1 de novembro de 2022 12:47 por Da Redação
Por RFI
Passada à eleição de Luiz Inácio Lula da Silva e enquanto a sociedade brasileira ainda aguarda o posicionamento do presidente Jair Bolsonaro, que perdeu a reeleição, analistas políticos ouvidos pela RFI explicam os desafios do presidente eleito e tentam prever o futuro do “bolsonarismo” e sua atuação como força política em um terceiro mandato petista na presidência.
Isolamento e reconhecimento da derrota
A primeira preocupação é se há espaço para o atual presidente levantar suspeitas de fraude contra o processo eleitoral brasileiro, o que fica cada vez mais difícil, na medida em que outras lideranças, como os presidentes da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, e do Senado, Rodrigo Pacheco, reconheceram a vitória de Lula.
“Há vários discursos de lideranças dizendo que não houve fraude. Mesmo que o resultado tenha sido apertado, será difícil contestar. Mas fazer agitação para prejudicar o novo governo, isso pode acontecer”, acredita a historiadora Juliette Dumont, do Instituto de Altos Estudos sobre a América Latina (IHEAL) da Universidade Sorbonne Nouvelle. “Também devemos observar a posição dos militares, que não vão querer abrir mão do que receberam durante o governo Bolsonaro, pois há mais militares no governo hoje do que havia na ditadura”, destaca a especialista.
Para o cientista político Gaspard Estrada, diretor-executivo do Observatório Político da América Latina e Caribe (OPALC) da SciencePo, o silêncio de Jair Bolsonaro prova o seu isolacionismo. “Ele mostrou estar isolado, Arthur Lira e Rodrigo Pacheco já reconheceram a vitória de Lula e o próprio juiz Sérgio Moro também.
Então, se ele não reconhecer o resultado, pode haver protestos pontuais, como um bloqueio de caminhoneiros. Porém, o pior é que Bolsonaro vai perder a imunidade parlamentar e esses processos contra ele podem avançar”, diz. “Mas o bolsonarismo como força política vai continuar avançando. Ele vai se manter no jogo político porque, caso contrário, o futuro judicial dele pode ser pior”, acredita Estrada.
Juliette Dumont acha que a reconciliação do país vai ser difícil, ainda que necessária. “O bolsonarismo não foi totalmente derrotado, está muito presente, como o trumpismo continua a ser uma força presente e violenta nos Estados Unidos, como vimos no atentado contra o marido da democrata Nancy Pelosi”, cita. “O discurso de Lula foi para todos os brasileiros e isso é uma esperança. Vendo daqui da França, o que acontece no Brasil é um cansaço extremo das pessoas ao fim de uma campanha longa e violenta, com divisões nas famílias. Espero que este discurso de unidade possa ecoar na maioria dos lares brasileiros”, diz.
Desafios do governo Lula
Unificar um país dividido será o maior desafio do novo governante, na opinião dos analistas ouvidos pela RFI.
“Em seu primeiro discurso, Lula estendeu a mão para os eleitores que não votaram nele. Agora, ele tem de sinalizar como vai funcionar essa frente ampla, reunindo desde a esquerda radical até o centro-direita, explicar como isso vai se traduzir na composição do governo”, analisa Gaspard Estrada. “Um sucesso do governo Lula seria conseguir uma transição entre um Brasil distópico que volta à realidade”, completa.
O acadêmico da Sciences Po explica que Lula terá de compor com o novo Congresso Nacional para ter maioria política, o que não seria novidade para o petista. “Lula já governou com um Congresso conservador, pois esse tem sido o caso do Brasil. A diferença é que agora o número de partidos é menor. Mas o fato é que essa nova composição não é da mesma orientação política de Lula”, observa o cientista político, que diz não duvidar da capacidade do líder petista em articular parcerias. “Eu não duvido que deputados eleitos pelo PL possam apoiar o governo, mas até onde irão, não sei”.
Entretanto, o maior desafio do novo governo será econômico. “O Lula sabe que tem que entregar resultados rápidos na economia para que a pobreza e a fome diminuam no país e acho que ele vai focar muito em geração de empregos. Sem resultados, essa divisão da sociedade tende a aumentar”, diz.
Democracia
Juliette Dumont destaca ainda “o enfraquecimento da democracia brasileira”, o que se justifica por “uma eleição sem debate político real, que se transformou mais em um combate, uma luta de duas visões distintas do mundo, muitos ataques, mentiras e pouco debate”, afirma.
Entretanto, como um sinal de resistência da democracia brasileira, “apesar da máquina de Estado bolsonarista, a máquina digital nas redes sociais e recursos do Estado, com os auxílios liberados pelo presidente nos últimos meses, Lula ganhou. Foi um voto pela democracia e que mostra que parte do povo brasileiro ainda aposta nela”, diz a historiadora.
Internacional
Quanto ao papel do Brasil no cenário internacional, Juliette Dumont acredita no retorno do país aos centros de debate. “O Brasil havia desaparecido do cenário internacional durante o mandato de Bolsonaro. Então, só pode ser algo novo. Desde o início do século XX, o Brasil sempre foi um ator importante do multilateralismo e esse eclipse, durante o mandato de Bolsonaro, era uma exceção na história diplomática brasileira”, destaca a historiadora. A acadêmica acredita na volta do Brasil em organizações como a ONU, a OMS, a OMC e na região latino-americana, impulsionando movimentos progressistas.
Para ela, “no contexto de crise por causa da guerra na Ucrânia, mas também crise econômica e climática, a volta do Brasil é uma boa notícia. Mas será preciso reconstruir o Itamaraty e a diplomacia brasileira, que tem muita tradição”, conclui.