segunda-feira 25 de novembro de 2024

Edson Bezerra: ‘O carnaval de Maceió foi fake’

O professor Edson Bezerra | Arquivo pessoal

Edson Bezerra é Doutor em Sociologia e professor da Universidade Estadual de Alagoas (Uneal), autor do Manifesto Sururu lançado em 2004. Também é o idealizador do projeto Xangô Rezado Alto, pensado para ser um ato de rememoração do quebra dos terreiros acontecido em 1912. É autor do livro O imaginário de Cacá Diegues na construção de uma estética alagoana em parceria com Luiz Fernando Barbosa Gomes Magalhães, lançado pela Imprensa Oficial Graciliano Ramos, Fapeal e Edufal, em 2022.

082: Há muito tempo você vem desenvolvendo uma visão crítica sobre a cultura alagoana, o que achou do Carnaval de Rua desse ano?

Edson Bezerra: Vamos por partes: primeiro que não houve um Carnaval de Rua, segundo, o que existiu foram manifestações carnavalescas.

082: Como assim, não houve Carnaval de rua?

Sim, não houve, o que pode se chamar de carnaval de rua, é uma coisa completamente diferente do que vimos em Maceió, uma vez que, atualmente existe um conceito, – na verdade um modelo -,  do que vem a ser um carnaval de rua e ele se insere justamente enquanto uma articulação do que atualmente se entende por economia criativa, entendendo-se por este conceito, toda uma articulação na formação de uma cadeia que compreende,  desde os músicos envolvidos, até os vendedores de churrasquinhos da esquina, e, essa cadeia deverá ter o envolvimento de toda uma infraestrutura de apoio, envolvendo desde a questão da segurança, até o transporte gratuito para as pessoas, pois, no final, lucra todo mundo, sobretudo a prefeitura que arrecada os impostos.

082: E no seu entendimento, por que nem a prefeitura de Maceió e nem o Governo do Estado não se envolvem neste processo com o apoio que deveriam?

Edson Bezerra: bem, aí têm muitas variáveis. De uma forma simplista, eu poderia dizer que eles não fazem porque eles não querem, principalmente a prefeitura, pois, ela deveria ser o ente que deveria estar na vanguarda de todo um todo complexo de articulação enquanto a principal agência responsável pela realização do carnaval. Primeiro por que, know how o pessoal da prefeitura tem. Afinal, não foi a prefeitura que promoveu o Festival de Verão? E no Festival de Verão não se investiu milhões e milhões de reais? Não se colocou transporte público para as pessoas se deslocarem? E por que no carnaval eles fazem isso? Por que não querem né? Os gestores da Fundação Cultural têm know how para isso, então a prefeitura não faz porque não quer mesmo. É, literalmente má vontade do prefeito JHC.

082: Então no seu entendimento, falta vontade política, é isso?

Edson Bezerra: sim é isso e tem mais alguma coisa.

(…) a interdição do Carnaval de rua, para mim é a manutenção da quebra dos terreiros de 1912 por outros caminhos.

082: Alguma coisa como? Especifique.

Edson Bezerra: a ausência de um autêntico carnaval de rua, ou melhor, o esvaziamento da cidade durante a época do carnaval, na verdade reflete a relação histórica do modo como a esmagadora maioria das elites alagoanas sempre se manifestaram e se manifestam em relação às culturas populares:  uma relação de distanciamento e de evitação, e, este tipo de relação tem sido histórico, pois, em sua maior parte, elas, as elites alagoanas, somente se aproxima das culturas populares de duas maneiras: primeiro enquanto material de pesquisa, – e Alagoas ao longo das décadas têm sido prodiga na produção de “folcloristas” – e segundo, elas se aproximam das culturas populares no entendimento de serem as mesmas, manifestações folclóricas, e isto sempre foi bem claro. Veja bem:  na gestão passada, quando o prefeito de Maceió era o Rui Palmeira, na Fundação Cultural da Cidade de Maceió existiam vários projetos envolvendo “folguedos”. Havia o “Giro dos Folguedos” durante o verão, o “Natal dos Folguedos”, etc. E para que era aquilo? “Folclore para turista ver”.  Agora, a interdição do Carnaval de rua, para mim é a manutenção da quebra dos terreiros de 1912 por outros caminhos. No fundo, a elite de hoje reproduz as mesmas práticas daquela mesma elite de 1912, ao desprezar o popular.

082: Mas, e de que modo você vê a questão da descentralização do carnaval de rua?

Edson Bezerra: Na verdade, este processo de descentralização do carnaval é uma mentira, e uma mentira que vem se consolidando com o passar do tempo, pois, só existe descentralização a partir da existência de um centro. E o centro de Maceió, fica aonde? Em Jaraguá? Na Ponta Verde? Em todos os lugares do Brasil aonde este processo de descentralização do carnaval existe, ele só passou a existir e foi se consolidando na medida em que houve uma saturação de um centro, quando, a partir da saturação deste centro, a gestão pública começou a redesenhar todo o carnaval de rua, e isto aconteceu e acontece, tanto em Olinda, bem como na Bahia. Todavia, do jeito que acontece e tem se reproduzido em Maceió, é a mais pura empulhação. Na verdade, esta coisa da descentralização do carnaval de rua, é mais uma jogada do populismo cultural da prefeitura, uma estratégia de contenção para que a coisa da alegria do carnaval não aconteça.

Esta coisa da descentralização do carnaval de rua, é mais uma jogada do populismo cultural da prefeitura, uma estratégia de contenção para que a coisa da alegria do carnaval não aconteça.

082: E, falando sociologicamente, quais as consequências da ausência de um carnaval para a cidade?

Edson Bezerra: Bem, para além do prejuízo econômico, – o que em si, já é revelador do tamanho da estupidez – o que se perde, ou melhor, o que se deixa de ser construído com esta prática perversa, é de uma perda inestimável. Primeiro, a reconstrução de um verdadeiro carnaval de rua em Maceió, seria uma rara oportunidade de se reconstruir as relações sociais da cidade, as quais, ao longo dos anos foram sendo solapadas em consequência do gigantesco apartheid da cidade que vem se consolidando nas últimas décadas, e, segundo, a construção do carnaval de rua poderia proporcionar ao alagoano, sobretudo a nós,  moradores da cidade de Maceió, um reforço de nossa identidade cultural, sobretudo de nossa identidade cultural afro-alagoana, pois, se por um lado temos uma identidade sustentada desde sempre pelas culturas populares, a nossa classe média  – e olhe que agora eu estou deixando de fora as “elites endinheiradas” justamente as que moram na Ponta Verde ou nos condomínios de luxo – ainda não incorporou em seu ethos, as culturas populares, incorporação esta, a qual, sem ela, lamentavelmente não pode existir uma identidade compartilhada. Afinal, para aonde vão os segmentos da classe média de Maceió durante o carnaval de rua?  Para onde vão os intelectuais e o pessoal da esquerda durante o carnaval? Sabe para onde elas vão? Vão, ou para as suas casas de praia ou para Olinda, como se elas não tivessem nada a ver com isso, e, veja você, mesmo nas prévias que acontecem uma semana antes do carnaval, pelos blocos ouvem-se cantar loas ao carnaval de Recife a exemplo do hino do Elefante lá de Olinda:

Olinda, quero cantar

A ti, esta canção,

Teus coqueiras, o teu sol, o teu mar

Agora me responda: existe coqueirais e um mar mais bonito do que os de Maceió? Pois, beleza no mar de Olinda é coisa que não existe, e o que mais há nas praias de Olinda são pedras e uma água com uma cor escura e barrenta. Realmente quando eu vejo estas coisas, me ponho a refletir a respeito da gigantesca falta de identidade do alagoano, pois, temos um verdadeiro complexo de vira-lata, como diria o Nelson Rodrigues.

082: Mas, o que a população da cidade de Maceió poderia fazer?

Edson Bezerra: bem, participar mais né? Mas aí, nós nos deparamos com uma questão política, entende? Afinal, na construção histórica de Alagoas, nós não encontramos – a não ser em raros momentos de nossa história – uma participação política da sociedade alagoana nos eventos significativos da nossa história, e, na prática, por incrível que pareça, isto também acontece na construção do carnaval de rua. Ou seja: ela deixa que os gestores públicos organizem por si mesmos um evento, ou melhor, uma festa que deveria celebrar a nossa diversidade cultural, e a coisa se aprofunda quando observamos as forças democráticas, a esquerda mesmo. Qual é a posição dela? Nenhuma, ela não toma posição, alguma, a esquerda fica completamente neutra, e, lamentavelmente ela não compreende que a reinvenção de um carnaval de rua, seria uma coisa fundamental para a reinvenção e uma redemocratização da sociedade alagoana. No entanto, ela nem pensa sobre isso. Na verdade, a atual construção do carnaval de rua é surreal, pois Maceió, – como disse um dia o poeta Marcos de Farias Costa – é a cidade do absurdo, e é isto o que se pode observar na atual construção do carnaval de rua da cidade: um absurdo.

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