19 de dezembro de 2022 5:29 por Da Redação
Por Edberto Ticianeli, do História de Alagoas
Entre os conflitos surgidos na última década do século XIX entre a Igreja Católica e a República, destaca-se o dos diferentes modelos de Ensino e de Educação. Essa disputa ideológica levou as autoridades religiosas do país a buscarem apoio nas mais experientes escolas europeias.
A expansão da rede educacional da igreja se fez sentir em Alagoas logo após a criação do bispado pelo papa Leão XIII em 2 de julho de 1900 (cinco dias depois foi criada a Diocese de Alagoas).
Quando Dom Antônio Manuel de Castilho Brandão tomou posse em 23 de agosto de 1901, sua primeira iniciativa foi a de comprar uma fazenda no Alto do Jacutinga em Maceió, com recursos de sua família, para a construção do Seminário Diocesano Nossa Senhora da Assunção.
Enquanto aguardava a conclusão da obra, o Seminário entrou em funcionamento (15 de fevereiro de 1902) provisoriamente instalado no convento franciscano de Marechal Deodoro. Somente ocupou o prédio construído por iniciativa de Dom Antônio Brandão em 1904, onde permanece até nossos dias.
Foi nesse ambiente que surgiu a proposta da criação de um colégio ligado à religião católica e voltado para o público feminino.
Irmãs Sacramentinas
A Congregação das Irmãs do Santíssimo Sacramento foi fundada em 30 de novembro de 1715 pelo Padre Pierre Vigne, em Boucieu-le-Roi, na França.
Foi nesta instituição que no início de 1903 a Madre Saint Emerentiene Vigne convocou as Irmãs São Félix Baudet, Saint François Cotiaux, Santa Rosalie Roche, Marie Hermann Colombet e Felicité Tachetti para lhes dar a missão de atuarem no Brasil para ali instalar uma regional da Congregação.
Deixaram a França em 20 de março e após atingirem Recife, seguiram imediatamente para Salvador, na Bahia, onde chegaram no dia 3 de abril de 1903.
Na capital baiana foram recebidas no Colégio das Mercês pelas também francesas Irmãs Ursulinas, que tinham como superiora Madre Calixto.
Foi lá que, ainda no dia 3 de abril, que receberam a visita do capelão de Feira de Santana, padre Olímpio Pereira, e de uma das Senhoras de Caridade.
Após as primeiras conversas as Irmãs São Félix e Maria Hermann foram levadas para uma reunião com o jornalista Ernesto Simões Filho, um dos benfeitores do Asilo de Feira de Santana, que prometeu apoiar a presença delas naquela instituição.
Em 11 de abril, embarcaram em pequeno navio para Cachoeira. No dia seguinte, por estrada de ferro chegaram à Feira de Santana em poucas horas.
Foram recebidas com entusiasmo por uma multidão liderada pelo monsenhor Moisés Couto. No Asilo, após assistirem missa solene, tomaram posse em seus cargos nos trabalhos de ensino e educação das crianças órfãs e carentes do Asilo Nossa Senhora de Lourdes, mesmo enfrentando inicialmente a barreira do idioma.
Nos quatro anos seguintes, mais 120 Sacramentinas foram enviadas ao Brasil. A principal liderança da Congregação no Brasil, Irmã Saint-Félix, morreu em 4 de junho de 1904. Com ela pereceram mais três outras irmãs. Todas de febre amarela.
Colégio Sacramento
A criação desta, que é uma das mais antigas instituições de ensino de Alagoas, se deu como desdobramento da presença em Maceió das irmãs de caridade da Congregação do Santíssimo Sacramento.
Elas foram convidadas pelo governador Paulo Vieira Malta e assumiram a administração do Asilo das Órfãs Bom Conselho, em Bebedouro, no dia 16 de janeiro de 1904.
Segundo relatório deste governante, foram escolhidas por “seus dotes educativos”, “proclamados por toda a parte onde assentam elas os seus institutos de instrução, além da dedicação, da abnegação mesmo, com que tão eméritas enfermeiras tratam a todos quantos buscam os seus cuidados…”.
Para o Asilo de Órfãs em Bebedouro vieram a superiora Maria Rosa e as irmãs Cláudia e Tereza. Uma outra chegou logo depois, mas não foi possível identificar o seu nome.
É provável que a escolha das Irmãs Sacramentinas tenha se dado por interferência do também francês engenheiro e industrial Félix Eugene Wandesmet, proprietário da Usina Brasileiro em Atalaia. Essa possibilidade é aventada pela aproximação que o então vice-cônsul da França em Alagoas tinha com a Igreja Católica.
Foi ele e o irmão Gustavo Wandesmet, também sócio e engenheiro, que patrocinaram, logo em seguida, a construção do Colégio Sacramento. Na Usina Brasileiro foi implantada uma escola sob a administração da mesma Congregação. Lá também foi erguida uma Capela.
A Escola da Usina Brasileiro funcionou de 1905 a 1933, quando a Usina foi vendida ao empresário Oscar Berardo. Entretanto, como há registro na Cúria da presença das Irmãs Sacramentinas na Usina Brasileiro após 1949, é provável que a Escola e Capela tenham continuado a existir, mas sem pertencer à Usina.
Em Maceió, o Colégio Santíssimo Sacramento começou a funcionar em 12 de abril de 1904, na Rua 15 de Novembro, nº 1, atual Rua do Sol, ao lado da Catedral, num prédio de propriedade da viúva do Dr. Pedro Loureiro, com vasto jardim e bonito arvoredo.
Era voltado para atender a elite estudantil local, que valorizava a educação francesa e não queria completar seus estudos em Recife ou Salvador.
As irmãs que deram os primeiros passos na instituição eram lideradas pela irmã superiora Canisius, que faleceu meses depois. Há registro da morte, nesse mesmo período, da irmã Maria de Assis, também fundadora do Colégio.
Foi a Irmã Maria Hermann quem assumiu a direção da instituição. Ela fez parte do primeiro grupo que veio da França.
Além das religiosas, algumas senhoras alagoanas contribuíram para a criação do Colégio. Eram lideradas pela sra. Maria Alvim Prado. Com ela estavam as esposas do governador Paulo Malta, do industrial Tibúrcio Alves de Carvalho e do comerciante coronel Américo d’Almeida Guimarães.
As aulas na casa ao lado da Catedral continuaram até o fim do ano de 1905. Neste mesmo ano teve início a construção da sua sede própria.
O Colégio oferecia os cursos primários e secundários, com aulas de línguas, matemática e prendas domésticas.
No início do ano seguinte, passou a funcionar no prédio inaugurado em 29 de outubro de 1905 na Rua Ângelo Neto nº 40, antiga Rua do Arame, no Alto do Jacutinga ou Alto do Farol.
Segundo o jornal A União, de 12 de novembro de 1905, quem celebrou a missa da inauguração na manhã de 29 de outubro foi o bispo Dom Antônio Brandão.
No período da tarde ele crismou na capela do Colégio, com a 1ª comunhão, “17 donzelas, além de muitas outras pessoas”.
O Externato do Colégio Sacramento da Rua 15 de Novembro, continuou em funcionamento oferecendo somente o curso primário e secundário, além de aulas de desenho, bandolim e trabalhos manuais.
Sua professora de Português, “a competente preceptora D. Francisca Maria de Araújo Barros”, era destacada como atração para matrículas.
A partir de janeiro de 1910, o Externato passou a funcionar no Palácio Velho, na Praça dos Palmares. Não se conseguiu informações sobre até quando permaneceu em funcionamento, mas em 1956 as Sacramentinas mantinham a Escola Gratuita São José.
Primeiros anos
No dia 17 de dezembro de 1905, o jornal Gutenberg, em nota publicada na terceira página, anunciou a reabertura das aulas do Colégio no novo prédio para o dia 1º de fevereiro de 1906, esclarecendo que seriam mantidos “os cursos de Português, Francês, Inglês, Alemão, Italiano, Piano, Canto, Desenho, Pintura, Bandolin, Harmonium, Prendas e Ginástica”.
A professora de Português era a educadora Maria Lúcia Romariz Duarte.
Para atrair matrículas, o Colégio anunciava que “os dois primeiros e os dois últimos” cursos seriam grátis para as alunas do colégio, “que também nada pagarão pelo tempo das férias”.
O Colégio Sacramento era fiscalizado por um Conselho Diretor composto por Zelina do Couto Malta, Maria Alvim Prado, Elisa de Carvalho Almeida Guimarães, Ismênia Almeida de Carvalho e Anna Guimarães Vasconcellos.
No dia 10 de abril de 1906, o jornal Gutenberg noticiou que “no sábado último” — 7 de abril — o Colégio havia realizado um festival para comemorar o primeiro aniversário de sua fundação. Outro evento muito comemorado com festa foi a chegada da irmã Diniz em junho de 1906.
No evento de recepção atuaram as alunas Zedê Malta, Lucilla Rocha, Cinira Malta, Maria Luiza Gusmão, Arthemisia Passos, Hilda Wanderley, Lucilla Vasconcelos, Octacília de Carvalho, Maria Carolina Gonçalves, Alice Silveira, Lusineth Brennand, Maria Antonieta Duarte, Anna Duarte, Flora Silveira, Dagmar de Almeida Guimarães, Isabel Jatobá, Carolina Ribeiro, Amélia Rebelo, Annita Rocha, Maria Amália Moreira, Maria Júlia de Albuquerque, Odete Silveira, Piquita Malta, Dhilia Gomes e Lucilla Maurício.
O jornal que noticiou o acontecimento citou ainda as professoras do Colégio: Maria Hermann; irmã S. Paulo, de Piano e Canto; irmã Theodolino, de Pintura; e irmã Frederica, de Francês.
Várias religiosas sacramentinas faleceram nos primeiros anos de existência do Colégio, a exemplo da irmã Marie Saint Theodolino, que morreu na sede da instituição no dia 2 de maio de 1908, um pouco antes da meia-noite. Teve problemas cardíacos. Tinha 44 anos de idade e era nascida em Elberfeld, na Prússia. Seu nome de batismo era Julia Staimmetz e residia no Colégio desde outubro de 1904. Ensinava desenho, piano, inglês e francês. Falava bem o alemão.
A presença do Colégio Sacramento no Alto do Jacutinga cobrou melhorias para o acesso ao local. O antigo caminho que existia como prolongamento do Beco do Moeda foi transformado em uma via com calçamento em granito.
Coube ao intendente (prefeito) Antônio Guedes Nogueira, em 1908, a execução desta obra, que ele tratou como Ladeira do Jacutinga em relatório de 7 de janeiro de 1909. “Parte da rua 15 de Novembro e termina no colégio do S. S. Sacramento, sendo a despesa feita por conta da verba de seis contos, oferecida pelo comércio, por intermédio do ilustre sr. Comendador Teixeira Basto”.
Ainda em 1908 também foi cobrada a instalação de uma linha de bonde para o Alto do Jacutinga sob a justificativa de neste bairro funcionarem o Seminário Diocesano e o Colégio Sacramento.
Em 1915, a Igreja Católica em Alagoas resolveu homenagear o industrial e engenheiro Félix Eugène Wandesmet “por serviços relevantes à causa católica, entre as quais a fundação e manutenção de uma capelania (na Usina Brasileiro) e de um excelente colégio dirigido pelas irmãs Sacramentinas”.
O bispo de Alagoas, Dom Joaquim de Almeida, propôs e conseguiu que a Santa Sé, no Vaticano, lhe outorgasse o título de Barão, como informou o jornal A União (RJ) de 7 de março de 1915.
Passou a ser o Baron du Saint Siége Félix Eugène Wandesmet, ou o Barão da Santa Sé Félix Eugène Wandesmet.
Na solenidade de entrega do título discursaram o bispo e o dr. Costa Leite. O Barão agradeceu e comungou em companhia de várias alunas do Colégio Sacramento, que faziam a primeira comunhão.
Não se conseguiu identificar a origem dos recursos, mas em 1926 o Colégio Sacramento inaugurou a sua Capela.
Em 2021, o Colégio Santíssimo Sacramento continua se identificando como uma instituição católica de ensino particular dirigido pelas Irmãs Sacramentinas, mantendo “como alicerce da ação educativa os ensinamentos de seu fundador Pierre Vigne, que aponta o AMOR como o elemento central da educação e formação integral do homem”, como divulga em sua página na internet.
“Ministra os cursos da educação infantil, ensino fundamental e ensino médio, tendo como filosofia educar integralmente o homem, através de uma educação Evangélica – Libertadora, orientando a prática pedagógica em descobrir, acolher e desenvolver tudo que é germe de vida nos educandos, contribuindo eficaz e eficientemente para a formação de cidadãos competentes, autônomos e solidários capazes de transformar-se e transformar o contexto, testemunhando valores culturais, religiosos, éticos, na perspectiva da realização e felicidade pessoal”.