerra da Ucrânia. Hoje a Europa é muito dependente dos russos para poder ter energia. O que você pode estabelecer é um plano de longo prazo para você diminuir [o consumo de petróleo]na medida em que você vai criando alternativas. Não dá para imaginar que os Estados Unidos vão parar de utilizar petróleo do dia para a noite, ou qualquer país.

Quero falar da Ucrânia. Você sempre teve orgulho de poder falar com todos—Hugo Chávez e também George Bush. Mas o mundo de hoje é muito fragmentado diplomaticamente. Quero saber se sua abordagem na diplomacia ainda funciona. Você poderia falar com Putin depois da invasão da Ucrânia?

Nós, políticos, colhemos aquilo que nós plantamos. Se eu planto fraternidade, solidariedade, concórdia, eu vou colher coisa boa. Mas se eu planto discórdia, eu vou colher desavenças. Putin não deveria ter invadido a Ucrânia. Mas não é só o Putin que é culpado, são culpados os Estados Unidos e é culpada a União Europeia. Qual é a razão da invasão da Ucrânia? É a OTAN? Os Estados Unidos e a Europa poderiam ter dito: ‘A Ucrânia não vai entrar na OTAN’. Estaria resolvido o problema.

Você acha que a OTAN foi a razão da Rússia para invadir?

Esse é o argumento que está colocado. Se tem um segredo nós não sabemos. O outro é a [possibilidade de a]Ucrânia entrar na União Europeia. Os europeus poderiam ter resolvido e dito: ‘Não, não é o momento de a Ucrânia entrar na União Europeia, vamos esperar’. Eles não precisariam fomentar o confronto!

Mas acho que tentaram falar com a Rússia.

Não tentaram. As conversas foram muito poucas. Se você quer paz, você tem que ter paciência. Eles poderiam ter sentado numa mesa de negociação e passado 10 dias, 15 dias, 20 dias, um mês discutindo para tentar encontrar a solução. Então eu acho que o diálogo só dá certo quando ele é levado a sério.

Então se você fosse presidente neste momento, o que você faria? Você seria capaz de evitar o conflito?

Eu não sei se seria capaz. Eu, se fosse presidente hoje, teria ligado para o [Joe] Biden, teria ligado para o Putin, para a Alemanha, para o [Emmanuel] Macron, porque a guerra não é saída. Eu acho que o problema é que, se a gente não tentar, a gente não resolve. É preciso tentar.

Às vezes eu fico preocupado. Eu fiquei muito preocupado quando os Estados Unidos e quando a União Europeia adotaram o [Juan] Guaidó [então líder da assembleia nacional da Venezuela] como presidente do país [em 2019]. Você não brinca com democracia. O Guaidó para ser presidente da Venezuela teria que ser eleito. A burocracia não substitui a política. Na política são os dois chefes que mandam, os dois que foram eleitos pelo povo, que têm que sentar numa mesa de negociação, olho no olho, e conversar.

E agora, às vezes fico vendo o presidente da Ucrânia na televisão como se estivesse festejando, sendo aplaudido em pé por todos os parlamentos, sabe? Esse cara é tão responsável quanto o Putin. Ele é tão responsável quanto o Putin. Porque numa guerra não tem apenas um culpado. O Saddam Hussein era tão culpado quanto o Bush. Porque o Saddam Hussein poderia ter dito: ‘Pode vir aqui visitar e eu vou provar que eu não tenho armas’. Ele ficou mentindo para o seu povo. Agora, esse presidente da Ucrânia poderia ter dito: ‘Olha, vamos deixar para discutir esse negócio da OTAN e esse negócio da Europa mais para frente. Vamos primeiro conversar um pouco mais.’

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1 Comentário

  • O Presidente Bolsonaro, democratizou o Brasil, o ex-presidente e ex-presidiário anarquizou a nossa democracia, instituindo roubo lavagem de dinheiro público isso é democracia, estou com Bolsonaro até o fim.

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