sexta-feira 22 de novembro de 2024

De apocalipse a “escolhido imperfeito”: as táticas de evangélicos extremistas pró-Bolsonaro

Lideranças atacam campanha petista com notícias mentirosas do século passado e silenciam sobre polêmicas de Bolsonaro
Bolsonaro ao lado do pastor Silas Malafaia, durante cerimônia em templo da Assembleia de Deus | Mauro Pimentel/AFP

Antes de o vídeo em que Jair Bolsonaro (PL) usa o termo “pintou um clima” para se referir a meninas de 14 e 15 anos viralizar, uma das pautas que mais movimentavam a presença evangélica nas redes sociais era a defesa da infância.

A temática, no entanto, desapareceu depois do vídeo, que levou a um movimento de associação da figura de Bolsonaro com a pedofilia e o abuso sexual. Esse é um exemplo de mudança tática comum para quem acompanha as redes evangélicas.

“Foi muito fácil perceber a diferença, porque na semana anterior estava o barulho todo que a Damares Alves provocou sobre o mesmo crime”, afirma a assessora de pesquisas da Casa Galileia, Andréa Santos.

Ela ressalta que os chamados “cabeças de rede”, ou líderes online do movimento evangélico extremista que apoia Bolsonaro, se empenharam em repetir a exaustão os detalhes sórdidos que Damares narrou, mesmo sem apresentar nenhuma prova.

Mas quando o assunto se virou contra o candidato, esses mesmos líderes começaram até mesmo a evitar o uso da palavra pedofilia.

“Eles são estrategicamente covardes”, diz Santos, explicando que esses líderes passaram a se referir a abuso sexual de menores com frases evasivas e atacando a esquerda.

Estratégia une medo e mentira

Junto com ataques a Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que usam uma grande quantidade de notícias mentirosas – muitas já exploradas e desmentidas a exaustão, com origem até na década de 1980 – a estratégia para convencer eleitores evangélicos está em pleno vapor.

E ela vem junto com um elemento ainda mais perverso: a manutenção de um constante clima de medo, com uso da narrativa de que as eleições deste ano representam uma guerra entre Deus e o demônio e que o fim do mundo pode chegar a qualquer momento.

“A ameaça do fim dos tempos é uma coisa constante. Não é para todos os evangélicos, mas para um bom recorte é muito forte. Não é forte só nas eleições, mas o tempo todo”, afirma Andréa Santos

Ela avalia que essa tensão provocada pela iminência do juízo final casa bem com os ataques a Lula. Na campanha evangélica pró-Bolsonaro que corre pelas redes, o ex-presidente é frequentemente associado a uma fantasiosa ameaça comunista, que vai fechar igrejas, tomar propriedades e instalar uma ditadura no Brasil.

São mentiras recicladas, que circulam há décadas, desde quando o petista disputou as eleições de 1989. Os oito anos em que ele foi presidente e em que nada disso aconteceu são convenientemente ignorados.

“Essa manutenção de um constante estado de alerta e pânico moral no meio dos evangélicos é um terreno fértil para que essas narrativas fiquem sempre sendo realimentadas e reavivadas. Elas acabam funcionando. A sensação que dá, acompanhando esses conteúdos constantes, é de que é interessante deixar os evangélicos nesse estado.”

Andréa Santos explica que a tática usa qualquer acontecimento, mesmo distante, para alimentar teorias da conspiração. Até a morte da rainha da Inglaterra, Elizabeth 2ª, aos 96 anos, deixou de ser vista como um fato natural e foi apresentada como um sinal apocalíptico.

Esse discurso abusa do tom profético. Nesta semana, por exemplo, a agenda da extrema direita evangélica declarou o Brasil como celeiro espiritual do mundo. Nesse contexto, as eleições não representam apenas a escolha de um presidente, mas de um projeto de nação escolhido por Deus.

“Todo tipo de ameaça pode ser o anticristo que vem com um discurso bonito e acaba roubando sua família e sua fé. As pessoas ficam assustadas e vulnerabilizadas.”

O messias imperfeito

Mas como incluir Bolsonaro – um homem que frequentemente tem gestos, discursos e atitudes frontalmente contrárias aos ensinamentos de Jesus – nessa narrativa de ele seria um enviado divino para salvar o país?

A solução da base evangélica radical foi, desde o início da campanha, apresenta-lo como um suposto messias, que não é perfeito, mas que seria o único capaz de combater o “mal”.

“Uma das primeiras narrativas que apareceram, que acho que foi uma porta importante para todas as outras, é a que o Bolsonaro não é o candidato perfeito. A própria Michele Bolsonaro inaugura esse argumento quando ela, no lançamento da candidatura, aponta ele como escolhido de Deus. Porque um escolhido de Deus, dentro da narrativa cristã, ele não é necessariamente perfeito”, aponta Andréa Santos.

A frase foi repetida a exaustão e, atualmente, é usada para justificar qualquer comportamento de Bolsonaro que fuja dos valores cristãos e da liturgia do cargo presidencial. “É uma narrativa bingo, porque ela funciona para tudo”, ressalta a pesquisadora.

Atirando para todos os lados

O funcionamento da rede evangélica extremista de propagação de fake news para conseguir votos entre fieis é padrão: líderes e influencers mais conhecidos são os primeiros a disparar o conteúdo.

Atuando como disparadores e multiplicadores, os perfis maiores comunicam ao resto do movimento o direcionamento. A mensagem então chega ao eleitorado, que passa a informação para a frente de maneira orgânica.

No primeiro turno, uma grande fatia do bolsonarismo evangélico dava como certa a vitória de Bolsonaro, por causa de uma suposta revelação divina.

O segundo turno mudou o cenário e o conservadorismo extremista se viu diante de um cenário no qual não tem experiência: a pauta das redes passou a ser cada vez mais dominada pelas denúncias contra Bolsonaro e por polêmicas envolvendo o nome do candidato.

Nas duas primeiras semanas de outubro, ele se viu associado – por responsabilidade própria na maioria dos casos – a satanismo, práticas ocultas da maçonaria, canibalismo e, claro, à pedofilia. A rapidez com que os assuntos apareciam causou confusão entre pastores e influencers evangélicos que passaram a dar respostas menos coordenadas.

Silas Malafaia, por exemplo, foi para as redes dizer que Bolsonaro não tem conexões com os maçons e explicar que era contra o armamento da população, mesmo apoiando sua reeleição.

A pesquisadora diz que apesar da certeza de que esses líderes “vão fazer de tudo para defender o Bolsonaro” e sempre vão procurar construir narrativas positivas para lidar com assuntos que o comprometam, é inegável que pela primeira vez nessa campanha, eles estão sendo pautados.

“Isso é um sinal de que teve efeito”, conclui.

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