quarta-feira 15 de janeiro de 2025

Nilson Miranda: uma vida em defesa da democracia

Jornalista e radialista comemora 90 anos neste sábado (25)

25 de março de 2023 7:51 por Geraldo de Majella

Nilson Miranda no lançamento da sua candidatura a deputado estadual, em 1982, no Hotel Atlântico

 

O ex-vereador Nilson Miranda comemora 90 anos neste sábado (25). Alagoano nascido no bairro do Poço, em Maceió, em 1933. Jornalista e radialista com formação na redação do semanário comunista A Voz do Povo, órgão oficial do PCB, em Alagoas, e na Rádio Difusora de Alagoas.

O jornalismo foi a sua única profissão tendo iniciado em Alagoas, depois trabalhou em jornais e rádios do Rio de Janeiro, Brasília e Rio Grande do Sul. Quando foi obrigado a se exilar, colaborou com a imprensa sindical e comunista vinculada ao PCB na Europa.

O 25 de março era festejado duplamente, antes do golpe militar: para comemorar o seu aniversário e o do PCB, fundado nos dias 25, 26 e 27 de março de 1922. A instalação da ditadura militar interrompeu essa tradição familiar.

O início da década de cinquenta foi a sua primeira prova de fogo ao ser perseguido, juntamente com o seu irmão, Jayme Miranda, este dirigente do PCB, pelo govenador Arnon de Mello (UDN). Eles passam a viver na clandestinidade, em Recife, assim, escapam da prisão.

A sua vida é marcada pela alternância entre clandestina e perseguição política com períodos de legalidade e exilio. O retorno à vida legal acontece com a anistia aos presos e perseguidos políticos em 1979. Nilson Miranda se reintegrou às atividades profissionais, sociais e políticas.

O mandato parlamentar de vereador durou o tempo de um relâmpago em céu azul de tão curto, sendo eleito em 1962, empossado em janeiro de 1963 e, no dia 3 de abril de 1964, a Câmara Municipal cassou o seu mandato. Posteriormente, foram suspensos os direitos políticos por dez anos.

Em apenas um ano e três meses no mandato, Nilson Miranda protagonizou debates acalorados entrecortados com denúncias contundentes. A sua coragem pessoal e política, às vezes temerárias, não o deixou entre os políticos que eram vistos com indiferença pelos adversários.

Denunciou a interferência do Instituto Brasileiro de Ação Democrática (IBAD), longo braço e cofre da Agência Central de Inteligência dos EUA (CIA), financiando campanhas eleitorais e ações governamentais do aliado eleito governador de Alagoas, general Luiz Cavalcante. As relações do IBAD com a elite alagoana não permitiu que a Câmara instalasse uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar as atividades do financiador das campanhas.

Juvenal Lopes, Antônio Moreira, Ernane Maia Lopes, Nilson Miranda e o filho de Ernane

As reformas de base lançadas pelo presidente João Goulart (PTB) se deram num momento em que o governo estava sob cerco político no Congresso Nacional. No cenário internacional, os EUA preparavam o golpe em aliança com militares, políticos conservadores, empresários brasileiros e estrangeiros com empresas instaladas no Brasil. Além da imprensa que vociferava contra o governo reformista.

O múltiplo militante Nilson Miranda, que, presidia o Sindicato dos Radialistas de Alagoas, era dirigente do Comando Geral dos Trabalhadores (CGT), da Federação Nacional dos Radialistas, do PCB e vereador. Pareciam sem fim as suas tarefas, além de escrever artigos e matérias no A Voz do Povo.

Nilson Miranda na tribuna da Câmara de Maceió

O permanente enfrentamento político com setores da burguesia alagoana, muitas vezes, acontecia de forma temerária, mas, nunca o comunista Nilson Miranda se acovardava. Sua impetuosidade quase lhe custou a vida.

Em 26 de agosto de 2005, numa de suas visitas periódicas a Maceió, gravei um longo depoimento com Nilson Miranda que será transformado em livro e será publicado em 2024. Há muitos fatos e aspectos da política alagoana das décadas de cinquenta e sessenta vividos por ele que serão revelados como registro histórico relevante como relevante tem sido a sua vida.

Em sua homenagem publicarei pequenos trechos do seu longo depoimento.

Fuga de Alagoas

Desde o dia 29 de março de 1964, quando foi realizado o ato público em defesa das reformas de base, no Centro de Maceió, Nilson Miranda não voltou para a sua casa. Ameaçado transitou entre a cidade de Capela e Maceió e finalmente com o golpe militar em 1º de Abril, contando com o apoio de amigos e militantes do PCB saiu de Alagoas.

[…] “Quero só o seguinte: tragam o Maninho Calheiros [empresário e membro do PCB] para conversar, saio daqui depois”. Quem me tirou de Maceió foi o Maninho Calheiros, Ernande Maia Lopes [plantador de cana de açúcar e membro do PCB]e o primo dele, José Pepeu [José Alcântara Calheiros], que sempre acompanhava o Maninho. Sabe quem foi o motorista do carro para eu sair daqui? Ernesto Calheiros. Aí, eu disse: “Maninho, vou no banco de trás”. Maninho ia noutro carro. O Pepeu foi comigo. Levaram-me na casa do parente do Maninho em Vila Messias, interior de Flexeiras. E o Ernesto voltou. Aí, no outro dia, Maninho chegou à noite e disse: “Vamos sair daqui”. A irmã do Ernesto fez um fuzuê em casa porque ele disse que tinha me tirado de Maceió.

[…] A saída de Maceió não foi planejada, foi improvisada. Entreguei tudo ao Maninho para cuidar porque o Maninho era muito safo. No outro dia, ele me tirou dessa casa e me levou para uma casa bem mais longe, um lugar onde moravam uns parentes desse delegado de Jaraguá e que prendia a gente, Aurino Malta. Eu estava numa casa em Novo Lino. E aí eu vi que o rapaz da casa, quando o Maninho se afastou, comeu, e foi para a rede de balanço e depois foi embora, e eu fiquei lá. Foi o último lugar que eu fiquei [em Alagoas]. Aí esse rapaz me chamou e disse: “Gosto muito das ideias da religião do senhor. É boa”. O cara pensou que eu era religioso. Passei a usar outro nome e os pais dele eram um casal de idosos e estavam com catarata, quase não enxergavam. Tinha a irmã e a empregada e esse rapaz era quem administrava a plantação de cana.

Nilson Miranda x Rubens Quintela

Descoberto o esconderijo, Nilson Miranda acerta como se entregaria à polícia. Paulo Calheiros, primo de Maninho Calheiros, foi quem estabeleceu o contato com o delegado Rubens Quintella, sem que Maninho soubesse.

[…] Ele [Paulo Calheiros] tomou um susto porque pensava que eu estaria dentro de casa. E eu falei:  – Como está o senhor?

– O que você está fazendo aqui?

– Ah, eu vim para falar com o senhor, que o Dr. Jayme [Miranda] me pediu para o senhor aceitar uma proposta que o Dr. Rubens Quintella mandou.

– Que proposta é essa?

Para eu me entregar ao Rubens Quintella, o Rubens Quintella não deixaria que a polícia me pegasse, me passaria para Exército e eu estaria protegido. O Exército me levaria para a penitenciária. Eu agradeci. Mas, quando é?

E ele disse: – é só o senhor decidir.

E eu disse: – pode ser amanhã, porque preciso acertar umas coisas aqui?

E a conversa foi por aí. E ele [Paulo Calheiros] disse: o que mais que o senhor queria para não acontecer nada com a sua família, o Dr. Rubens garante a vida do senhor.

Aí, quando eu disse se podia ser amanhã, vi que o Paulo ficou entusiasmado. Disse que estava bem. Lhe disse que estou devendo um dinheiro para pagar a uma pessoa, contei uma história qualquer para não ser de meio-dia.

Mas eu tenho outra proposta, além disso. Que venha só o Rubens. Se o Rubens vier com o grupo armado, eu não vou me entregar. Você disse que o Rubens me conhece, eu conheço o Rubens, sempre nos demos civilizadamente, cumprimentávamos, às vezes, conversávamos.

Essa foi a última vez que vi o Paulo Calheiros e o último acerto que eu fiz com alguém ligado ao Estado de Alagoas.

O Paulo saiu para um lado, eu voltei na casa e, como estava, fui embora. E fui esperar até entardecer. Saí caminhado para pegar a distância do caminho que levava até a estrada, avisei ao rapaz da casa que eu ia embora.

E fui embora. Nesse período, o que ocorreu? Consegui o caminhão de cana, deixei escurecer porque os caminhões trabalhavam noite e dia, e pedi uma carona. E o rapaz disse que me levava. Eu disse:

– Olha, eu pago a passagem, mas me leve até depois da fronteira de Alagoas que eu quero ver uns animais, eu quero comprar.

[…] Levei mais de um mês perambulando de ônibus pelas estradas. Foi assim que sai de Alagoas. Lembro de um fato: em Caruaru, vi no jornal uma notícia: “Vereador comunista morre em tiroteio”, esse vereador era eu.

[…] Cheguei ao Rio de Janeiro com uma situação, para mim, completamente nova. Como é que iria procurar alguém? Eu tinha algum dinheiro que o Maninho me deu. Quando ele me deixou nessa casa [zona rural de Novo Lino], ele perguntou:

– Você está sem dinheiro?

E eu disse: – o que eu tinha acabou.

– Vou lhe dar o dinheiro para o cigarro, o uísque, sabonete, pasta de dente. Enfim, levou camiseta. Eu estava sem nada e continuei viajando sem nada […]

Nilson Miranda retornou a Alagoas quinze anos depois, em julho de 1979, jamais encontrou o delegado Rubens Quintella. Os irmãos Paulo e Ernesto Calheiros foram assassinados na década de oitenta. Maninho [Manoel] Calheiros morre em consequência de complicações com a diabetes. Ernane Mais Lopes, Pepeu  e Nilson Miranda se reencontraram  na volta do exílio continuaram amigos fraternos.

Esse é um capítulo da História de Alagoas a ser escrito.

Camarada Nilson Miranda, parabéns por mais um ano de vida!

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3 Comentários

  • Esta entrevista completa deve ser simplesmente o máximo!

  • Muito importante essa história gostei muito.

  • Grande Tio Nilson!

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