Por Rodrigo Ratier, do UOL
Um tuíte publicado em um perfil pessoal, fora do horário de trabalho e sem qualquer infração à lei, levou uma professora universitária à demissão em Joinville (SC), na última terça-feira (18).
Docente dos cursos de comunicação da Faculdade Ielusc, a antropóloga Maria Elisa Máximo foi desligada da instituição em razão de uma crítica ao presidente Jair Bolsonaro (PL). Sindicatos veem cerceamento à liberdade de expressão, cláusula pétrea da Constituição e pressão econômica com motivação política.
Bolsonaro esteve em Joinville em 1º de outubro. A cidade mais populosa de Santa Catarina foi palco de uma motociata, um dos últimos atos da campanha antes do 1º turno.
Elisa passou de carro pela concentração da manifestação e, de volta à casa, escreveu no Twitter: “Joinville sendo o esgoto do bolsonarismo, pra onde escoaram os resíduos finais da campanha do imbroxável inominável. Não tem quem escape: há gente brega, feia e fascista pra todos os lados”.
“O texto criticava a estética do bolsonarismo. Como Joinville estava nos trending topics [assuntos mais comentados], minha publicação viralizou”, afirma a professora.
Os ataques vieram rápido — e numerosos. Assustada com a repercussão, Elisa apagou a publicação, mas o print do texto continuou circulando no Twitter e em outras redes sociais.
Em seguida apareceram os primeiros pedidos de demissão.
“Chegaram a fazer uma montagem associando minha foto à minha atuação profissional. Meu perfil é privado e não tem nenhum tipo de associação com a Ielusc”.
As críticas, que mencionavam “a professora que dá aula para as crianças de Joinville” — Elisa leciona no ensino superior — se transformaram em pressão de pais de alunos sobre a direção da faculdade, que acabou cedendo.
“Me afastei em licença médica por 15 dias. No retorno, no dia 18, fui demitida. Não houve explicação, estava pressuposto de que eu já sabia o motivo”, conta. “Pode-se discutir a postagem do ponto de vista moral, o que não está certo é misturar a minha trajetória como professora. Essa associação vil mostra que vivemos tempos de muito obscurantismo, tempos perigosos para quem trabalha com educação.”
Em um comunicado, a Ielusc diz que “o que posicionamento institucional é de neutralidade política” e que “a opinião expressa pela professora da Faculdade, em uma rede social pessoal (privada), em nenhum aspecto nos representa”. Uma orientação enviada em agosto aos professores trazia recomendações para evitar “posicionamentos pessoais [que]possam ser vinculados como sendo de nossa instituição educacional”.
Representantes sindicais ouvidos pela coluna dizem que normas dessa natureza são inconstitucionais.
Para Silvia Barbara, diretora do Sindicato dos Professores de São Paulo (Sinpro), a demissão foi política.
“A intenção foi calar a liberdade de expressão, que é um direito humano. Muitos empregadores tentam confundir propositalmente liberdade de expressão com militância política. A professora exerceu a livre manifestação de ideias num perfil privado. O desligamento é uma violência que merece todo o repúdio possível”.
Paulo Zocchi, vice-presidente da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), afirma que a neutralidade política é um direito da instituição, mas ele só se estende aos funcionários que a estejam representando em situações profissionais.
“Funcionários têm horário de trabalho. No âmbito pessoal, podem se expressar livremente”, argumenta. “A demissão por opinião política é uma atitude discriminatória vedada pela lei trabalhista. Temos visto diversas ações de pressão econômica pelo voto, e uma forma de fazer isso é demitindo. A instituição deveria recuar imediatamente de sua posição”.
Docente da Ielusc há 15 anos, Elisa era uma professora atuante na gestão da faculdade, coordenando grupos de pesquisa e de extensão universitária. Também era querida e bem avaliada pelos estudantes.
No dia de sua demissão, os alunos fizeram uma manifestação na faculdade protestando contra a medida. Perfis bolsonaristas noticiaram o ato como “invasão de igreja luterana por militantes do PT” aos gritos de “eles são de direita aqui”.
A versão falsa foi desmentida por agências de checagem e pela própria paróquia, em nota de esclarecimento.
Mãe de duas crianças que estudam em escola da mesma mantenedora da Ielusc, a antropóloga agora trabalha para reconstruir a vida.
“É muito duro vivenciar tudo isso. É uma exposição inimaginável, que me traz danos de todas as ordens. O único lado positivo é o sentimento de que estou do lado certo dessa história, do lado de quem defende a ciência, a educação libertadora e a comunicação comprometida com os direitos humanos.”