25 de março de 2023 7:51 por Geraldo de Majella
O ex-vereador Nilson Miranda comemora 90 anos neste sábado (25). Alagoano nascido no bairro do Poço, em Maceió, em 1933. Jornalista e radialista com formação na redação do semanário comunista A Voz do Povo, órgão oficial do PCB, em Alagoas, e na Rádio Difusora de Alagoas.
O jornalismo foi a sua única profissão tendo iniciado em Alagoas, depois trabalhou em jornais e rádios do Rio de Janeiro, Brasília e Rio Grande do Sul. Quando foi obrigado a se exilar, colaborou com a imprensa sindical e comunista vinculada ao PCB na Europa.
O 25 de março era festejado duplamente, antes do golpe militar: para comemorar o seu aniversário e o do PCB, fundado nos dias 25, 26 e 27 de março de 1922. A instalação da ditadura militar interrompeu essa tradição familiar.
O início da década de cinquenta foi a sua primeira prova de fogo ao ser perseguido, juntamente com o seu irmão, Jayme Miranda, este dirigente do PCB, pelo govenador Arnon de Mello (UDN). Eles passam a viver na clandestinidade, em Recife, assim, escapam da prisão.
A sua vida é marcada pela alternância entre clandestina e perseguição política com períodos de legalidade e exilio. O retorno à vida legal acontece com a anistia aos presos e perseguidos políticos em 1979. Nilson Miranda se reintegrou às atividades profissionais, sociais e políticas.
O mandato parlamentar de vereador durou o tempo de um relâmpago em céu azul de tão curto, sendo eleito em 1962, empossado em janeiro de 1963 e, no dia 3 de abril de 1964, a Câmara Municipal cassou o seu mandato. Posteriormente, foram suspensos os direitos políticos por dez anos.
Em apenas um ano e três meses no mandato, Nilson Miranda protagonizou debates acalorados entrecortados com denúncias contundentes. A sua coragem pessoal e política, às vezes temerárias, não o deixou entre os políticos que eram vistos com indiferença pelos adversários.
Denunciou a interferência do Instituto Brasileiro de Ação Democrática (IBAD), longo braço e cofre da Agência Central de Inteligência dos EUA (CIA), financiando campanhas eleitorais e ações governamentais do aliado eleito governador de Alagoas, general Luiz Cavalcante. As relações do IBAD com a elite alagoana não permitiu que a Câmara instalasse uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar as atividades do financiador das campanhas.
As reformas de base lançadas pelo presidente João Goulart (PTB) se deram num momento em que o governo estava sob cerco político no Congresso Nacional. No cenário internacional, os EUA preparavam o golpe em aliança com militares, políticos conservadores, empresários brasileiros e estrangeiros com empresas instaladas no Brasil. Além da imprensa que vociferava contra o governo reformista.
O múltiplo militante Nilson Miranda, que, presidia o Sindicato dos Radialistas de Alagoas, era dirigente do Comando Geral dos Trabalhadores (CGT), da Federação Nacional dos Radialistas, do PCB e vereador. Pareciam sem fim as suas tarefas, além de escrever artigos e matérias no A Voz do Povo.
O permanente enfrentamento político com setores da burguesia alagoana, muitas vezes, acontecia de forma temerária, mas, nunca o comunista Nilson Miranda se acovardava. Sua impetuosidade quase lhe custou a vida.
Em 26 de agosto de 2005, numa de suas visitas periódicas a Maceió, gravei um longo depoimento com Nilson Miranda que será transformado em livro e será publicado em 2024. Há muitos fatos e aspectos da política alagoana das décadas de cinquenta e sessenta vividos por ele que serão revelados como registro histórico relevante como relevante tem sido a sua vida.
Em sua homenagem publicarei pequenos trechos do seu longo depoimento.
Fuga de Alagoas
Desde o dia 29 de março de 1964, quando foi realizado o ato público em defesa das reformas de base, no Centro de Maceió, Nilson Miranda não voltou para a sua casa. Ameaçado transitou entre a cidade de Capela e Maceió e finalmente com o golpe militar em 1º de Abril, contando com o apoio de amigos e militantes do PCB saiu de Alagoas.
[…] “Quero só o seguinte: tragam o Maninho Calheiros [empresário e membro do PCB] para conversar, saio daqui depois”. Quem me tirou de Maceió foi o Maninho Calheiros, Ernande Maia Lopes [plantador de cana de açúcar e membro do PCB]e o primo dele, José Pepeu [José Alcântara Calheiros], que sempre acompanhava o Maninho. Sabe quem foi o motorista do carro para eu sair daqui? Ernesto Calheiros. Aí, eu disse: “Maninho, vou no banco de trás”. Maninho ia noutro carro. O Pepeu foi comigo. Levaram-me na casa do parente do Maninho em Vila Messias, interior de Flexeiras. E o Ernesto voltou. Aí, no outro dia, Maninho chegou à noite e disse: “Vamos sair daqui”. A irmã do Ernesto fez um fuzuê em casa porque ele disse que tinha me tirado de Maceió.
[…] A saída de Maceió não foi planejada, foi improvisada. Entreguei tudo ao Maninho para cuidar porque o Maninho era muito safo. No outro dia, ele me tirou dessa casa e me levou para uma casa bem mais longe, um lugar onde moravam uns parentes desse delegado de Jaraguá e que prendia a gente, Aurino Malta. Eu estava numa casa em Novo Lino. E aí eu vi que o rapaz da casa, quando o Maninho se afastou, comeu, e foi para a rede de balanço e depois foi embora, e eu fiquei lá. Foi o último lugar que eu fiquei [em Alagoas]. Aí esse rapaz me chamou e disse: “Gosto muito das ideias da religião do senhor. É boa”. O cara pensou que eu era religioso. Passei a usar outro nome e os pais dele eram um casal de idosos e estavam com catarata, quase não enxergavam. Tinha a irmã e a empregada e esse rapaz era quem administrava a plantação de cana.
Nilson Miranda x Rubens Quintela
Descoberto o esconderijo, Nilson Miranda acerta como se entregaria à polícia. Paulo Calheiros, primo de Maninho Calheiros, foi quem estabeleceu o contato com o delegado Rubens Quintella, sem que Maninho soubesse.
[…] Ele [Paulo Calheiros] tomou um susto porque pensava que eu estaria dentro de casa. E eu falei: – Como está o senhor?
– O que você está fazendo aqui?
– Ah, eu vim para falar com o senhor, que o Dr. Jayme [Miranda] me pediu para o senhor aceitar uma proposta que o Dr. Rubens Quintella mandou.
– Que proposta é essa?
Para eu me entregar ao Rubens Quintella, o Rubens Quintella não deixaria que a polícia me pegasse, me passaria para Exército e eu estaria protegido. O Exército me levaria para a penitenciária. Eu agradeci. Mas, quando é?
E ele disse: – é só o senhor decidir.
E eu disse: – pode ser amanhã, porque preciso acertar umas coisas aqui?
E a conversa foi por aí. E ele [Paulo Calheiros] disse: o que mais que o senhor queria para não acontecer nada com a sua família, o Dr. Rubens garante a vida do senhor.
Aí, quando eu disse se podia ser amanhã, vi que o Paulo ficou entusiasmado. Disse que estava bem. Lhe disse que estou devendo um dinheiro para pagar a uma pessoa, contei uma história qualquer para não ser de meio-dia.
Mas eu tenho outra proposta, além disso. Que venha só o Rubens. Se o Rubens vier com o grupo armado, eu não vou me entregar. Você disse que o Rubens me conhece, eu conheço o Rubens, sempre nos demos civilizadamente, cumprimentávamos, às vezes, conversávamos.
Essa foi a última vez que vi o Paulo Calheiros e o último acerto que eu fiz com alguém ligado ao Estado de Alagoas.
O Paulo saiu para um lado, eu voltei na casa e, como estava, fui embora. E fui esperar até entardecer. Saí caminhado para pegar a distância do caminho que levava até a estrada, avisei ao rapaz da casa que eu ia embora.
E fui embora. Nesse período, o que ocorreu? Consegui o caminhão de cana, deixei escurecer porque os caminhões trabalhavam noite e dia, e pedi uma carona. E o rapaz disse que me levava. Eu disse:
– Olha, eu pago a passagem, mas me leve até depois da fronteira de Alagoas que eu quero ver uns animais, eu quero comprar.
[…] Levei mais de um mês perambulando de ônibus pelas estradas. Foi assim que sai de Alagoas. Lembro de um fato: em Caruaru, vi no jornal uma notícia: “Vereador comunista morre em tiroteio”, esse vereador era eu.
[…] Cheguei ao Rio de Janeiro com uma situação, para mim, completamente nova. Como é que iria procurar alguém? Eu tinha algum dinheiro que o Maninho me deu. Quando ele me deixou nessa casa [zona rural de Novo Lino], ele perguntou:
– Você está sem dinheiro?
E eu disse: – o que eu tinha acabou.
– Vou lhe dar o dinheiro para o cigarro, o uísque, sabonete, pasta de dente. Enfim, levou camiseta. Eu estava sem nada e continuei viajando sem nada […]
Nilson Miranda retornou a Alagoas quinze anos depois, em julho de 1979, jamais encontrou o delegado Rubens Quintella. Os irmãos Paulo e Ernesto Calheiros foram assassinados na década de oitenta. Maninho [Manoel] Calheiros morre em consequência de complicações com a diabetes. Ernane Mais Lopes, Pepeu e Nilson Miranda se reencontraram na volta do exílio continuaram amigos fraternos.
Esse é um capítulo da História de Alagoas a ser escrito.
Camarada Nilson Miranda, parabéns por mais um ano de vida!
3 Comentários
Esta entrevista completa deve ser simplesmente o máximo!
Muito importante essa história gostei muito.
Grande Tio Nilson!