Por Claudia Correia, do Brasil de Fato
Segundo dossiê divulgado pelo Observatório de Mortes e Violências contra LGBTI+, de janeiro a setembro de 2021, o Brasil registrou 316 casos de mortes envolvendo pessoas LGBTQIAPN+. Foram 285 assassinatos, 26 suicídios e 5 mortes por outras causas. A pesquisa foi feita pela Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA), a Acontece, Arte e Política LGBTI+ e a Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis , Transexuais e Intersexos (ABGLT), cujos dados foram sistematizados pelo observatório.
Dentre os estados com maior número de mortes estão São Paulo (42), Bahia (30), Minas Gerais (27) e Rio de Janeiro (26). Salvador figura como o segundo município brasileiro com maior número de mortes violentas em 2021, com 11 casos. Feira de Santana, segundo maior município baiano, aparece no estudo em 5º lugar, com 7 casos.
Um dos casos emblemáticos apresentados no dossiê é o de Vida Bruno, homem trans negro, coordenador de Políticas e Promoção da Cidadania LGBT da prefeitura de Salvador. Ele foi agredido na cabeça num restaurante da capital baiana em novembro de 2020 e, após dois meses internado, faleceu em decorrência dos ferimentos.
Organização coletiva
Para enfrentar esse cenário, mães de pessoas LGBTQIAPN+ criaram em 2018 o Coletivo Mães do Arco-íris. Fundado em Salvador, o grupo tem como objetivo acolher mães e familiares para que entendam e respeitem a diversidade e apoiem as identidades sexuais e de gênero das pessoas ao seu redor.
As atividades do Coletivo Mães do Arco-íris priorizam o combate à LGBTfobia, ao racismo, capacitismo, machismo, sexismo, xenofobia e demais tipos de preconceito e exclusão social. O grupo atende familiares e pessoas LGBTQUIAPN+ distribuindo cestas básicas, promovendo campanhas solidárias, encontros e encaminhamentos para serviços de saúde, assistência social, psicológica e jurídica.
Cristiane Sarmento, coordenadora do coletivo e mãe de uma mulher trans, defende o envolvimento das famílias e da sociedade para combater o preconceito e a falta de conhecimento sobre as identidades sexuais e de gênero.
“A gente precisa romper com essa cisheteronormatividade porque ela é adoecedora para todo mundo. É preciso entender que nós, seres humanos, somos plurais, que cada ser humano é único com suas especificidades e toda sua diversidade”, afirmou.
Kin Bissents Bispo Santos, mulher trans, artista plástica e estudante da UFBA, participou do projeto “Respeite meu nome”, organizado pelo coletivo, e reconhece os avanços conquistados.
“Ser reconhecida, ver meu nome na faculdade retificado, na conta, sem passar por constrangimentos que eu passava foi o maior impacto para mim, porque o nome é nossa primeira porta de entrada”, destaca.
Em defesa de políticas públicas
Apesar das demandas crescentes, as políticas públicas não atendem às necessidades específicas do segmento LGBT. As principais solicitações que chegam ao coletivo Mães do Arco-íris incluem retificação de nome para pessoas trans, aquisição de alimentos, roupas e móveis, acesso a emprego, renda e capacitação profissional, assistência médica, jurídica, psicológica e farmacêutica.
A entidade solicitou à Secretaria Municipal de Saúde de Salvador o fornecimento de hormônios e bloqueadores para toda população trans e travesti da cidade. No Hospital das Clínicas, onde foi criado um ambulatório específico para o segmento LGBT, a reivindicação é que ele seja a porta de entrada para cirurgias de redesignação sexual.
Outra política pública que consta na pauta da entidade é a criação de uma Casa de Acolhimento Municipal para a população LGBT, particularmente jovens expulsos de suas casas ou que vivem em ambientes com violência psicológica e física, e que não têm para onde ir. O Coletivo defende a permanência e ampliação das cotas para acesso às universidades e luta por cotas também em empresas que participam de licitações com o município para aumentar a qualificação e empregabilidade desses sujeitos.
Ariel Pereira dos Santos, homem trans e ativista de redes sociais, também critica a ausência de políticas públicas para o segmento. “As políticas públicas em geral deixam a desejar, não temos acesso. É um problema do Brasil, quando se trata de saúde, tudo que é público. A gente não é preferência em lugar nenhum. Através desse projeto eu nasci de novo, tive meu direito de retificar meu nome”, declarou.
Para 2023, a expectativa do coletivo é de que, com o novo governo do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT), haja um grande avanço nas pautas dos Direitos Humanos e da população LGBT.
“Estamos bastante esperançosas de que, a partir de 2023, a gente retome o crescimento e a conquista das políticas públicas e as garantias de direitos a partir do próprio Ministério dos Direitos Humanos, que deve ser implementado novamente, e os Conselhos de Direitos”, finalizou Cristiane Sarmento.